Jéssica Silva
A cada minuto, no Brasil, dois caminhões de lixo plástico são despejados no mar. A estimativa da Coalizão Vida sem Plástico dimensiona o tamanho do problema no País, que é premente e global. No mundo todo, mais de 7 bilhões de toneladas de resíduos do material se encontram degradando em aterros ou lixões, o equivalente a mais de 70% do que foi produzido em 40 anos, de acordo com o Programa para o Meio Ambiente da Organização das Nações Unidas (Pnuma/ONU).
A poluição plástica – pauta presente no Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado em 5 de junho – é tida pela ONU como a segunda maior ameaça ambiental ao planeta, precedida apenas pela emergência climática. E uma interfere diretamente na outra, já que o plástico é derivado do petróleo e em toda a sua cadeia produtiva há emissões de gases poluentes. Ainda, em sua decomposição, que pode levar mais de 400 anos, o material se fragmenta em infinitos micro e nanoplásticos, já detectados na água, no ar, nos animais, em alimentos e no corpo humano.
A mais recente descoberta foi a presença dessas partículas no cérebro de oito pessoas que viveram ao menos cinco anos na cidade de São Paulo. As amostras foram coletadas do bulbo olfatório, região cerebral em que ocorre o primeiro processamento do olfato, conforme conta a professora do Departamento de Patologia da Universidade de São Paulo (USP) Thais Mauad, que atuou na pesquisa.
Segundo ela, apesar de o órgão ser o mais blindado do corpo humano, estudos em andamento notificaram a presença do material em outras partes do cérebro. “Em todos os órgãos humanos que foram pesquisados se encontrou plástico. Seria óbvio que se chegasse a esse ponto, dado o histórico de muita exposição que a gente já vem observando”, afirma a patologista.
O plástico pode levar mais de 400 anos para se decompor no meio ambiente, fragmentando-se em pedaços minúsculos já detectados na água,
nos alimentos e no corpo humano. Foto: Freepik
Ainda não se sabe ao certo os males que isso pode causar à saúde humana. Mauad alerta que muitos dos aditivos usados na produção do plástico são desconhecidos. “Para um plástico ser mais duro ou maleável, transparente ou com qualquer outra característica que vemos nas diversas utilizações, são adicionados componentes que não são especificados nas embalagens, nas etiquetas”, ela explica.
De acordo com a especialista, existem mais de 14 mil tipos desses aditivos; apenas cerca de 4 mil foram testados e destes, pelo menos 1,5 mil têm efeitos deletérios à saúde, principalmente cardiogênicos e disruptores endócrinos.
“Pesquisas já mostram que pacientes que tinham plástico nas suas artérias carótidas tinham quatro vezes mais chances de, em 30 meses, morrer de infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral ou de qualquer outra coisa”, diz Mauad.
Estudos com animais e culturas celulares, em que se testa a quantidade e o tempo de exposição ao plástico, mostram efeitos causados ao DNA, conforme ela conta. Os nanoplásticos rompem as membranas celulares e fazem com que as células liberem substâncias inflamatórias, alterando seu desenvolvimento.
Nanodesafio
Os pesquisadores Thais Mauad e Henrique Eisi Toma.
Fotos (na ordem): Comunicação FMUSP e Acervo pessoal
O professor do Instituto de Química da USP, Henrique Eisi Toma, explica que os microplásticos são aqueles ainda possíveis de enxergar, apesar do tamanho milimétrico, e, de certa forma, retirar do meio ambiente.
Já os nanoplásticos são mil vezes menores, pouco maiores do que uma molécula. “Aí que está o problema, é um inimigo invisível e para identificá-lo, é preciso laboratórios muito específicos, especializados em nanotecnologia”, diz.
Ele foi um dos pesquisadores do projeto que resultou numa solução de baixo custo que pode retirar os nanoplásticos da água. O procedimento utiliza uma nanopartícula magnética com uma biomolécula, a polidopamina, que atrai o nanoplástico, junto à enzima lipase, que “devora” a nanopartícula do poluente.
A solução é um passo vitorioso, mas Toma observa que é apenas a ponta do iceberg; o assunto tende a ficar em pauta em pesquisas das próximas décadas. “Mostramos que existe um caminho. E agora os especialistas da área ambiental, da saúde, podem se aprofundar”, frisa o professor.
Não obstante, para que qualquer projeto nesse sentido tenha impacto, Mauad é enfática: “A indústria precisa parar de produzir, e a gente precisa parar de consumir.”
Perdas econômicas
Para além dos danos à saúde pública, os custos da poluição plástica nos ecossistemas marinhos variam entre US$ 6 e US$ 19 bilhões globalmente, com prejuízos econômicos nos setores de turismo, pesca e aquicultura. É o que afirma Rafael Eudes, do Comitê Gestor da Aliança Resíduo Zero Brasil e membro da Coalizão Vida Sem Plástico.
Engenheiro químico, ele ressalta que os gastos sociais são ainda mais alarmantes, estimados entre US$ 2,2 trilhões e US$ 4,4 trilhões por ano, o que representa 3,5 a sete vezes o valor econômico total atribuído à produção de plástico.
“Enquanto os benefícios econômicos da produção estão altamente concentrados em poucos países e indústrias, os custos sociais e ambientais são sentidos globalmente, impactando desproporcionalmente países em desenvolvimento, comunidades tradicionais e populações mais vulneráveis”, alerta Eudes.
Desde 2022, por meio da Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente, países discutem um tratado global contra a poluição plástica. O último encontro aconteceu em Busan, na Coreia do Sul, em dezembro de 2024, marcado por divergências e nenhum consenso. A próxima reunião está prevista para agosto, em Genebra, na Suíça.
Na avaliação de Eudes, o Brasil deveria se tornar protagonista nas negociações desse tratado, “como um dos países mais biodiversos do mundo, com uma vasta costa, e uma ampla comunidade científica que vem evidenciando os impactos do plástico”. “O Brasil precisa ir além de aspectos econômicos e considerar em suas contribuições aspectos que protegem a saúde humana e o meio ambiente”, ratifica.
Reciclagem
Rafael Eudes (à esquerda), Silvana Guarnieri e Clineu Nunes Alvarenga.
Fotos: Acervos pessoais, e Acervo SEESP (ao centro)
Para a diretora do SEESP e coordenadora do Núcleo da Mulher Engenheira da entidade, Silvana Guarnieri, a coleta seletiva tem papel fundamental para reduzir a quantidade de plástico descartado em local inadequado, assim como qualquer outro material que possa ser reciclado.
“É possível fomentar o mercado recolhendo esse material, colocando-o de volta à linha de produção, a exemplo das latas de alumínio, que são recicladas e contribuem para redução do consumo de energia e matéria-prima retirada da natureza”, pontua a engenheira, especialista em tratamento de resíduos.
No entanto, segundo o Atlas Brasileiro da Reciclagem, apenas 27,5% das cidades no País ofereciam, em 2023, serviços de coleta seletiva porta a porta, modelo operacional mais indicado para aumentar taxas de reciclagem de resíduo sólido urbano. Os catadores, por meio de cooperativas ou autônomos, são os grandes responsáveis pela reciclagem – nove a cada dez quilos de embalagens voltam à indústria por meio do trabalho deles.
Ainda assim, muitos tipos de plásticos não têm reciclabilidade. É o que alerta o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR): “As indústrias utilizam materiais que não têm valor econômico depois de utilizados, e ainda colocam o símbolo de que é possível reciclar, mas não é, um verdadeiro greenwashing” – em português, “lavagem verde”, uma propaganda enganosa quanto à imagem de sustentabilidade da marca.
O movimento chama atenção também à falta de comprometimento das empresas com a logística reversa de suas embalagens, ação prevista na Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010). “Alguns materiais já têm retorno, como o PET, mas de fato a logística reversa, como prevê a lei, não está devidamente implantada”, confirma Guarnieri.
Até 2023, apenas 27,5% das cidades no País ofereciam serviços de coleta seletiva porta a porta. Foto: Agência Brasil
“O processo de lavagem e trituração é caro, e muitos plásticos destinados a reciclagem contêm resíduos que não são possíveis de retirar, como os materiais utilizados na construção civil ou alimentos”, externa Clineu Nunes Alvarenga, presidente do Instituto Nacional da Reciclagem (Inesfa).
Ele afirma que 25% da produção de plástico no Brasil é reciclada, em torno de 1,4 milhão de toneladas por ano. Contudo, ele frisa que ainda é mais rentável para a indústria produzir a partir da resina virgem. “É um produto muito barato de ser fabricado e muito caro para ser reciclado. Outro ponto negativo é que ele perde a qualidade a cada processo, virando no final apenas aquele saco preto para lixo”, expõe Alvarenga.
O Inesfa atua há 50 anos em prol do mercado da reciclagem, da profissionalização dos agentes e empresas, com cerca de 100 empresas associadas que atualmente respondem por 50% do volume de aço reciclado no País. “Qualquer produto pode ser reciclado, mas tem que ter viés econômico. Precisamos de tecnologia, melhoria nos processos, legislação que viabilize e, principalmente, que a indústria do plástico seja responsabilizada”, destaca o presidente do instituto. E questiona: “Se a matéria-prima é mais barata do que a reciclagem, o que você acha que vai acontecer?”
O MNCR defende que seja banido o consumo e a produção do plástico de uso único e embalagens com baixa demanda no mercado comprador. “São esses plásticos que estão poluindo os oceanos e rios, causando morte de animais e desequilíbrio ambiental. Por isso, apoiamos o PL 2.524/2022, em tramitação no Senado, que proíbe a venda de alguns plásticos e institui uma economia circular”, atesta o movimento.
*Foto da capa: Panaramka.ukr.net/depositphotos | Arte: Eliel Almeida