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Túnel imerso: solução urbana e inovação à tecnologia nacional

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Jéssica Silva

 

No final de janeiro os governos federal e estadual anunciaram a construção do primeiro túnel imerso no País, que ligará os municípios de Santos e Guarujá, no litoral paulista. A obra, que será realizada por meio de Parceria Público-Privada (PPP) com investimento de R$ 5,8 bilhões, foi incluída no Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e no Programa de Parcerias de Investimentos do Estado de São Paulo (PPI-SP).

 

O Governo do Estado deve lançar consulta pública ainda em março e viabilizar as demandas necessárias para o leilão – previsto para o segundo semestre deste ano. A modelagem jurídica e econômica do projeto está a cargo da Fundação Vanzolini, organização sem fins lucrativos, criada e gerida pelos professores do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), contratada em dezembro último pela Autoridade Portuária de Santos (APS).

 

“Essa modelagem consiste em realizar um estudo dos custos de implantação da obra e de operação do empreendimento”, explica Caio Fontana, professor e consultor da fundação. O túnel terá uma extensão total de 1,5km, sendo 870 metros por baixo do canal portuário.

 

Para as cidades, os benefícios previstos são muitos. A nova ligação significará uma redução de 40 quilômetros de percurso rodoviário entre as duas margens, conforme a APS, facilitando o transporte principalmente de contêineres entre os depósitos, terminais retroportuários e marítimos.

 

“Vai permitir maior segurança da navegação de cargueiros, uma vez que vai eliminar o cruzamento com os ferryboats, balsas e catraias. O calado aéreo dos navios também poderá ser aumentado, pois a linha de transmissão de energia elétrica que atravessa o canal será transferida para a passagem submersa”, frisa o órgão.

 

Caio Celestino AlvaroDa esquerda para a direita, Caio Fontana, Tarcisio Celestino e Álvaro Luiz Dias de Oliveira. Fotos: Acervos pessoais“O túnel pode vir a ser útil para a ligação portuária, mas, fundamentalmente, a grande demanda é urbana”, atesta Tarcisio Celestino, engenheiro civil especialista em túneis, coordenador da área de geotecnia da Themag Engenharia.

 

A travessia no local atualmente é realizada por balsas que transportam, todos os dias, 80 mil pessoas entre as cidades. Serão mais de 5 milhões de pessoas beneficiadas, incluindo os 1,6 milhão de habitantes da Baixada Santista e os mais de 4 milhões de turistas que anualmente visitam Guarujá e o litoral norte paulista, de acordo com a Prefeitura Municipal de Santos.

 

O impacto principal será na mobilidade urbana e fluidez dos veículos, na avaliação da Prefeitura Municipal de Guarujá, além da melhora no desenvolvimento econômico, com geração de emprego e valorização do comércio local.

 

“Teremos condição de uma travessia mais barata, mais rápida, menos poluente e mais prazerosa também”, afirma o presidente da Delegacia Sindical do SEESP na Baixada Santista, Álvaro Luiz Dias de Oliveira. “Hoje esperamos até uma hora [pela balsa], para um trajeto de cinco a sete minutos”, frisa. Ele ressalta que será ainda uma oportunidade de absorver conhecimento tecnológico e geração de emprego também para a categoria, em várias áreas, inclusive após a instalação, uma vez que “haverá situações de manutenção e novas obras”.

 

A engenharia do túnel

Módulo prémoldado ilustra TarcisioCelestinoModelo de módulo pré-moldado. Cessão das ilustrações: Tarcísio Celestino 

O túnel imerso proposto para o estuário será o primeiro no Brasil, mas já é realidade em diversos países e em portos importantes como o de Roterdã, na Holanda do Sul, o maior porto marítimo da Europa.

 

Esse modelo de túnel, conforme conta Celestino, que foi presidente da Associação Internacional de Túneis e do Espaço Subterrâneo (ABMS) e do Comitê Brasileiro de Túneis da entidade, é uma construção pré-moldada, cujas peças serão afundadas e unidas no local.

 

“O túnel de Santos está projetado com seis elementos [módulos], cada um de 140 metros de comprimento aproximadamente, pesando em torno de 50 mil toneladas”, diz o engenheiro. Cada módulo é fabricado em docas secas próximas ao estuário. “Essa doca é inundada e o elemento, previamente tamponado nas extremidades, flutua e é rebocado até o local onde será instalado.”

 

Operação de imersão ilustra TarcisioCelestinoOperação de imersão da estrutura.Para afundar cada uma dessas grandes peças utiliza-se um tipo de lastro líquido, bombeando água para tanques dentro dos módulos. Mas esse lastro não é o que de fato prende a peça ao fundo do estuário. “É preciso colocar um lastro permanente, que são peças de acabamento de concreto, que dá o peso final para que o túnel tenha estabilidade, fique lá permanentemente.”

 

Entre cada elemento, Celestino observa que está a chave do sucesso da obra: a vedação. “Existe a vedação chamada junta Gina. É um tipo de borracha pontuda comprimida entre as partes. Ela deve acomodar movimentações durante a instalação e mesmo as que podem ocorrer por conta do assentamento de longo prazo, garantindo a vedação.”

 

Junta gina e omega ilustração TarcisioCelestinoAinda conforme ele elucida, é utilizada uma segunda linha de defesa, as chamadas juntas Omega, “um perfil de uma geomembrana, parafusada nos elementos”. “Se acaso aquela junta Gina falhar, o perfil Omega entra em ação”, diz.

 

Segundo Celestino, não houve casos no mundo em que essa vedação precisou ser substituída ou reparada. “Como segurança adicional, uma vez que o túnel é posicionado na cava dragada anteriormente para acomodação das partes, fica um espaço vazio nas laterais. Esse espaço, assim como a camada superior do túnel, é preenchido com enrocamento, garantindo estabilidade e protegendo toda a estrutura de algo que possa cair de um navio, por exemplo”, ilustra. “É uma estrutura muito segura.”

 

Em vídeo, ele conta a experiência que teve quando cursava doutorado em mecânica das rochas na Universidade da Califórnia, em Berkeley, no leste da Baía de São Francisco (Califórnia/EUA). Após um terremoto na região, duas pontes da baía romperam enquanto o túnel imerso, no mesmo local, não sofreu nenhuma alteração. Assista:

 

 

 

 

Confira a entrevista completa com o especialista no canal do SEESP no Youtube

 

Túnel x ponte

 

A discussão sobre uma ligação seca entre Santos e Guarujá é quase secular, conforme destacou Oliveira em artigo para o Jornal do Engenheiro, edição de maio de 2021. Na ocasião, o dirigente do SEESP frisou que, desde 1927, as opções de ponte ou de túnel se revezaram nas promessas dos políticos.

 

Para Celestino, a melhor solução é o túnel imerso, por se tratar de um estuário à entrada de um dos maiores portos da América Latina; a ponte, na sua visão, limitaria o gabarito de navegação. E mais, para a altura necessária, seria preciso rampas de acesso com mais de 2km de extensão. “É uma desvantagem operacional, e as viagens ficariam muito maiores”, destaca o especialista.

 

Há dez anos, segundo ele, a Dersa realizou um estudo de viabilidade para saber qual a melhor solução. Depois do estudo, foi elaborado um projeto de túnel imerso, em consórcio com três empresas de engenharia, entre elas a Themag.

 

Em 2011, a partir desse projeto, o Governo do Estado realizou até a etapa de licitação para contratação da obra, porém o processo foi cancelado em 2015. De acordo com Celestino, o projeto divulgado pelos governos baseia-se no mesmo elaborado pela Dersa. Não obstante, houve adequações, como aponta Oliveira: “Em 2011 estava prevista uma série de desapropriações na região, agora estão cogitando uma saída pelo canal 4, que termina no porto, tendo ao lado já uma área de circulação [de veículos].”

 

 

Travessia Santos Guarujá Eliel AlmeidaTravessia no estuário de Santos-Guarujá atualmente realizada por balsas, que transportam 80 mil pessoas todos os dias. Foto: Eliel Almeida

 

 

Inovação à engenharia nacional

 

Celestino participou ativamente da elaboração do projeto da Dersa. Pelo seu ineditismo no País, uma das empresas do consórcio era holandesa e, de acordo com ele, foi a responsável por todos os inputs técnicos levados à equipe. Ele acredita que para a nova empreitada será também necessário a participação de uma empresa estrangeira: “Não conhecemos essa gestão do processo de fabricar [os módulos] num local, de transportar e, principalmente, a operação de afundamento.” Não obstante, sublinha: “As atividades de engenharia de um empreendimento como esse têm muitos assuntos sobre os quais o Brasil ‘nada de braçada’, ou seja, a nossa engenharia está mais do que habilitada.” : A transferência de conhecimento tecnológico se reverte em oportunidade, como pontua Oliveira: “Podemos absorvê-la e começar a instalar em outros locais do País.”

 

 

 

Foto no destaque: Eliel Almeida 

 

   

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