Emiliano Stanislau Affonso Neto
O crescimento acelerado das cidades vivenciado no século passado, em conjunto com uma política que nos últimos anos vem priorizando o transporte individual em detrimento do coletivo, está levando as grandes metrópoles dos países em desenvolvimento a uma crise de mobilidade sem precedentes, gerando grandes deseconomias e degradando a qualidade de vida de seus habitantes.
Presenciamos o desmonte das redes de transporte público para favorecimento do individual. Em 1968 São Paulo festejou a retirada de seus bondes como se fosse um "marco" de uma nova era de modernidade caracterizada pelo acesso ao automóvel.
O descrédito dos bondes não foi senão fruto do compromisso subconsciente das minorias dirigentes com o conforto do automóvel, fertilizado pelos interesses econômicos da indústria automobilística. São hoje conhecidas as ações concretas desenvolvidas pela indústria automotiva, nos Estados Unidos, para que os municípios substituíssem seus bondes e trólebus por “modernos e fartamente financiados” ônibus. No quadro a seguir, podemos observar a evolução do índice hab./veículo em níveis crescentes e alarmantes a partir do final da década de 1960.
Fonte: Elaboração própria
Os principais poluentes lançados na atmosfera pelos veículos automotores são provenientes do processo de combustão incompleta, sendo normalmente quantificadas as emissões de monóxido de carbono (CO), hidrocarbonetos (HC), óxidos de nitrogênio (NOx), óxidos de enxofre (SOx) e material particulado.
Os efeitos dessas emissões podem ser sentidos no local, na região e globalmente. Os problemas locais referem-se à saúde da população que é exposta aos gases poluentes, cujas consequências variam desde irritação dos olhos, nariz e garganta, tosse, enjoo e dores de cabeça até problemas respiratórios como asma, com custos diretos e indiretos para a sociedade. Crianças, idosos e pessoas com doenças respiratórias são os mais afetados.
Pouco se tem feito para a melhoria da mobilidade nas metrópoles do país, as quais apresentam congestionamentos quilométricos, gerando custos adicionais, aumentando a poluição e comprometendo a economia e a qualidade de vida.
Estamos jogando dinheiro fora. De acordo com o professor-doutor Eduardo Haddad, da Universidade de São Paulo (USP), o Brasil perde R$ 156,2 bilhões/ano só com a queda de produtividade causada pela morosidade do trânsito em São Paulo. Os moradores da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) gastam meia hora a mais do que deveriam no deslocamento entre as residências e os locais de trabalho. Se o excesso de tempo fosse eliminado, o PIB nacional cresceria 2,83% e a cidade absorveria 50% do benefício.
Apresentado pela professora-doutora Simone Georges Miraglia, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), na 21ª Semana de Tecnologia Metroferroviária, já em 2015, estudo mostrou que os benefícios do Metrô de São Paulo em termos de redução da poluição atmosférica e seus efeitos associados para a saúde pública evitam custos da ordem de US$ 18 bilhões/ano.
Estudos não faltam sobre o montante de recursos perdidos com a falta de uma boa mobilidade e sabemos que nas grandes metrópoles, para que ela ocorra, é indispensável a implantação de uma rede estruturadora de transporte público apoiada nos sistemas sobre trilhos e na racionalização do uso dos carros.
Enquanto isso, governos continuam priorizando o transporte individual frente ao coletivo, cujo resultado é o aumento dos congestionamentos e da poluição, com queda da qualidade de vida de seus habitantes e inviabilização das metrópoles brasileiras.
Precisamos ajustar as diretrizes e traçar o caminho correto. Cidades competitivas são as que possuem uma boa mobilidade, com condições de dar aos seus habitantes renda, emprego e qualidade de vida. Os planejamentos do transporte e do desenvolvimento urbano devem andar juntos e sua integração é fundamental.
Nos Estados Unidos, Canadá e nas principais cidades da Europa as redes de metrô são públicas e estão sendo implantadas e operadas pelos governos. Na América do Norte, de acordo com relatório da American Public Transportation Association (Apta), o usuário paga em média 32,5% do custo de operação.
O governo americano afirma que investir em mobilidade é fundamental, pois a cada US$ 1 bilhão colocado em transporte público voltam US$ 6 bilhões para a economia.
As estações que no princípio eram locais para embarque e desembarque dos usuários atualmente são utilizadas para melhorar a vida nas cidades, com pontos comerciais, escolas, hospitais, habitações, escritórios etc., transformando-se em novas centralidades e gerando recursos para mitigar os custos de implantação e de operação das linhas.
A DB alemã está revendo suas estações, reformando, implantando serviços, restaurantes shopping centers etc., sendo hoje uma das maiores operadoras destes últimos do país. A RATP francesa estuda a implementação de novas estações associadas a espaços comerciais e de serviços de forma modular, com o objetivo de gerar receitas não operacionais para mitigar os custos de implantação e operação de seus sistemas. Isso já é uma realidade em Hong Kong e em outras cidades do mundo.
Faz-se premente que seja adotado em São Paulo o “Contrato de Gestão”, que é o relacionamento entre o controlador de uma empresa, no caso o Governo do Estado de São Paulo, e sua administração, o Metrô, expresso por contrato formal que especifica direitos, obrigações, compromissos e responsabilidades das partes envolvidas, fixando metas e indicadores de desempenho. Isso permite uma maior transparência tanto das ações do Governo quanto de suas empresas, garantindo um nível de serviço para a comunidade.
Enquanto isso, em São Paulo, no plano de expansão da malha de metrô, não existe nenhuma proposta de empreendimentos associados que transformem nossas estações em novas centralidades e, assim, dinamizem a cidade, melhorem a vida de seus habitantes e gerem receitas ao governo e operadores que mitiguem os custos da implantação e das passagens aos usuários.
Sabemos como fazer! Os exemplos exitosos são muitos e estão em todas as partes, na América do Norte, na Europa, no Oriente. O que falta é bom senso, vontade política e união de nossos governantes em torno do objetivo de tornar nossas cidades mais eficientes e com melhor qualidade de vida.
Emiliano Stanislau Affonso Neto é diretor do SEESP, especialista do setor metroferroviário
Imagem: DesignUni - Freepik / Arte - Fábio Souza | Foto Emiliano Affonso Neto: Acervo SEESP