Soraya Misleh*
“A Região Metropolitana de São Paulo tende a ser o maior mercado do Hemisfério Sul quando se fala de mobilidade aérea urbana.” Foi com essa máxima que o membro do Conselho Tecnológico do SEESP e professor da Universidade Mackenzie, Darío Rais, abriu as falas do seminário “eVTOL: tecnologia, potencial e implicações urbanas”, promovido pelo sindicato em 29 de outubro último, em sua sede, na capital paulista.
Coordenando a atividade, Rais enfatizou a importância do debate que “dará norte para a engenharia e a mobilidade nos próximos anos”. Participaram da mesa de abertura Rodrigo de Carvalho, gerente do Departamento Regional Sudeste da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep); Leonardo Ramos, chefe de gabinete da São Paulo Negócios; Musa Miranda, diretora de Inovação e Empreendedorismo da Agência São Paulo de Desenvolvimento (Adesampa); Ricardo Teixeira, presidente da Câmara Municipal de São Paulo; e Felicio Ramuth, vice-governador do Estado de São Paulo.
Da esq. para a dir., Leonardo Ramos, Musa Miranda, o vice-governador Felicio Ramuth, o presidente da Câmara Municipal de São Paulo, Ricardo Teixeira, Darío Rais e Rodrigo de Carvalho. No púlpito, Murilo Pinheiro. Fotos: Rita Casaro
“O SEESP, ao promover este debate, cumpre o papel de sindicato moderno, atuante e comprometido com o interesse público”, destacou o presidente do SEESP, Murilo Pinheiro. A atividade, como ressaltou, está em linha com o projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, iniciativa da Federação Nacional dos Engenheiros (FNE) com adesão da entidade paulista.
Ao colocar em pauta os veículos elétricos de decolagem e pouso verticais, os eVTOL, Murilo declarou: “Estamos olhando para o futuro, mas com os pés firmes na realidade. Trata-se de uma inovação que dialoga com grandes desafios das cidades modernas. E tão importante quanto celebrar as novas tecnologias, é refletir sobre suas implicações sociais e urbanas. É aqui que a engenharia brasileira mostra toda a sua relevância. Nenhum salto tecnológico é possível sem o conhecimento, a criatividade e o compromisso de engenheiros e engenheiras que projetam, constroem e sustentam as bases do progresso.”
Representação visual (mockup) do eVTOL. Imagem: Eve Air Mobility
A participação do poder público nessa discussão foi destacada pelos especialistas. Segundo Ramos, a São Paulo Negócios atua fortemente junto ao grupo de trabalho da Prefeitura para discutir mobilidade e inovações. “O eVTOL não é futuro, já é presente; já está nas maiores capitais do mundo, não seria diferente em São Paulo”, confirmou Miranda.
Segundo Carvalho, nos últimos anos a Finep tem conseguido ampliar seu investimento na indústria nacional. “Em 2024 foram R$ 13 bilhões; este ano, R$ 17 bilhões. Nosso esforço, junto ao BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] e outras instituições, é chegar aos R$ 500 bi no âmbito da Nova Indústria Brasil (NIB)”, asseverou.
“Esse tema passará por regulação também na Câmara. Somos a décima cidade no mundo que já discute esse tipo de mobilidade”, ressaltou o vereador Teixeira. “O Estado se compromete a participar da construção de uma legislação conjunta. Os desafios são grandes, mas a vontade de fazer acontecer é maior. E já estamos em vantagem, com uma das fábricas mais modernas do mundo, a Eve”, completou o vice-governador Ramuth.
Tecnologia
A Eve surgiu em 2017 como um projeto de inovação da Embraer-X, a aceleradora de negócios da Embraer, segundo contou Sérgio Tomasella, diretor de Serviços e Suporte da Eve Air Mobility. Em 2022, tornou-se uma empresa independente e em 2024 divulgou o primeiro eVTOL brasileiro. Atualmente conta com a atuação de mais de 750 engenheiros em parceria com a Embraer e uma carteira com 28 clientes em nove países, com valor de intenção de compra estimado em US$ 14 bilhões. Neste ano, ainda, foi firmado contrato com a companhia Revo, para a operação dos veículos em São Paulo.
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A fábrica, em Taubaté (SP), tem capacidade de produção de até 480 veículos por ano. “O eVTOL tem alta confiabilidade, é uma aeronave para quatro passageiros e um tripulante, 100% elétrica, ou seja, com zero emissão de gás carbônico (CO2), com redução da pegada sonora e um alcance de 100 quilômetros, que atinge quase 99% das missões urbanas”, explicou o diretor.
A partir da esquerda, Cristiano Perez Garcia, Sérgio Tomasella, Maria Paula Boechat Borges de Macedo e Darío Rais.Num primeiro momento, conforme ele destacou, o carro voador atuaria como “airport shuttle, conectando os grandes centros urbanos aos aeroportos”. Em uma simulação apresentada, o trajeto entre a zona sul de São Paulo e Guarulhos, hoje uma viagem de duas horas e 28 minutos, seria feito em apenas 15 minutos. Mas há espaço para serviços médicos e resgate, transporte urbano ponto a ponto, voos turísticos e corporativos. A Eve projeta que, em duas décadas, 315 veículos estarão em atuação, transportando mais de 5 mil passageiros por ano na Grande São Paulo e adjacentes como a Baixada Santista, gerando 2,7 milhões de empregos.
Para que o plano se concretize, no entanto, Tomasella reconhece que há grandes passos ainda a serem dados. “A gente tem vários pilares para que o eVTOL possa acontecer. Estamos no processo de desenvolvimento, depois vem a certificação, e a gente precisa trabalhar na preparação das cidades. E quando falamos nisso, falamos em políticas e governos, força de trabalho, serviços de logística, treinamento, manutenção, engajamento de todos os stakeholders, todo o processo de operação de frota e a infraestrutura, que consiste na preparação e adaptação da existente e no desenvolvimento de novos pontos de operação”, frisou.
Regulação e espaço aéreo
Com a vinda do novo modal, a Organização de Aviação Civil Internacional (Oaci, ou VFIWG, no original em inglês, Vertical Flight Infrastructures Working Group) passou a discutir também a regulação para vertiportos, os pontos de decolagem e pouso do eVTOL. É o que contou Maria Paula Boechat Borges de Macedo, coordenadora da Gerência Técnica de Planos, Programas, Helipontos e Informações Cadastrais da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que integra a Oaci.
Técnicos do setor, engenheiros e demais interessados compõem a plateia do seminário.Segundo ela, o grupo internacional vai publicar ainda este ano um documento de abordagem faseada para a regulação de vertiporto, com análise de gaps e conclusões preliminares. “Como é uma indústria ainda em desenvolvimento, as aeronaves estão em processo de certificação e tem surgido novos modelos, é um material orientativo, mas que não traz questões específicas, tem uma visão mais generalista”, disse.
No Brasil, no âmbito da Anac, o documento vigente sobre o tema é o Regulamento Brasileiro da Aviação Civil (RBAC) nº 155 e o Alerta aos Operadores de Aeródromos, publicado em 2023, que traz considerações e recomendações de infraestrutura para vertiportos, “um material que ainda vamos robustecer, mas que já traz características físicas e auxílios visuais, planos de emergência e treinamentos”, frisou Macedo.
Ainda de acordo com ela, está em curso um sandbox (ambiente experimental) regulatório sobre o tema, com edital lançado em 2024. “A gente tem a VertiMob conduzindo a implantação de um vertiporto em São José dos Campos e a PRS Aeroportos, juntamente com a Urban V, desenvolvendo um no Campo de Marte”, informou. Dois projetos, na análise da coordenadora, muito importantes para que seja possível construir a regulação do setor.
Protótipo de teste em solo do eVTOL no centro de desenvolvimento da veículo elétrico aéreo em Gavião Peixoto, interior de São Paulo. Imagem: Eve Air Mobility
O Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea) considera a evolução da mobilidade aérea urbana em níveis de maturidade. “Hoje estamos no nível 1, a fase da certificação das aeronaves”, detalhou o chefe da Seção de Planejamento e Normas de Inovação do Instituto de Controle do Espaço Aéreo (Icea), Cristiano Perez Garcia.
Ele apresentou no seminário do SEESP a estrutura existente de aerovias num recorte da Região Metropolitana de São Paulo e cidades próximas, que constituem duas grandes áreas de controle terminal e diversas zonas de controle de tráfego, além de rotas especiais e corredores de helicópteros, evidenciando a complexidade do sistema.
“O corredor que vai da Marginal Tietê à rodovia Fernão Dias cruza a zona de controle de Guarulhos [do aeroporto]. A descrição para o piloto nesse corredor tem diversos alertas, ele deve manter a escuta da torre de Guarulhos”, exemplificou Garcia.
De acordo com ele, Decea e Anac realizam, neste mês de novembro, reunião com empresas aéreas, fabricantes, operadores, poder público e corpo técnico para mapear os desafios e construir as soluções que aprimorem e preparem a mobilidade aérea urbana aos popularmente chamados carros voadores. O Decea ainda tem atuado na melhoria das operações de helicópteros em preparação ao eVTOL, como destacou o dirigente, sobretudo em acessibilidade em heliportos, segurança na decolagem e mitigação de ruídos.
Infraestrutura
Para Darío Rais, o vertiporto será o elemento de maior impacto dessa nova tecnologia nas cidades. A Urban Systems Brasil, como explicou seu CEO, Thomaz Assumpção, foi contratada para identificar na cidade de São Paulo alguns locais passíveis de seu desenvolvimento. Na análise de mercado, conforme ele, são avaliados pré-requisitos a partir de 15 indicadores, dentre os quais densidades populacional e construtiva, saúde, educação, transporte e acessibilidade.
No telão, Manuel Ayres. À mesa, da esquerda para a direita, Rogério Prado, Thomaz Assumpção e Darío Rais.Segundo o CEO da Urban, foi feito um mapeamento. “A situação do vertiporto é ligada aos aspectos urbanísticos e deslocamento de forma mais rápida e eficaz. O setor de saúde será altamente beneficiado, como testado em cidades no mundo que já estão adotando. É inexorável a necessidade de ocupar esse espaço, onde o vertiporto é um destino e origem para uma conexão econômica, além da facilidade de ser um airport shuttle”, observou.
Uma barreira a ser enfrentada, na sua visão, é assegurar alinhamento com o poder público municipal para que a nova estrutura seja contemplada no plano diretor. “O carro aéreo será o grande protagonista do desenvolvimento em regiões metropolitanas, e a grande vantagem dessa mobilidade é a possibilidade de uma malha muito grande. Posso ter um vertiporto no estacionamento ou teto de um shopping center, não preciso usar os helipontos, porque a lógica de funcionamento desse modal é muito mais próxima do uber do que do helicóptero. É possível transportar 150, 200 passageiros por dia a um custo menor”, avaliou.
Os principais desafios à implantação dessa estrutura na cidade de São Paulo foram apresentados pelo CEO da VertiMob, Manuel Ayres. Dentre eles, localização e zoneamento urbano, compatibilização regulatória entre helipontos e vertiportos e de suas aeronaves (helicóptero e eVTOL), a integração com o sistema multimodal, a infraestrutura de energia elétrica para garantir o carregamento das baterias, segurança de voo e equacionamento de ruídos – que, embora sejam 100 vezes menores do que de helicópteros, são mais agudos e frequentes. “A implantação vai exigir um plano de mobilidade aérea municipal e estadual”, acredita.
Rogério Prado, CEO da PAX Aeroportos, defende que a conversa entre os poderes da República é essencial, pontuando que os eVTOLs devem criar novo mercado, na transição do helicóptero. Ele apresentou o Campo de Marte, na zona norte, administrado pela PAX, como garagem potencial para origem e destino dos veículos aéreos, já que conta com “estrutura semipronta”.
“Estamos agregando parceiros, falando com empresas de energia, com a empresa júnior da USP São Carlos para simulação de pouso e decolagem no Laboratório de Simulação Aerodinâmica. Esperamos ter até outubro de 2026 todos os relatórios para entrega à Anac, com todos os parâmetros para projetar vertiponto”, salientou.
Mobilidade
Diretor de Vendas e Aquisição de Aeronaves da Líder Aviação, Anderson Markiewicz, apresentou os modelos em desenvolvimento pela empresa, em parceria com a Beta Technologies, o Alia eVTOL e o Alia cTOL, este último “já voando há quatro anos”. Ambos são projetados, conforme ele, para transporte de um piloto e cinco passageiros. E a bateria pode ser carregada em menos de 50 minutos.
Anderson Markiewicz (à esq.), Martha Martorelli e Darío Rais.O Alia cTOL, como descreveu, perfaz distância de aproximadamente 250km num crescente. Em 2026, deve chegar a 360km, chegando em 2031 a 509km, o que ligaria a Capital a “Curitiba, todo o litoral paulista até o começo do carioca”. Já para o Alia eVTOL a projeção é de alcance de 163km em 2027. “Vamos conseguir atender o mercado regional”, assegurou.
Markiewicz destacou que a intenção é tornar a inovação “o mais popular possível”, mas isso estaria reservado ao futuro. O custo das aeronaves eVTOLs (entre US$ 3,5 e 5 milhões), de acordo com ele, fará com que sua “missão primária seja substituir os helicópteros convencionais”.
Hoje, como apontou, há no Brasil mais de 3.300 registrados. “A cidade de São Paulo, com 410, tem a maior densidade de helicópteros do mundo, com 308 helipontos na Região Metropolitana e mais de 2.200 pousos e decolagens/dia. No top 10 estão também Rio de Janeiro e Belo Horizonte, o que evidencia que a área de demanda do eVTOL estará concentrada no Sudeste.”
Na sua concepção, as missões típicas do novo veículo elétrico serão shuttle entre aeroportos, transporte aéreo urbano entre pontos da cidade e servir a condomínios de luxo, transporte regional, de cargas de alto valor e de órgãos, bem como atendimento a regiões rurais e/ou remotas, destinos turísticos e viagens de final de semana.
Martha Martorelli, diretora de Programa da Secretaria Nacional de Fundos e Instrumentos Financeiros do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, trouxe reflexões quanto à integração de fato do eVTOL ao sistema de mobilidade urbana, considerando o transporte, seja público ou privado, de interesse social. Esta integração, vaticinou, deve ser física, operacional e tarifária, garantindo a promoção do acesso, o que coloca desafios em relação à inovação.
Para que se enquadre ao sistema de mobilidade urbana, propugnou ela, o eVTOL deveria englobar essas dimensões e ser abarcado pela Política Nacional de Mobilidade Urbana, não por um plano específico segregado.
Confira as apresentações:
Sérgio Tomasella, Eve Air Mobility
Maria Paula Boechat Borges de Macedo, Anac
Anderson Markiewicz, Líder Aviação
*Colaborou Jéssica Silva






