Soraya Misleh
Grave problema socioambiental que estará em pauta durante a 30ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP 30), de 10 a 21 deste mês de novembro, em Belém (PA), a poluição plástica foi tema durante o VII Encontro Ambiental do Vale do Paraíba (EcoVale). Realizado pelo SEESP e Federação Nacional dos Engenheiros (FNE), o evento aconteceu nos dias 22 e 23 de outubro último, no Hub de Inovação Tecnológica de Taubaté (HITT).
No ensejo, a médica especialista Thais Mauad trouxe cenário nada alentador a se fazer frente, ao que “não há soluções fáceis”. Conforme ela, que é professora associada do Departamento de Patologia da Universidade de São Paulo (USP), o problema tem início ainda na década de 1950, quando a indústria começa a vender a ideia de que o produto seria seguro e melhor.
Em sua decomposição que, como descreveu, pode levar cerca de 500 anos, o material se fragmenta, gerando microplásticos (de até 5mm), os quais contaminam todos os ambientes da Terra. “São 5 trilhões de partículas no mar, igualmente na terra e no ar”, destacou. Como consequência, frisou a especialista, 100 milhões de animais marinhos já morreram por conta de contaminação por plásticos.
A oceanógrafa Mariana Amaral S. Pinto, que discorreu durante o EcoVale sobre “cultura oceânica”, elencou a poluição plástica entre os dois graves problemas ambientais enfrentados no oceano, ao lado do branqueamento dos corais em função de sua acidificação, devido ao aquecimento global. Ela lembrou que a situação crítica levou à inclusão de um Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) sobre vida na água dentre os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) elencados na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). Trata-se do ODS 14. Suas metas incluem, dentre outras, reduzir a poluição marinha e proteger ecossistemas marinhos e costeiros.
Reciclagem ineficaz
Mauad foi categórica: “Toda a cadeia produtiva do plástico contribui para a emissão de gases de efeito estufa, e a reciclagem é ineficaz.” Além de os polímeros advirem do petróleo, apenas uma parte pode ser reaproveitada.
Entre aqueles que não fazer parte dessa cadeia e, após o uso, seguem diretamente para os aterros sanitários, estão os que contêm, como ensinou Mauad, múltiplas substâncias aditivas, utilizadas por exemplo para produzir embalagem laminada (como pacotes de salgadinho ou miojo) e diferentes tipos de plásticos. “Isso vai virar gás metano, gás carbônico, contaminar solo, água, ar etc.”, sublinhou.
No mundo, como descreveu, somente 9% do produto é reutilizado; no Brasil, esse índice já preocupante cai para 1%, sendo 3% em São Paulo, o Estado em que o reaproveitamento é mais avançado.
A principal contribuição para essa problemática ambiental, segundo Mauad, provém da indústria de refrigerantes. “Se empilhássemos suas garrafas, daria para ir à Lua 31 vezes”, enfatizou.
Se não fosse já alarmante, de acordo com a professora, a projeção é de que a fabricação do material ainda deve aumentar até 2050. “Com a tendência de descarbonizar combustíveis, sobrará petróleo, o qual vai ser destinado a essa produção”, avaliou. Mauad alertou que daqui a 25 anos, nesse ritmo, terá mais plástico nas águas oceânicas do que animais.
Leia mais no JE 591: Repensar o uso do plástico para o bem do planeta e da humanidade
“Ciclo de morte”
O material, na sua concepção, não tem ciclo de vida, mas “de morte”. “As famílias que moram perto das indústrias de plástico têm mais doenças. Toda a cadeia é emissora de gás carbônico, causando efeitos adversos à saúde.”
Um dos graves problemas oriundos de sua decomposição, os microplásticos encontram-se, como informou a especialista, em 90% dos camarões e já foram identificados também no corpo humano, “no cabelo, pulmão, fezes, baço”.
Ela acrescentou ainda o risco com as substâncias aditivas: “A indústria coloca 16 mil tipos. Apenas 4 mil são conhecidos, já foram estudados, dos quais 1.500 já se sabe que causam problemas à saúde, sobretudo cardiogênicos e distúrbios endócrinos.” Também são potencialmente cancerígenos.
Entre os problemas à saúde causados pela contaminação por plástico, Mauad elencou ainda dificuldades para engravidar, partos prematuros, cólon irritável, alterações cerebrais, gonadais e pulmonares. “Pacientes com demência têm mais acúmulo de microplásticos no cérebro”, apontou.
Como médica patologista, a especialista revelou que de 20 casos que estudou, 13 moradores de São Paulo tinham depósitos de microplásticos no pulmão. “Já encontramos também no nariz e ano passado encontramos também partículas dentro do cérebro. Em sua observação, viu que pacientes com demência têm mais acúmulo do material nessa região do corpo humano. Ainda entre as experiências, comentou que durante 30 meses, sua equipe acompanhou pacientes com arterioesclerose nas caróticas. “Vimos que aqueles com depósito dessas partículas têm quatro vezes mais chances de ter um derrame e morrer.”
Os chamados poluentes orgânicos persistentes (POP), disse, não se degradam no meio ambiente e se acumulam nos organismos vivos, sendo gerados por lixos eletrônico e biomédico.
Regulamentação
Fruto da luta contra a poluição plástica, a professora mencionou a instituição da chamada Lei no. 11.265/2006, que “retirou da mamadeira”, bicos e chupetas um deles, o bisfenol. Composto químico utilizado na produção de plásticos resistentes, pode ser liberado em contato com alimentos muito quentes. O problema, como afirmou, é que a indústria tem driblado a proibição utilizando outro material que também não é seguro. Também no cuidado com as crianças, Mauad recomendou que não mais se deem brinquedos plásticos. “Têm bactérias, metais pesados, aditivos que entram no corpo por inalação”, avisou.
Na direção da necessária regulamentação, a especialista destacou que foi lançada no Brasil uma nova lei relativa à política reversa para o plástico que equipara o imposto sobre o produto ao cobrado para o papel, de modo a desincentivar seu uso.
Na COP 30 estará em pauta o Tratado Global contra a Poluição por Plástico, que visa a eliminação de substâncias químicas presentes nos materiais e restrições à produção. Em construção desde 2022 pela Assembleia Geral das Nações Unidas para o Meio Ambiente, esse acordo, contudo, ainda carece de consenso para ser de fato instituído. Segundo Mauad, infelizmente enfrenta resistência por parte dos países produtores de petróleo.
Embora representantes do governo brasileiro tenham reconhecido, em audiência pública no Senado, no dia 24 de abril último, a importância do acordo para fazer frente ao grave problema, ainda há desafios internos a serem superados, como ficou demonstrado na ocasião, em que a preocupação seria garantir alternativas e uma transição justa para quem hoje depende do material.
Em face das controvérsias, o País, oitavo maior poluidor por plástico no mundo, conforme a Coalizão Vida sem Plástico, consequentemente, ainda não se comprometeu com medidas que possam garantir a implementação efetiva do Tratado Global.
Confira aqui todos os painéis e temas abordados durante o VII EcoVale.






