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14/01/2014

Artigo – A conta de chegar

Na ressaca da pior crise do sistema financeiro em 85 anos, a cooperação para o desenvolvimento e a justiça social retoma seu espaço na agenda do século XXI. O grande desafio, agora, é redesenhar o mapa comum de um percurso capaz de oxigenar o crescimento, expandir o comércio e ampliar o acesso à riqueza e às oportunidades. Colocar de pé esse edifício requer uma arquitetura suficientemente complexa para não descartar energias, instrumentos e experiências disponíveis.

Uma das chaves da travessia consiste em erguer pontes entre o dinamismo dos mercados e as urgências das nações, sobretudo de suas camadas mais pobres. Coordenação, democracia, governança e instituições multilaterais existem para isso. Tal compreensão encurta a distância histórica que muitas vezes parece afunilar o futuro em duas lógicas inconciliáveis e ao mesmo tempo insuficientes. De um lado, a hegemonia absoluta dos interesses dos mercados oligopolizados; de outro, a primazia social desprovida da competitividade que a sustente.

Superar uma disjuntiva que faz o futuro patinar em círculos, implica reconhecer as diferenças entre países e regiões. Esquematismos escravizantes que opõem livre comércio, cooperação, autodeterminação e emancipação social não dão conta das modulações requeridas pela história real das nações. No limite levam ao imobilismo ou, pior, ao cada um por si de consequências sabidas.

A Petrocaribe já garante preços estáveis a mais de 40% do abastecimento de economias frágeis, que não suportariam as oscilações bruscas nas cotações internacionais do petróleo. O alívio nesse custo é vinculado, a investimentos em políticas sociais.

Quando se escapa desse labirinto fica mais fácil enxergar a importância do que aconteceu em dezembro último em Bali, na Indonésia, na IX Conferencia Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC). E duas semanas depois, em Caracas, na Venezuela, na II Cúpula Extraordinária Alba - Petrocaribe, com a inauguração de uma zona econômica comum que abarca 18 países caribenhos e centro-americanos.

Vistos com as lentes convencionais os dois eventos encenam o antagonismo clássico. O que ocorreu em um e outro caso, porém, foi um capítulo da conta de chegar em curso entre nações, dentro de cada nação, entre regiões e mercados, todos empenhados em assegurar um espaço mais favorável na transição de ciclo em andamento na economia mundial.

Quem vê antagonismos entre Bali e Caracas subestima as lições de uma crise gerada pela desregulação financeira, ou superestima o alcance de antídotos desprovidos de institucionalidade que os sustentem. Um fio da meada a conectar o conjunto com o realismo ecumênico da cooperação é a segurança alimentar dos povos. Ou a ideia de que o livre comércio não pode ser dissociado da luta contra a fome e a pobreza extrema.

Em Bali, pela primeira vez em 20 anos, a OMC logrou um acordo. Ao desbloquear burocracias aduaneiras, abriu caminho à injeção de US$ 1 trilhão na economia mundial com potencial criação de 21 milhões de postos de trabalho num planeta sedento de empregos.

Mas foi, sobretudo, a agenda agrícola que levou a reunião de ministros da OMC a encarar a necessidade de uma coordenação entre estágios distintos de desenvolvimento, para que não se confunda a ideia de livre comércio com a renúncia das nações ao comando do seu destino.

 

 

A Índia transformou um colchete em um novo capítulo a ser construído na cooperação internacional. As nações em desenvolvimento têm o direito de incentivar a formação de estoques de alimentos com uso parcimonioso de subsídios, por meio dos quais pequenos produtores se tornam uma salvaguarda estrutural do abastecimento da sociedade.

A formação de estoques de alimentos, tema proibido na agenda internacional até pouco tempo, volta ao debate, também nos planos regionais. A Comunidade Econômica de Estados da África Ocidental (ECOWAS), por exemplo, já caminha em direção à criação de uma política regional nessa área.

O que se esboçou em Bali foi o discernimento de que a conquista da segurança alimentar é um estágio indispensável à maior fluidez do comércio. Foi um passo importante na direção certa, mas que requer desdobramentos. Uma série de equações precisam ser harmonizadas para que a formação de estoques redunde, de fato, em maior segurança alimentar sem reeditar custos insustentáveis do passado - o custo de carregamento das montanhas de manteiga na Europa, por exemplo; mas também o efeito desorganizador de sua desova em países pobres, a preços asfixiantes para o produtor local.

Da mesma forma, a integração regional expandida no encontro de Caracas promove a capacitação de pequenos países para uma futura inserção na globalização, em condições de escala e competitividade indisponíveis hoje.

A nova zona econômica reunirá produtores regionais de petróleo, como a Venezuela e o Equador, com países centro-americanos e ilhas caribenhas que agregam 83 milhões de habitantes.

Prestes a completar oito anos, a Petrocaribe já garante preços estáveis a mais de 40% do abastecimento de economias frágeis, que de outro modo não suportariam as oscilações bruscas nas cotações internacionais do petróleo.

O alívio nesse custo é vinculado, por acordo, a investimentos em políticas sociais. A principal delas, a partir de agora, será implantar um amplo programa de segurança alimentar na nova zona econômica criada em dezembro último.

A FAO participará desse processo e das discussões que devem se desdobrar na OMC, nos próximos anos, para erguer as linhas de passagem entre maior fluidez do comércio, luta pelo desenvolvimento, combate à pobreza e segurança alimentar das nações. O conjunto de Bali à Caracas talvez possa ser resumido em uma condicionalidade mais geral: a saída da crise mundial ganhará em dinamismo se incorporarmos a ideia ecumênica de que o comércio será tão mais livre quanto mais livre de fome e miséria for o mundo.


* por José Graziano da Silva, diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO). Artigo publicado, originalmente, no jornal Valor Econômico (14/01/2014)







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