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16/05/2019

Tratamento de águas e dessalinização: paixões da engenheira Cintia Saemi

 

Rosângela Ribeiro Gil
Oportunidades na Engenharia

 

Você sabia que as primeiras experiências do Brasil com destilação solar (método de dessalinização) foram iniciadas em 1970? A técnica refere-se a processos químicos de retirada de excesso de sal e outros minerais da água para consumo humano. A entrevistada da nossa seção Excelência profissional é a engenheira química Cintia Saemi Homma, apaixonada, como diz, pela área de tratamento de água e efluentes. Ela se encantou com o tema ainda na faculdade. De lá para cá, como revela, se dedicou aos estudos para se especializar e contribuir com o desenvolvimento de técnicas que garantam a sustentabilidade à sociedade.

 

Formada e empregada numa montadora da região Vale do Paraíba, em Taubaté, Saemi decidiu que era “hora de voar” e foi atrás de novos desafios, conhecimentos e saberes do universo das águas. Nesse período, mais precisamente em 2004, foi contratada por uma grande multinacional, onde se engajou no sistema de dessalinização de água do mar na Costa chilena.

 

Hoje, aos 41 anos de idade, Cintia mantém a sua dedicação à área que lhe inspirou quando ainda era muito jovem.

 

Cintia Saemi 4Você poderia nos contar um pouco da sua trajetória profissional: desde o curso de engenharia até o exercício da profissão?

Em 1997, ingressei no curso de engenharia industrial Química na Faenquil (Faculdade de Engenharia Química de Lorena), atualmente USP (Universidade de São Paulo), na cidade de Lorena. A faculdade se localizava há 824km de minha cidade natal.

 

No quarto ano da faculdade, realizando algumas matérias, me encantei pela área de sistemas de tratamento de águas e efluentes. Quando realizei o meu primeiro estágio na montadora Volkswagen nessa área, tive a certeza que tinha feito a escolha certa.

 

Além de estagiar no laboratório de análises e operação da ETE (Estação de Tratamento de Efluentes Industrial e Sanitário), tive a sorte de acompanhar de perto a ampliação do sistema de tratamento de efluentes e a implementação do maior sistema de reuso de efluentes industriais por membranas de Ultrafiltração e Osmose Reversa, naquela época numa montadora.

 

Após dois anos de estágio, e muito aprendizado, me formei em 2002 e fui efetivada como coordenadora do sistema de tratamento de efluentes e reuso nessa montadora. Atuei por mais um ano na operação, mas decidi que era hora de voar. Queria conhecer mais a fundo esse universo. Aprender os diferentes tipos de processos. Dimensionar os sistemas de tratamento de águas e efluentes. E junto com outro desafio: ingressar nas grandes empresas especializadas no setor, adquirir experiências, conhecer as mais variadas tecnologias e me tornar uma expert no assunto. 

 

Ao longo da carreira tive oportunidade de passar por grandes empresas multinacionais nesse ramo, tais como Suez, Veolia e Centroprojekt. E ainda participei da entrega de grandes projetos para renomadas empresas, como Petrobrás, Suzano, Fibria, BHP Billiton, Mercedes Benz, Sherwin-Williams entre outras.

 

Como foi a sua aproximação com a técnica da dessalinização e o que ela compreende?

O primeiro contato com o sistema de dessalinização de água do mar ocorreu, em 2004, na empresa Suez, para um fornecimento industrial de uma planta piloto (20m3/h ou 480m3/d) em Antofagasta, no Chile. O objetivo foi efetuar testes com a água do oceano Pacífico em suas piores condições, analisar o comportamento do sistema em épocas do ano que surgem “mares vermelhas” – que são floração de algas vermelhas e alta concentração de TOC (sigla em inglês para Carbono Orgânico Total), efetuar testes de performance e levantamento de dados que serviria de base para a construção do sistema de dessalinização de água do mar da Minera Escondida (45.360m3/d), cujo projeto estava em andamento.   

 

Foi o meu primeiro trabalho com projeto piloto feito no Brasil e transportado via terrestre para o Norte do Chile para a Minera Escondida (grupo da BHP Billiton), a empresa utiliza água dessalinizada para a extração de cobre nas minas. A água dessalinizada produzida no local destinava-se ao bombeio a uma distância de 170km da Costa e altitude de 3200 metros acima do nível do mar. 

 

Trabalhei por um período de oito meses em Antofagasta na operação da planta piloto juntamente com a equipe técnica de apoio da Suez França. Esse projeto foi de suma importância na tomada de decisão da escolha de tecnologias e otimização de processos. Atualmente, a Mineradora Escondida está na sua segunda fase de ampliação com a capacidade de produção de água na ordem de 2500 L/s (216.000 m3/d), o que a torna a maior planta de dessalinização da América latina.

 

Quando o Brasil teve contato com esse processo?

As primeiras experiências com destilação solar (método de dessalinização), no País, foram iniciadas já em 1970, sob os auspícios do ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica). Em 1987, a Petrobrás deu início ao programa de dessalinização de água do mar para atender às suas plataformas marítimas, utilizando o processo de osmose reversa (membranas). Esse processo foi usado, pioneiramente, aqui no Brasil, em terras baianas, para dessalinizar água salobra nos povoados de Olho D'Água das Moças, no município de Feira de Santana, e Malhador, em Ipirá.

 

Podemos citar, ainda, o arquipélago de Fernando de Noronha (PE) como uma das pioneiras para abastecimento público, o sistema foi implantado em 1999 (16m3/h) e, ao longo dos anos, passou por algumas ampliações, somente em 2011 atingiu o fornecimento de água potável 24 horas por dia. Quarenta por cento da água consumida na ilha são provenientes de açudes e de poços de água das chuvas.

 

Atualmente, há projetos em andamento em cidades maiores e com demandas reprimidas de água. Cito o projeto mais recente de dessalinização a ser implantado em Fortaleza (previsto para 2020), com a capacidade de 1 m³/s, que ajudará dar sobrevida ao açude Castanhão que abastece a região metropolitana da capital cearense que está com sua capacidade bastante reduzida.

 

Em quais regiões do País a dessalinização é utilizada e por que? 

O Semiárido brasileiro possui uma área de 969.589,40 Km² (11% do território brasileiro), abrange nove Estados (AL, BA, CE, MG, PB, PE, PI, SE e RN), com 1.133 municípios e 21 milhões de habitantes (12,3% da população do País); destes, 9 milhões vivem na zona rural. A escassez de água na região pode ser explicada pela variabilidade temporal e espacial das precipitações, elevadas taxas de evaporação e evapotranspiração e pelas características geológicas, onde há predominância de rochas cristalinas. Tais características explicam também a ocorrência de águas salobras e salinas na região, que impossibilitam a disponibilização destas águas para o consumo humano sem que haja o tratamento adequado. Da meta de 1357 sistemas de dessalinização, 700 obras já estão contratadas, 482 obras já estão concluídas e 48 estão em fase de implantação - em 170 municípios do semiárido (fonte PAD - Programa Água Doce).

 

Lançado em 2004, o PAD foi concebido e elaborado de forma participativa durante o ano de 2003, unindo a participação social, proteção ambiental, envolvimento institucional e gestão comunitária local. A partir de 2011, o programa assumiu a meta de aplicar sua metodologia na recuperação, implantação e gestão de 1.200 sistemas de dessalinização, com investimentos de cerca de R$ 258 milhões, beneficiando, aproximadamente, 500 mil pessoas. Para o atingimento dessa meta foram firmados dez convênios com os estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Sergipe e Rio Grande do Norte. Os convênios estão estruturados em três fases: diagnósticos técnicos, sociais e ambientais; recuperação e implantação dos sistemas de dessalinização; monitoramento e Manutenção dos sistemas de dessalinização implantados ou recuperados.

 

300 Cintia SaemiComo a engenharia nacional contribuiu para se ter a dessalinização no Brasil?

A dessalinização está atualmente concentrada em países desenvolvidos (renda alta). Para que sistemas acessíveis e ambientalmente aceitos sejam implementados em países de baixa ou média renda, são necessárias inovações tecnológicas, bem como mecanismos inovadores de financiamento, para apoiar projetos de dessalinização para consumo humano.

Ainda que os custos estejam caindo, tornar potável a água do mar ainda é caro: a energia necessária para produzir mil litros é, em média, de 8 quilowatts-hora, equivalente ao consumo diário de uma casa de três quartos no Brasil. Sem falar nos investimentos para construção das plantas.

 

Para superar os desafios físicos e econômicos dependemos de pesquisas, dos avanços tecnológicos. Para se tornar viável economicamente, a inovação concentrou-se na redução do consumo de energia. Vários avanços inovadores desse trabalho, incluindo melhor desempenho e confiabilidade das membranas de osmose reversa (OR) e a inovação de dispositivos de recuperação de energia. Não só a energia necessária para a dessalinização da água do mar foi reduzida pela metade, as grandes instalações de dessalinização por membranas também se tornaram possíveis. Graças ao excelente trabalho realizado por muitas empresas e pesquisadores, os sistemas atualmente operam com menor consumo de energia, onde é razoável alcançar e sua adoção tem sido bem aceita.

 

 Atualmente, a osmose reversa continua a ser a tecnologia dominante para a dessalinização, mas a inovação visa alcançar objetivos diferentes, em particular, aumentar a produção de água, reduzir a produção de resíduos de salmoura e lidar com fontes de água mais difíceis. A dessalinização está cada vez mais se afastando do mar à medida que a inovação estimula o crescimento da dessalinização em aplicações industriais e de água salobra.

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