*Soraya Misleh
Política apresentada pelo governo federal, a Nova Indústria Brasil (NIB) foi tema central de seminário promovido pela Federação Nacional dos Engenheiros (FNE), em 29 de setembro último, na sede do SEESP, na Capital. O evento reuniu técnicos e representantes do setor, da academia e da gestão pública para discutir o cenário atual e os desafios a serem superados, dentre os quais a garantia de mais e melhores engenheiros ao País avançar – questão fundamental colocada em pauta no dia 18 do mesmo mês em atividade realizada também no sindicato.
Com o objetivo de impulsionar o desenvolvimento da indústria nacional, a NIB, lançada em janeiro de 2024, vai ao encontro do que propugna o projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, iniciativa da federação com a adesão de seus sindicatos filiados, dentre os quais o SEESP, que vem sendo atualizada desde 2006. Em sua edição “Hora de avançar – Propostas para uma nação soberana, próspera e com justiça social”, lançada em 2023, a plataforma que reúne propostas factíveis ao desenvolvimento sustentável, chamava atenção à necessária ação para reverter desindustrialização precoce.
Segundo análise do consultor e coordenador técnico do “Cresce Brasil”, Carlos Saboia Monte, a industrialização da economia brasileira teve sua fase áurea entre as décadas de 1930 e 1980, quando o Brasil cresceu a taxas médias próximas de 7% ao ano, o que levou o País a ocupar lugar entre as dez maiores economias do mundo. Contudo, ao longo das décadas, a produção brasileira foi perdendo ímpeto.
“Vivemos hoje uma encruzilhada histórica. De um lado, o esgotamento de um modelo econômico baseado na desindustrialização precoce, na primarização da pauta exportadora e na precarização do trabalho. De outro, a urgência de construir um novo projeto nacional de desenvolvimento, à altura dos desafios de um mundo cada vez mais tecnológico, competitivo e desigual”, destacou Murilo Pinheiro, presidente do SEESP e da FNE, abrindo as falas do seminário intitulado “Nova Indústria Brasil e os caminhos da engenharia nacional”.
O Brasil, asseverou ele, precisa retomar a rota e avançar. “Tem que ser um crescimento com inclusão social, geração de empregos qualificados, inovação tecnológica e sustentabilidade ambiental”, defendeu. E validou: “O NIB é um passo importante porque devolve ao Estado brasileiro o papel de indutor do desenvolvimento, reconhecendo que a reindustrialização do Brasil é uma condição fundamental para garantir competitividade, soberania e justiça social.”
Abertura do seminário reúne dirigentes sindicais, personalidades e representantes do setor. Ao centro, Murilo Pinheiro. Fotos: Beatriz Arruda
Também à abertura, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil de São Paulo (Sintracon-SP), Antonio de Sousa Ramalho, informou que falta mão de obra qualificada no setor. Para o presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Ricardo Patah, a reindustrialização passa pela capacitação dos profissionais, sobretudo considerando as tecnologias da indústria 4.0. “Temos que pensar no elemento humano”, pontuou a secretária municipal de Relações Internacionais de São Paulo, Angela Gandra.
Já o vereador Eliseu Gabriel (PSB) afirmou que o poder público deve priorizar o setor em que tem maior potencial. “É o que precisamos, diretrizes objetivas de como incentivar essa reindustrialização. Estamos em tempo de uma retomada importante”, assentiu o secretário municipal de Infraestrutura Urbana e Obras de São Paulo, Marcos Monteiro. Nesse sentido, o deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania/SP) apontou o segmento de energia renovável e a produção de biocombustível. “O NIB não está sozinho, aprovamos o programa Mover [de mobilidade verde] e o combustível do futuro”, enfatizou.
Eixos e investimentos
A Nova Indústria Brasil abrange seis missões, com metas a serem cumpridas até 2033. Quem informou foi o diretor de Gestão Corporativa da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), Floriano Pesaro (confira aqui sua apresentação). Estruturadas nos temas cadeias agroindustriais, complexo da saúde, cadeias de infraestruturas, transformação digital, descarbonização e soberania e defesa, compõem os eixos estratégicos do plano: indústria mais produtiva, mais inovadora e digital, mais exportadora e mais verde.
O investimento público do programa é da ordem de R$ 1,186 trilhão até dezembro de 2026. Deste orçamento, cerca de R$ 516 bilhões já foram gastos. “Vale ressaltar que é uma política de longo prazo, mas que já está sendo executada”, assegurou o diretor da ApexBrasil.
Entre os principais instrumentos da política industrial está o requisito de conteúdo local, o que, na visão de Pesaro, é “essencial para desenvolver empregos”. Ele também destacou que 258 mil projetos já foram submetidos à NIB, com o maior percentual de recursos (43,41%) voltado para infraestrutura.
O programa ainda engloba políticas industriais setoriais com incentivos fiscais. É o caso da Lei do Bem (nº 11.195/2005), que visa estimular o investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) nas empresas brasileiras, tendo como contrapartida redução de tributos – Imposto de Renda (IR) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), além do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Ao todo, Pesaro apresentou mais de 20 políticas setoriais, “ações simultâneas, integradas, que conversam entre si e que vão fazer diferença no Brasil nos próximos anos”. Nesse cenário, ele ressaltou a importância de regulação e medição. “O Inmetro [Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia] tem atuado como guardião da infraestrutura”, frisou.
Confira o plano de ação da NIB na íntegra aqui.
Impactos positivos
A primeira mesa técnica da atividade da FNE, mediada pelo vice-presidente do SEESP e coordenador do projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, Fernando Palmezan, contou com a exposição do diretor de Estudos e Políticas Setoriais, de Inovação, Regulação e Infraestrutura do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Pedro Miranda, e do superintendente de Política Industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Fabrício Silveira.
Da esquerda para a direita, Fabrício Silveira, Fernando Palmezan e Pedro Miranda.Miranda destacou os princípios da Nova Indústria Brasil, de inclusão socioeconômica, equidade, promoção do trabalho decente e redução das desigualdades, inclusive regionais. No eixo inovação, presente em todas as missões da NIB, ele mostrou o salto nos investimentos liberado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) nos últimos anos, de R$ 2,3 bilhões em 2022 para R$ 13,6 em 2024. No entanto, os projetos ainda se concentram majoritariamente nas regiões Sudeste e Sul. O mesmo se repete nos valores destinados a P&D por meio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) – quase metade para a região Sudeste (49,19%). “Apesar do avanço, a gente ainda não conseguiu descentralizar”, sentenciou.
Segundo Pesquisa de Inovação Semestral de 2024 (Pintec 2024) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de modo geral, o número de empresas que utilizam tecnologias digitais aumentou. De um universo de 10.167, 9.054 utilizam tecnologias avançadas. “Chama atenção o uso de ferramentas de inteligência artificial; de 16% da amostra em 2022, agora 41,9% afirmam que utilizam. Isso já pode ser um reflexo da NIB”, acredita Miranda. Dentre as empresas que não utilizaram nenhuma inovação, o alto custo das soluções tecnológicas e os riscos estão entre as principais dificuldades listadas, “dois fatores que o nosso instrumento [NIB] pode ajudar a mitigar”, concluiu o diretor do Ipea (confira aqui sua apresentação).
Silveira apresentou alguns resultados já obtidos: “O PIB brasileiro teve uma alta em 2024, de 3,4%, puxado pela indústria de transformação.” No mesmo ano, o setor bateu recorde em exportação, alcançando US$ 181,8 bilhões, um aumento de 2,6% em relação a 2023 (veja aqui).
Desde 2017, no mundo todo, a criação de políticas industriais cresce a uma taxa média de 40% ao ano, segundo o superintendente. Ele externou a preocupação com a perenidade dessas políticas, sobretudo no Brasil, ao que o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI) tem papel primordial. E não subestimou a complexidade de todo o ecossistema. “É uma grande política que precisa ser muito bem governada. Exige mobilização e participação do setor privado, para que a gente não perca nenhuma oportunidade, apoio e aperfeiçoamento, para que tenhamos de fato resultados”, afirmou.
Desafios à indústria
A segunda mesa técnica abordou desde a visão da indústria até financiamento, formação e empregabilidade. A mediação coube à presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado de Santa Catarina (Senge-SC), Roberta Maas dos Anjos, e ao coordenador do Núcleo Jovem Engenheiro do SEESP, Matheus Veiga Mansano.
A partir da esquerda, Isis Sangiovani, Fernando Madani, João Delgado, Matheus Mansano, Roberta Maas dos Anjos, William Rospendowski e Danielle Miquilim. No púlpito, Murilo Pinheiro.
João Alfredo Saraiva Delgado, diretor executivo de Tecnologia da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), trouxe um quadro nada alentador ao qual a NIB precisará fazer frente. Engenheiro mecânico, ele observou que do total de investimentos no setor, 40% correspondem a máquinas e equipamentos, cujo consumo “caiu bastante” e os investimentos “vem diminuindo”.
Atualmente, segundo sua apresentação, a participação da indústria de transformação no PIB é de 14,4% (dados de 2024). Embora tenha crescido – chegou a 11% –, ele destacou que já foi maior (confira aqui). De acordo com a análise de Delgado, em países que atingem determinada renda per capita, os serviços naturalmente passam a ganhar mais espaço, e a indústria diminui relativamente sua participação. “Aqui isso está sendo feito precocemente, sem ter atingido rendimento per capita importante. O País também convive, como afirmou, com baixa taxa de investimento fixo total, não só em máquinas e equipamentos, de 17,6% - enquanto a média mundial é de 26% e sem considerar a China, 22%.
Outro desafio apontado pelo diretor da Abimaq é o baixo nível de estoque de capital. “Estamos na rabeira entre as piores economias do mundo. Entre 62, o Brasil está na posição 57”, lamentou. Entre outros problemas, ainda, ele mencionou parque industrial já ultrapassado e pouca inovação. Tudo isso reflete na produtividade do setor nacional, que, conforme ele, corresponde a cerca de 1/3 a ¼ da norte-americana.
Diante de todas essas questões, na ótica de Delgado, a NIB é uma “boa sinalização”, embora tenha se queixado de que a subdivisão em muitos grupos de trabalho seja um empecilho a sua aplicação efetiva. “Tem muito recurso para inovação, muitas chamadas da Finep. As empresas precisam olhar o que tem e colocar isso em projetos”, salientou.
É o que apresentou William Rospendowski, superintendente da Área de Operações Descentralizadas e Regionais (AODR) da Financiadora de Estudos e Projetos, segundo o qual está prevista a aplicação de mais de R$ 50 bilhões em projetos alinhados às prioridades da NIB. A Finep, explanou, retomou algumas linhas de crédito para difusão tecnológica e projetos de inovação, não apenas disruptivos, mas também incrementais. Ele garantiu que é dada atenção à micro e pequena empresa, com programas e fundos garantidores, e ao enfrentamento das desigualdades regionais. Ao estímulo à inovação, reavivou ainda o Prêmio Finep, valorizando casos inovadores de sucesso de Norte a Sul do Brasil (confira aqui sua exposição).
Janela de oportunidades
Para Marcelo Knörich Zuffo, diretor do Centro de Inovação da Universidade de São Paulo (InovaUSP), o País precisa sair da “zona de conforto”. Ele chamou atenção para a janela de oportunidades que se abre ao Brasil.
Marcelo Zuffo: mover a pentahélice para avançar em inovação.Em face da disputa entre China e Estados Unidos, em que a primeira anunciou que não mais comprará chips americanos e a demanda por materiais críticos e terras raras, o Brasil pode garantir processamento em território nacional, como detalhou. “A pior burrice do mundo seria exportá-las. A exploração de terras raras, sobre a qual a China detém o monopólio, é altamente nociva ao meio ambiente. E temos muita água, podemos fazer a purificação por hidromineração. Temos energia limpa e know how.” Ele complementou: “O Brasil é ainda pioneiro no processamento de nióbio, a Embraer está bombando, temos a segunda ou terceira maior indústria de motor, a WEG. Uma janela de oportunidades se abriu, é só trabalhar.” Conta a favor, também, na sua concepção, o fato de o Brasil ter voltado a ser ao resto do mundo “um porto seguro para atrair cérebros”, diante de políticas imigratórias restritas e discriminatórias em âmbito internacional.
A USP incluiu entre seus eixos, além do ensino, pesquisa e extensão, a inovação. Isso garantiu, por exemplo, como citou Zuffo, que conseguissem salvar 30 mil vidas a partir da criação em apenas 100 dias durante a pandemia, em parceria com a Marinha do Brasil, de ventiladores pulmonares portáteis com tecnologia nacional. Também se desenvolve fábrica de hidrogênio e se busca atrair jovens do ensino médio para a engenharia, por meio da Feira Brasileira de Ciências (Febraece). Além disso, conta com a implantação de 30 centros de inovação e pesquisa, dentre os quais de precisão oncológica, da Amazônia Sustentável e deve ser, também conforme sua exposição, anunciado um de semicondutores.
O diretor do InovaUSP defendeu a parceria entre universidade, empresas, Estado, organizações da sociedade civil e órgãos de governo no que chama de pentahélice. “É muito importante o papel dos engenheiros em tudo isso.” (veja aqui sua apresentação).
Qualificação e empregabilidade
Isis Borge Sangiovani, headhunter e sócia-diretora do Talenses Group, apresentou a demanda por profissionais da categoria nos setores em expansão, como biotecnologia e inovação agrícola, telecomunicações e conectividade, mobilidade elétrica e logística, além da infraestrutura e construção, cujo mercado de trabalho para engenheiros está “bastante aquecido”.
Engenheiros e demais interessados compõem a plateia.Ela reforçou as competências comportamentais como diferencial na busca por uma carreira de sucesso, tais como conhecimento em finanças, inglês avançado, pensamento crítico, habilidades em inteligência artificial e digitalização, bem como alinhamento com as diretrizes ESG (governança, ambiental e social). Na sua visão, contudo, entre os desafios à reindustrialização, no âmbito dos recursos humanos, estão atrair essa mão de obra qualificada, garantindo inclusão e diversidade (veja aqui sua exposição).
Sobre isso falaram Fernando Madani, pró-reitor acadêmico do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT), e Danielle Miquilim, professora-doutora dos cursos de Engenharia e Administração da Faculdade Engenheiro Salvador Arena. Para o primeiro, é necessário mostrar aos jovens as contribuições da engenharia ao País, a “beleza” da profissão, o que infelizmente não enxergam. “Eles têm que ver que estamos construindo, ajudando a desenvolver o Brasil, com vacinas, impressão 3D, inteligência artificial”, ressaltou, destacando a importância ainda da educação continuada (confira aqui sua apresentação).
Miquilim concordou, falando também da importância de reter os alunos nas engenharias, tornando o ambiente escolar atrativo. Na faculdade em que leciona, na região do ABC, em que, apesar de privada, os cursos são gratuitos, como descreveu, incluem-se nesse sentido uma série de programas de estímulo à permanência, apoios social e psicológico, bem como à empregabilidade (veja aqui sua exposição).
Ao encerramento, Murilo destacou a importância da discussão no seminário, afirmando que os resultados serão compilados pelo SEESP para apresentação ao vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin. “A NIB é uma iniciativa fantástica, vamos acompanhar cada vez mais a reindustrialização do País”, com valorização profissional e remuneração justa, lembrando que “o desenvolvimento tecnológico passa pela engenharia”.
*Colaborou Jéssica Silva
Imagem de capa: Fotos - Beatriz Arruda | Arte - Eliel Almeida