Jurandir Fernandes, Edilson Reis, Emiliano Afonso e Roberto Berkes
A proposta de “Tarifa Zero” (TZ) no transporte público tem ganhado destaque em campanhas municipais. Recentemente, o debate foi amplificado pela eleição de Zohran Mamdani como prefeito de Nova York. Sua plataforma incluía a promessa de ônibus gratuitos.
Este caso, embora em um contexto socioeconômico e fiscal muito distinto, é citado pelos proponentes da TZ como exemplo da viabilidade da proposta na Cidade de São Paulo.
Diante da complexidade e do impacto potencial de uma medida como essa, torna-se propícia uma análise técnica desvinculada de paixões ideológicas, focada na nossa realidade.
Metodologia
Nossa abordagem consistiu em uma comparação de viabilidade econômico-financeira entre os contextos de Nova York e São Paulo. Para tanto, utilizamos as seguintes fontes:
- relatórios da Metropolitan Transportation Authority (MTA) de Nova York;
- relatórios da São Paulo Transporte (SPTrans);
- o Projeto de Lei Orçamentária (PLO) de São Paulo para 2026;
- literatura acadêmica e estudos de caso sobre Tarifa Zero em outras cidades globais.
A premissa técnica que norteia nosso trabalho é fundamental: a Tarifa Zero não é “grátis”. Alguém sempre paga a conta. A questão central, portanto, é se a cidade pode pagar esse custo e, mais importante, se esse é o melhor uso possível dos recursos públicos disponíveis.
É importante entender que, aplicada a TZ, com a eliminação da receita tarifária, o custo total da operação do sistema de ônibus passa a ser integralmente coberto pelo poder público.
Para São Paulo, os cálculos são os seguintes:
- Custo para SP sem aumento de demanda (hipótese improvável): R$ 11,821 bilhões. Este valor corresponde à soma da receita tarifária projetada para 2025 (R$ 5,336 bilhões) mais os subsídios previstos a serem aportados pela Prefeitura (R$ 6,485 bilhões).
- Custo para SP com aumento de demanda de 30% (cenário realista): R$ 15 bilhões. Este valor incorpora os custos operacionais adicionais decorrentes do provável aumento de passageiros, incluindo a migração de usuários de outros modais (metrô e trens suburbanos, que não teriam TZ).
Impacto no orçamento
A verdadeira medida da viabilidade de uma política pública é seu impacto sobre o orçamento municipal, que é finito e compete com outras demandas essenciais.
São Paulo
- Orçamento municipal projetado para 2026: R$ 135 bilhões.
- Novo subsídio SPTrans com TZ com aumento de demanda em 30%: cerca de R$ 15 bilhões.
- Percentual do orçamento consumido pela TZ: cerca de 11% (R$15bi/R$135bi).
- O subsídio direcionado hoje ao transporte público da capital, que atualmente consome quase 5% do seu orçamento, passaria a consumir mais de 11%. Isso significa que a Tarifa Zero exigiria uma compressão obrigatória e drástica de outros setores vitais.
Nova York
- Orçamento municipal projetado para 2026: US$ 110 bilhões
- Novo subsídio NYC Transit com TZ considerando aumento de demanda: US$ 0,900 bi.
- Percentual do orçamento consumido pela TZ: em torno de 0,8% (U$0,900/US$110).
- Conclui-se que o impacto da TZ seria absorvível no caso de Nova York, uma vez que representa 0,8% do orçamento da cidade. Um impacto orçamentário quase 14 vezes menor que no caso da cidade de São Paulo (11%/0,8%)
Prioridades e responsabilidade profissional
Para financiar a TZ em São Paulo, a Prefeitura seria forçada a realizar cortes drásticos em áreas essenciais. A questão ética que se impõe é: é aceitável cortar 11% de recursos de áreas essenciais para subsidiar integralmente o transporte de ônibus todos os dias, todas as linhas e para todos independente da faixa de renda? Não seria mais razoável manter as gratuidades aos mais vulneráveis e aos domingos, como já ocorre? Ou selecionar algumas linhas que servem bairros mal equipados: sem escolas, sem creches, sem postos de saúde?
Os engenheiros, por sua formação e atuação, são guardiões da qualidade técnica e da viabilidade de projetos e políticas públicas. Promessas desprovidas de rigor técnico desmoralizam os profissionais sérios e, em longo prazo, a própria política. Quando promessas inviáveis são feitas e, inevitavelmente, quebradas, a população perde a confiança nas instituições e nos seus representantes.
O Brasil e o mundo enfrentam desafios monumentais: a adaptação às mudanças climáticas, a transição energética e a incorporação de avanços tecnológicos disruptivos. Todos esses desafios merecem nossa atenção. Ao lado das demandas ligadas à saúde, à educação e à segurança pública, nós, engenheiros, devemos estar sempre atentos às propostas de políticas públicas que realmente beneficiem a maior parte da população.
Conclusão
Nossa análise demonstra, portanto, que a proposta de Tarifa Zero universal para o sistema de ônibus de São Paulo é economicamente inviável no contexto atual. Isso não significa que somos contra a mobilidade gratuita, mas que somos a favor do realismo e da responsabilidade.
Alternativas mais eficazes e com retorno sobre o investimento social muito superior existem. Nossa responsabilidade profissional é defender boas políticas públicas, e a matemática orçamentária nos mostra que a Tarifa Zero, tal como proposta, é insustentável para São Paulo.
- Jurandir Fernandes é coordenador do Conselho Assessor de Transporte e Mobilidade Urbana do SEESP
- Edilson Reis é diretor do SEESP e membro do Conselho Assessor de Transporte e Mobilidade Urbana do SEESP
- Emiliano Afonso é diretor do SEESP e membro do Conselho Assessor de Transporte e Mobilidade Urbana do SEESP
- Roberto Berkes é vice-diretor de Atividades Técnicas do Instituto de Engenharia e membro do Conselho Assessor de Transporte e Mobilidade Urbana do SEESP






