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Harakiri no Metrô de São Paulo

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Nestor Tupinambá

 

Ao assistir as palestras de especialistas, entre os quais engenheiros, durante o lançamento do livro “A Petrobras fatiada”, em 1º. de dezembro último, no SEESP, veio-me à lembrança a situação do Metrô-SP.

 

Em 2006, foi assinado o primeiro contrato de parceria público-privada (PPP) para concessão por 25 anos da operação da Linha Amarela (4). Posteriormente esse modelo foi seguido na Linha Lilás (5) e, agora, na construção da Laranja (6). Tal como a Petrobras, uma megaempresa, que não poderia ser vendida de uma só vez, adotou-se, então, um esquartejamento gradativo. Bacia de produção do pré-sal, gasodutos, navios-tanques, refinarias etc.. E a Petrobras perde sua organicidade, de extrair o óleo, refiná-lo, transportá-lo, o que representava perfeita integração que nos levaria logo à autossuficiência, quer em diesel, quer em gasolina e outros derivados.

 

Numa analogia ao Metrô-SP, vemos que o fechamento de sua malha urbana foi desfeito. Esse era objetivo perseguido há dezenas de anos e, quando se poderia dar início a uma compensação na demanda incluindo a CPTM, foi desfeito em prol da malha das linhas concessionadas – que abrange, no âmbito ferroviário, as desaventuradas linhas 8 e 9. Parte-se para uma eficaz e lucrativa rede, enquanto o Metrô-SP fica com linhas “soltas”, sem interligação.

 

Ou seja, a companhia paulista cometeu um verdadeiro harakiri. Enfiou a espada em seu ventre, abdicando de marcas obtidas através de uma difícil “batalha”. Tecnologia e métodos construtivos, concebidos com muita discussão, quando ninguém sabia como fazer, e que envolveram caras e complicadas desapropriações de imóveis lindeiros e um aprendizado da complexa e tardia construção na megalópole.

 

Interessante que as empresas que levaram as linhas já citadas conseguiram vantagens inéditas, que, aliás, não se caracterizam como normais dentro de um regime capitalista. Vejamos: nas integrações com o Metrô-SP levam sempre a melhor nas transferências pecuniárias – os bilhetes são subsidiados, ou seja, o Governo do Estado de São Paulo (Gesp) paga diuturnamente alguns centavos a mais por passageiro, existe um “piso mínimo” de passageiros preestabelecido, abaixo do qual o Executivo paulista repõe os bilhetes não vendidos. São os “passageiros fantasmas” que, durante a pandemia de Covid-19, engordaram os cofres das concessionárias. Operação sem riscos. A renda diária das bilheterias deve ser repassada a elas em até 24h. Com a transferência da Linha Lilás (5) foi-se uma parte importante (cerca de 20%) do recebimento tarifário do Metrô-SP.

 

A companhia foi convidada anos atrás a integrar o Comet Member (Comunidade de Metrôs), do Imperial College London, cujo ingresso é restrito a quem ostente originais Benchmarkings, sendo referência por seu desempenho, inovação, melhores práticas. Nossa empresa faz parte, portanto, de um grupo de excelência que reunia então apenas nove cidades do mundo, como Nova York, Paris, Tóquio, Moscou, Londres, entre outras, em pé de igualdade (atualmente são 40, abrangendo 44 sistemas de metrô de alta e média capacidade). Honrosa posição. Na Linha Vermelha (3), entrou para o “Livro do Guinness”, recorde mundial de passageiros (10 por m2). Marca que revela a falta de mais linhas, mas também a eficiência. Com headways (intervalos regulares entre trens) dos menores do mundo, sem acidentes etc..

 

Hoje, contudo, assistimos a uma degradação da empresa. Há questionamentos quanto ao repasse pelo governo dos recursos arrecadados nas bilheterias, do porquê de não chegarem regularmente ao Metrô-SP, como chegam às concessionárias. A afirmação leva em conta o fato de não se explicarem dificuldades hoje enfrentadas pela companhia pública.

 

Faltam funcionários, já que nos últimos anos o Metrô-SP realizou vários planos de demissão voluntária (PDVs). Somente no último, em 2022, mais de 800 empregados aderiram. Essa ausência é muito sentida. Na operação, segurança principalmente, na manutenção, na administração e na parte técnica. O último concurso data de 2019. Desde então, cerca de 3 mil funcionários saíram.


Segundo escreveu o jornalista Adamo Bazani no Diário do Transporte, há trens que nunca rodaram após sua “modernização”, que custou R$ 1,8 bilhão. Muitos encostados no Pátio Belém sofrem um processo de “canibalização” e deterioração. Fornecem peças para outros trens, ficando sem condições de tráfego. Fazem falta no transporte diário.

 

É por tudo isso que metroviários veteranos pensam que essa precária, e inédita, situação se deva a um planejado processo de obsolescência programada. É o que, de certa forma, vem acontecendo nas últimas gestões do Gesp. Sentem-se no dia a dia os impactos, que se elevam, de paradas de trens e outros, atrasando as viagens diárias. Aumentam as queixas, e com isso, apresenta-se a panaceia do neoliberalismo: “privatiza que melhora...”

 

Uma pena. A empresa formou corpos técnicos, operativos e administrativos exemplares e únicos, forneceu consultoria praticamente gratuita para metrôs do Rio, de Salvador, de Caracas, de Bagdá e outros. Estudou, pesquisou e nacionalizou métodos construtivos e materiais.

 

Torcemos para que seja passageiro esse processo. Que os responsáveis analisem e consigam restituir aos paulistas e brasileiros o eficiente e original implantador e operador dos nossos trens metroviários. Mesmo porque, hoje, não se veem substitutos à altura.

 


Nestor Tupinambá é diretor do SEESP, engenheiro civil aposentado do Metrô-SP, tendo atuado por mais de 40 anos na companhia. Graduado na área pela Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP), é mestre em Planejamento Regional e Urbano pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-USP)

 

 

Imagem no destaque: Arte Eliel Almeida / Foto Nestor Tupinambá: Beatriz Arruda-Acervo SEESP

 

 

Comentários  
# Engenheiro civilVALBURG DE SOUSA SAN 02-02-2023 07:33
PARABENZ MEU CARO COLEGA NESTOR TUPINAMBÁ, PELO O AMOR À CIA. DO METRÔ, CORAGEM E LUCIDEZ NA DEFESA DO PATRIMÔNIO PÚBLICO
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