A engenharia de pesca atua no extrativismo e produtivismo aquático reunindo ciências exatas, biológicas e humanas.
Rosângela Ribeiro Gil
Oportunidades na Engenharia
O engenheiro de pesca é o profissional multidisciplinar da área das Ciências Agrárias, que atua no extrativismo e no produtivismo de organismos aquáticos – peixes, crustáceos, moluscos e algas. Também é responsável pelo planejamento e estabelecimento de normas técnicas de exploração, armazenamento, transporte, processamento e comercialização dos produtos finais provenientes da indústria pesqueira e de atividades artesanais. Além disso, esse profissional pode atuar em prol da conservação dos recursos pesqueiros e seus ambientes naturais.
A graduação oferece um referencial teórico-prático na articulação entre as ciências biológicas, exatas e humanas para compreensão dos sistemas de produção aquícolas e a pesca extrativista, considerando aspectos econômicos, sociais e ambientais. Nesse sentido, estará apto ao desenvolvimento de ações extensionistas nas áreas de produção de pescado (pesca e aquicultura) e ecologia e meio ambiente.
Neste 14 de dezembro, comemora-se o Dia do Engenheiro de Pesca, profissionais que somam 1.960, em todo o País, de acordo com os registros reunidos pelo sistema dos conselhos federal e estaduais de engenharia e agronomia (Confea-Creas). Para falar mais dessa especialidade, entrevistamos Adriano Prysthon, nascido no estado de Pernambuco, concursado e profissional da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Pesca e Aquicultura, em Palmas, Tocantins. “Estou aqui desde 2010, vivendo uma cultura muito diferente da minha, mas com boa adaptação ao local, apesar do forte calor bem diferente da praia”, diz o engenheiro de pesca formado aos 23 anos de idade, no ano de 2000, casado, pai de três filhos. Aos 44 anos, Prysthon se mostra ainda mais apaixonado e empolgado pelo trabalho que exerce.
Estimulados pelas lições de Prysthon sobre defeso, extinção de espécies aquáticas e respeito ao meio ambiente, indicamos um mapa elaborado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) com a “sazonalidade” dos peixes, que pode ser conferido aqui.
Nesta entrevista com muita informação bacana, ele afirma que um peixe pirarucu adulto, encontrado na bacia Araguaia-Tocantins, pode chegar a dois metros de comprimento e pesar quase 300 quilos. O nosso engenheiro garante que não é papo de pescador.
Como a Engenharia de Pesca entrou na sua vida?
Sinceramente, quando prestei vestibular, na década de 1990, ainda não tinha muito claro qual era minha vocação. Alguns amigos que já estavam na faculdade é que falaram sobre esse curso, fazendo até uma ligação por residir numa cidade de praia e gostar da vida marinha. Passei no vestibular e iniciei o curso meio despretensioso. Mas, à medida que ia estudando e conhecendo a matéria, fui realmente gostando. Então, a profissão entrou até um pouco por acaso na minha vida, mas acabei tendo muita sorte. Ou seja, tive esse privilégio de começar um curso e gostar dele. E passei numa universidade pública, a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Aliás, foi o primeiro curso de engenharia de pesca no Brasil, criado em 1960, que fez 50 anos neste ano. Muito orgulho.
A sua escolha como mexeu com a sua família?
Olha, foi muito tranquilo e causou muito orgulho, porque venho de uma família muito humilde e pobre de Recife e serei o primeiro dos três filhos a fazer um curso superior. A minha família recebeu isso realmente como uma grande vitória. Então, na verdade, a receptividade nem foi pelo curso em si, mas ter entrado numa universidade, e pública! Parece que a conquista fica mais saborosa.
Formado, quais foram os seus primeiros passos como engenheiro de pesca?
Vou lhe confessar que foi difícil, como para todos nós de origem humilde. Acabei indo trabalhar em áreas muito específicas, que, geralmente, ficam longe das cidades grandes. Trabalhei em fazendas de cultivo de camarões, de ostras, de peixes e outros organismos aquáticos. Fui trabalhar em outros estados, como Piauí, Sergipe, Bahia. Depois voltei para Pernambuco para trabalhar numa grande empresa de exportação.
Retornei para Pernambuco para fazer mestrado na mesma universidade da minha graduação, finalizando-o em 2003. Depois do mestrado, voltei para Bahia e montei uma empresa de consultoria para atuar com setor de petróleo e gás, próximo à Costa, porque existe uma interferência muito grande entre a extração do petróleo e a pesca artesanal. E quando estava em Salvador, em 2010, prestei concurso para Embrapa e fui aprovado. No mesmo ano, vim para Palmas onde estou até hoje trabalhando como pesquisador na empresa.
Se, no início da minha carreira, trabalhava com o produtivismo, ou o cultivo de espécies aquáticas, hoje, como pesquisador da Embrapa, trabalho com o extrativismo.
Como é a vida do pesquisador em termos de aperfeiçoamento?
Como pesquisadores somos obrigados a nos manter atualizados e em estudo constante, porque elaboramos, escrevemos, aprovamos e executamos projetos, que passam por bancas avaliadoras. Precisamos nos manter coerentes com as demandas do setor produtivo da água.
Em Palmas, como é o seu trabalho?
Posso lhe dizer que fazer pesquisas é sempre um desafio. O Brasil ainda precisa investir muito em ciência e tecnologia. No nosso trabalho, corremos atrás de recurso para executar nossas ideias, e até para mapear o setor produtivo local.
A nossa área é relativamente nova para a Embrapa, que tem o seu “DNA” na pesquisa agrícola e pecuária, como soja, milho, boi, porco. O peixe é uma coisa nova. Estamos realmente abrindo um novo campo de atuação que é o setor produtivo da pesca.
O que vocês pesquisam, por exemplo?
Estou envolvido em algumas pesquisas que envolvem a pesca artesanal na bacia hidrográfica Araguaia-Tocantins. Estamos falando de um público de baixa escolaridade, e que não tem como adquirir tecnologias que aumentem sua produção. Com o nosso trabalho, conseguimos, por exemplo, desenvolver uma tecnologia de baixo custo, de fácil acesso, que aumenta a produtiva dessa pesca em mais de 50%. Buscamos, de uma forma geral, levar melhorias tecnológicas, que é o forte da Embrapa, também para as águas.
Você está envolvido em alguma pesquisa no momento, você pode falar dela?
Esse era um dos projetos que estava envolvido, que foi finalizado este ano. O outro projeto é obter o máximo de informação da comunidade e do ambiente, saber quantos pescadores existem, quanto eles produzem, quantos peixes pescam, qual é o tipo de pesca que eles utilizam. Estamos nesse momento de levantamento de dados, queremos, com isso, colocar luz em cima desse mundo ainda desconhecido da pesca nessa região do País. Queremos conhecer melhor a realidade para poder melhorar toda a cadeia produtiva, seja nas tecnologias, na comercialização e melhorar o ganho desses pescadores. É um projeto que tem me deixado muito orgulhoso.
Essa é uma região que vive muito da pesca?
É verdade. Pegando toda a bacia hidrográfica do Araguaia-Tocantins, pegando de Brasília até Belém, é muito grande e a pesca, realmente, é 100% artesanal. Não há pesca industrial, como a gente vê, por exemplo, em São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul. São barcos grandes, barcos de ferro, são empresas. Aqui é pesca de água doce, quase um sinônimo de pesca artesanal. É uma produção familiar, além de sustento, estamos falando também de segurança alimentar e economia.
Estamos falando daquele pescador que vende seu peixe ali na beira do rio. Ele vai usar aquele dinheirinho para fazer a sua compra no mercadinho, comprar roupa. Então, é um dinheiro que circula ali na comunidade, localmente. E tem essa importância.
A Embrapa tem o cuidado de não violar a questão cultural que tem por trás dessa pesca artesanal?
Claro! Claro! Qualquer linha de pesquisa científica precisa respeitar as comunidades e os povos originários, como esses pescadores, o povo indígena e os quilombolas. Qualquer atividade de pesquisa exige uma autorização de um organismo maior, chamado Comitê Nacional de Recursos Genéticos e Conhecimentos Tradicionais Associados. Precisa ter uma anuência desse órgão maior.
Você disse que tem diferença entre extrativismo e produtivismo. Pode nos falar a respeito?
É muito comum confundir pesca e aquicultura. Já até ouvi de pessoas formadas que pesca e aquicultura são palavras sinônimas, tudo bem que ambas são das ciências aquáticas, mas não são a mesma coisa. Elas se referem a temas e práticas diferentes.
Como engenheiros de pesca, somos habilitados a trabalhar nessas duas áreas: que é o extrativismo, por exemplo, a pesca, ou seja, que é coletar o que já está na natureza, que já está disponível para você. A pesca é baseada nesse modelo de produção. Já o produtivismo, a aquicultura, é o cultivo de organismos aquáticos.
Exatamente. Como disse, trabalhei em fazendas de cultivo de diversas espécies aquáticas, como camarão e ostras. O nosso trabalho é acompanhar o crescimento para saber se a espécie está crescendo corretamente.
No extrativismo, onde o recurso já existe no rio e no mar, a nossa atuação é para que as espécies não se esgotem, para que a pesca se dê de forma sustentável. Ou seja, para não se pescar demais e colapsar os estoques da natureza. Assim como, ter boas práticas de cultivo para que você não tenha um pescado doente, para que você não tenha uma má qualidade na sua fazenda.
Você falou em sustentabilidade, isso está ligado, por exemplo, a extinção de alguma espécie aquática?
Vamos falar da pesca de água doce, que é onde estou trabalhando, tem um peixe chamado pirarucu que, na vida adulta, pode medir até dois metros e chegar a pesar mais de 300 quilos. É uma espécie que está ameaçada, por que? Porque são topos de cadeias. Essa é uma pesca que nunca foi coordenada e organizada. O pessoal pescava o quanto queria. A partir daí os estoques começaram a diminuir. Hoje em dia existem projetos sociais junto às comunidades pesqueiras para a manutenção dessa espécie na natureza. Ou seja, pode pescar apenas o animal com um determinado tamanho e nunca na época de defeso, porque os rios têm um período de desova. É preciso combater a pesca ilegal. Tem todo um manejo nas pescarias para que os estoques possam existir sempre.
O que você gosta de fazer além da engenharia de pesca?
Tem muita gente que fala que vai pescar para relaxar, no meu caso é ao contrário (rs). Nas horas de lazer eu não pesco de jeito nenhum. Gosto muito de praticar esporte, correr, pedalar e nadar. Gosto muito do contato com a natureza. E sempre carrego meus três filhos. Casei na Bahia, e tive meus filhos aqui em Tocantins.
Como você compôs, nessa sua atividade de estar mudando de lugar, a sua vida pessoal?
Minha esposa é baiana. Nos conhecemos lá. Ela também é concursada e trabalha na Embrapa. Como pesquisador sempre estou viajando e ela sempre me dá esse apoio quando estou fora.
Como foi trocar a agua salgada pela água doce?
Mudei do Nordeste e vim para um bioma diferente. No início, a gente até sofre um pouco, porque a cultura é outra. Mas o que mais senti foi o clima, aqui em Tocantins é bem mais quente, é um quente seco. É um clima cerrado. Foi duro no início, mas a gente acaba se acostumando, a gente se adapta. O ser humano é o único bicho que consegue se adaptar do deserto até o Polo Norte.
Na vida cultural tem a questão das comidas típicas, o comportamento e os costumes, principalmente quando você vai conhecer as comunidades mais a beira do rio, as comunidades mais tradicionais. É um outro regime familiar e de trabalho. A gente vai aprendendo e se adaptando.
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