Jéssica Silva
Desde o anúncio de corte no orçamento em maio último, tem sido preocupante a atuação e a sobrevivência da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Conforme divulgado pelo órgão, o valor aprovado na Lei Orçamentária Anual de 2025 de R$ 155,64 milhões já representava 35% a menos do que o necessário. A redução recente de R$ 38,62 milhões, publicada no Decreto nº 12.477/2025, dificulta o cumprimento adequado das atividades da autarquia federal que é responsável pela fiscalização e regulamentação do setor de energia elétrica do Brasil.
A agência interrompeu o atendimento humano da Ouvidoria Setorial e limitou o horário de atendimento geral. Reduziu as atividades de fiscalização com equipe própria e teve que parar as que eram realizadas com apoio de órgãos estaduais, as chamadas fiscalizações descentralizadas. Ainda, na lista de impactos, a suspensão de contratação de soluções de tecnologia e da pesquisa que apura o índice de satisfação do consumidor – que era considerado no cálculo tarifário.
“Tivemos que fazer ajustes em contratos de terceirização de mão de obra. Inicialmente foram demitidos 114 colaboradores e esse número pode aumentar nos próximos meses, caso seja mantido o contingenciamento orçamentário”, destaca a Assessoria de Comunicação da Aneel.
À vista disso, a agência solicitou, por meio de ofício dirigido à ministra de Estado do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, a revisão do Decreto 12.477 e a liberação integral do orçamento. E frisa que a autarquia é incluída na política de contenção de gastos do governo federal, mas tem atividade com receitas vinculadas instituída por lei, por meio da Taxa de Fiscalização de Serviços de Energia Elétrica (TFSEE). Cobrada de empresas do setor em todo o Brasil, esta somou ao Tesouro Nacional R$ 1,25 bilhão em 2024. Para este ano, a receita prevista é de R$ 1,35 bilhão.
Os engenheiros Carlos Augusto Ramos Kirchner (à esquerda) e Murilo Pinheiro.
Fotos: Beatriz Arruda/Acervo SEESPNesse sentido, o corte orçamentário não tem lógica, na avaliação do diretor do SEESP e consultor na área de energia, Carlos Augusto Ramos Kirchner. “Se você tem uma arrecadação com esse fim, e essa arrecadação é superior à necessidade da agência, não há motivos para não atender o que a agência demanda e ainda reduzir o valor. Isso é enfraquecê-la”, afirma o engenheiro.
Tal ação, concorda o presidente do SEESP, Murilo Pinheiro, representa o desmantelamento da principal guardiã da previsibilidade regulatória do setor elétrico. “Reduzir a Aneel ao papel de mera executora de políticas de governo comprometerá gravemente a resolução de conflitos, a confiança de investidores e a qualidade dos serviços prestados à população. Trata-se de um movimento irresponsável, que coloca em xeque o próprio modelo de concessões públicas no Brasil”, aponta ele.
Para os engenheiros, o modelo do setor elétrico brasileiro, sobretudo após as privatizações, demanda fiscalização. “Se a agência deixa de ser atuante, ela acaba sendo omissa a possíveis irregularidades cometidas pelos agentes”, pondera Kirchner. E lamenta: “A corda sempre arrebenta do lado mais fraco, nesse caso, o consumidor.”
Falhas e falta de atendimento das concessionárias estão entre as principais reclamações. Em São Paulo, é cada vez mais frequente a ocorrência de apagões em meio a tempestades e a demora em se restabelecer o serviço sem explicação plausível, como se registrou em novembro de 2024 e novembro de 2023. Em 28 de julho último, mais de 80 mil clientes ficaram por horas sem luz na Grande São Paulo, após uma forte ventania na madrugada.
“Garantir recursos à agência é investir na qualidade do serviço de energia elétrica que chega à casa de milhões de brasileiros. O setor elétrico do País não pode prescindir de uma regulação forte e presente para garantir um ambiente estável para investimentos e transformações tecnológicas”, declara o diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa.
Com o corte no orçamento anunciado em maio, Aneel teve que reduzir serviços de fiscalização, entre outras atividades.
Foto: Alessandro Paiva/Freeimages
Trabalhadores e população prejudicados
Conforme divulgado pelo órgão em junho último, a Aneel já atuava com defasagem de 213 servidores. O quadro profissional multidisciplinar da autarquia, formado por engenheiros, administradores, pesquisadores, contadores, entre outras modalidades, receberia agora 36 especialistas aprovados no Concurso Público Nacional Unificado (CPNU) 2024 – o primeiro com vagas para a agência em 15 anos.
Contudo, o cenário atual para os servidores é de preocupação e incerteza. É o que aponta a diretora da Associação dos Servidores da Agência Nacional de Energia Elétrica (Asea), Alúria Cunha Vasquez Fernandez. Segundo ela, há um clima de insegurança entre os trabalhadores, impactados pela demora na realização de concursos, o envelhecimento do quadro e a sobrecarga de trabalho com os desligamentos.
“A Asea tem atuado para reverter essa situação e defender os interesses dos servidores”, afirma a diretora, “por meio do diálogo com a Aneel, articulação com parlamentares e mobilização”. E complementa: “Utilizamos canais de comunicação para informar a sociedade sobre o papel da agência e os riscos dos cortes orçamentários para a qualidade dos serviços de energia elétrica.”
Na visão de Fernandez, o setor vive um período de conflitos. Os “jabutis” aprovados pelo Congresso Nacional na lei que regulamenta a geração de energia offshore (Lei 15.097/2025), inicialmente vetados pelo presidente Lula, resultarão, em suas palavras, em “um amargo aumento de 3,5% na conta de luz e o custo adicional de R$ 7,8 bilhões ao ano”. “O corte no orçamento anual da Aneel, decretado em maio, equivale a menos de 0,5% do custo anual dos jabutis aprovados. Dois pesos, duas medidas”, critica ela.
Além disso, há duas vagas abertas na diretoria colegiada da agência, que, de acordo com Fernandez, estão sem nomeação devido a uma “disputa improdutiva por indicações políticas”. A governança do setor elétrico, na sua análise, está dando passos para trás. “Com tantos problemas, retirar recursos da fiscalização e reduzir a já insuficiente estrutura de regulação são medidas que encurtam o caminho para o colapso do sistema energético brasileiro, já no horizonte”, adverte Fernandez.
Alúria Cunha Vasquez Fernandez e Alfredo Gioielli.
Fotos (na ordem): Wallace Martins/Aneel e Acervo pessoalIluminação pública
Embora a responsabilidade direta pela iluminação pública seja dos municípios, a atuação da Aneel é essencial para garantir o cumprimento das obrigações regulatórias por parte das distribuidoras. Quem afirma é Alfredo Gioielli, advogado e especialista na área.
Sem a presença firme da agência, segundo ele, o equilíbrio da relação entre gestão municipal e empresas de energia se rompe, e os serviços tendem a se tornar ineficientes, desiguais e conflituosos. “A Aneel atua como árbitra para que as distribuidoras cumpram prazos, para que não haja transferência indevida de custos ou ônus regulatórios e para que sejam coibidas práticas abusivas”, enfatiza.
A eficiência da iluminação pública é pauta do SEESP há tempos. A entidade, assim como a Federação Nacional dos Engenheiros (FNE) à qual é filiada, participa diretamente de debates sobre o tema. “Em todos esses anos temos tido uma atuação em muitas consultas públicas e já tivemos contribuições acatadas pela Aneel, presentes inclusive na Resolução Normativa nº 1.000, de 2021, a mais importante da agência”, confirma Kirchner.
O cenário ideal para uma iluminação pública de qualidade, atesta Gioielli, pressupõe três pilares fundamentais: gestão municipal capacitada e estruturada, distribuidoras com atuação transparente e colaborativa e a Aneel fortalecida institucionalmente.
Foto no destaque: Michel Jesus/Aneel