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21/05/2018

Ganesha, o grande removedor de obstáculos e a sábia decisão por Euro 6

A forte resistência da indústria automotiva brasileira, beneficiada pela complacência dos gestores nacionais do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), vem causando uma danosa prorrogação da deficiente tecnologia Euro 5 (Proconve - P7) nos veículos a diesel comercializados no Brasil, bem como o atraso da adoção de Euro 6 (P8), que corrige os erros de projeto do sistema de controle de óxidos de nitrogênio – NOx (SCR) dos Euro 5 e, ainda, incorpora os eficientes filtros de material particulado ultrafino cancerígeno (MP) nos veículos novos.

 

 

Além do evidente constrangimento para as autoridades ambientais e a própria indústria nacional, ao se revelar publicamente que o Brasil está ficando muito para trás entre os grandes blocos de países em desenvolvimento – Índia, China, México e Chile, entre outros –, em relação à adoção de tecnologias Soot-free, como o Euro 6, é oportuno acrescentar algumas questões adicionais, que também foram objeto de debate em Brasília em 9 de maio último no Seminário de Eletromobilidade realizado no Ministério das Cidades (MinCidades).

Observa-se frequentemente entre autoridades e gestores de transporte público e meio ambiente no Brasil que se propaga uma visão radicalmente equivocada, de que seria perda de energia pressionar as montadoras e os agentes reguladores do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) a adotarem a tecnologia Euro 6 o mais rapidamente possível nos veículos novos a diesel; ou mesmo, pressionar as montadoras para firmarem acordos de cavalheiros com o poder público, para que os ônibus urbanos novos em cidades gravemente contaminadas sejam dotados de tecnologia Euro 6, desde já.

Dado o intransigente zelo que autoridades ambientais de Santiago do Chile e Cidade do México têm com a saúde de seus cidadãos, recusam-se a adquirir ônibus poluidores Euro 5 naquelas cidades já muito poluídas; aliás, os limpos Euro 6 são fornecidos por montadoras brasileiras.

Alega-se por aqui – crê-se que por simples comodidade pessoal desses gestores – não valer a pena pressionar por Euro 6, porque a adoção de veículos elétricos a bateria no Brasil será capaz de solucionar os problemas ambientais nos centros urbanos. Porem, o enigma da hora é saber quando isso ocorrerá de fato de modo abrangente no País. Também alegam que já há importantes ganhos ambientais imediatos somente ao eliminar-se gradualmente nos próximos anos os ônibus Euro 3, colocando os Euro 5 em seu lugar; e que isso, por si só, já seria uma grande realização ambiental – ponto e basta.

Esquecem ou ignoram, no entanto, que a consolidada (desde 2010) tecnologia Euro 6 com filtro de partículas reduz quase a zero as emissões cancerígenas, corrige o gravíssimo problema do NOx (precursor do perigoso ozônio – O3 troposférico) do Euro 5, é mais silenciosa por conta do filtro de MP, tem custo incremental insignificante, proporciona economia de cerca de 2 a 3% de consumo de combustível (que cobre com folga o custo incremental) e o mais importante: salva vidas e proporciona melhor qualidade de vida, especialmente aos grupos mais vulneráveis, que sofrem em demasia com a poluição do ar.

As ideias rasas demonstradas sem nenhum constrangimento por esses tomadores de decisão são absolutamente equivocadas, também porque a grande penetração dos ônibus elétricos, utilitários e caminhões pode demorar muito mais do que se imagina. Na verdade, ainda não se sabe se haverá ou quando haverá – de fato – no Brasil a agressiva penetração dos elétricos.

Essa também é a situação da indefinida data de entrada em vigor dos Euro 6 novos no Brasil: 2023, 2026 ou até mesmo depois disso, se não houver pressão dos agentes de defesa do meio ambiente e da saúde.

Confundem tudo, também, ao eximir o transporte coletivo do sentido de urgência para adoção da tecnologia Euro 6 nas grandes cidades congestionadas; afinal, os ônibus urbanos são ícones da motorização sustentável, são o símbolo mais visível, o nicho veicular que vai puxar a fila – virão logo atrás os utilitários, vans e os caminhões leves e pesados.

Ressalte-se ainda que os defectivos e poluidores Euro 5 seguem sendo despejados no mercado brasileiro sem que haja protestos barulhentos das entidades ambientalistas supostamente antenadas às tendências da mobilidade sustentável. Esses ônibus e caminhões circularão por 30 anos de uso intenso, poluindo muito mais do que o previsto na regulamentação do Proconve. Também não se observa qualquer constrangimento das autoridades ambientais, que seguem autorizando o abastecimento do Euro 5 no mercado brasileiro, enquanto não entra em vigor a regulamentação da tecnologia limpa Euro 6.

Equivocam-se também os gestores de transportes públicos de São Paulo, porque, aparentemente, ignoram que as metas do plano de redução de emissões da frota de ônibus urbanos da Capital, que eles próprio gerenciam, somente serão atendidas com uma estratégia otimizada de substituição gradual de ônibus a diesel velhos por elétricos a bateria, se Euro 6 for adotado no Brasil a partir de 2020 (um estudo do International Council on Clean Transportation - ICCT mostra isso). Essa adoção representaria um upgrade ambiental nos diesel remanescentes da frota urbana paulistana e o imediato ingresso do Brasil na vanguarda ambiental dos transportes públicos entre os países em desenvolvimento.

O Ministro do Meio Ambiente da extremamente poluída Índia acaba de surpreender a todos, insistindo no óbvio e necessário. Sob a providencial intercessão de Ganesha, o grande removedor de obstáculos, acaba de anunciar a entrada de Euro 6 em todos os modelos a diesel comercializados naquele país, a partir de 2020. Isso ocorre em estrita similaridade com o jogo de forças brasileiro, após uma truculenta queda de braço entre agentes de defesa da saúde e do meio ambiente e as montadoras locais; estas últimas, exatamente como ocorre hoje no Brasil, alegavam a inviabilidade da adoção do Euro 6 antes de meados da próxima década. Entretanto, por lá, a mão pesada de Ganesha (como tem que ser em situações extremas) agiu favoravelmente ao interesse do povo, que vem morrendo às pencas por doenças cardiorrespiratórias; as montadoras tiveram que ceder pelo medo de retaliações e concordaram em produzir diesel Euro 6 (com filtro de partículas e SCR corrigido, operativo) a partir de 2020. Simples assim, o que era impossível, segundo o tradicional chororô das montadoras, tornou-se, num estalar de dedos, viável e possível.

Basta então uma firme decisão política; é o que se deve esperar das reticentes autoridades ambientais brasileiras, nem sempre zelosas com os melhores interesses da população. Em suma, os bons exemplos de Estado e a viabilidade plena não faltam nesse caso.

Imaginar que o poder público (e isso inclui as autoridades ambientais) abra mão de adotar imediatamente Euro 6 em favor de uma tecnologia obsoleta e defectiva como Euro 5 – que só traz benefícios ao caixa das montadoras –, na ilusão de que os promissores veículos elétricos solucionariam em breve o problema da contaminação, é um equívoco perigoso, que pode representar para o Brasil a perda de milhares de vidas ao ano, dadas as altas concentrações de MP ultrafino cancerígeno e dos NOx, também tóxicos e formadores do O3; e esse grave equívoco também representa um incremento relevante da degradação da qualidade do ar e da saúde da população nas grandes cidades brasileiras.

 

 

 

 

 

 

  

 

*Olimpio Alvares é engenheiro mecânico pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, consultor especialista em controle de emissões e transporte sustentável; é ex-gerente da área de controle de emissões veiculares da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), onde atuou por 26 anos

 

 

 

 

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