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Privatização e patrimonialismo

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Nestor Tupinambá

 

A expressão do economista Luiz Gonzaga Belluzzo – privatização e patrimonialismo – se encaixa perfeitamente nos processos de desestatização ocorridos no Brasil. Desde Correios, Eletrobras, Vale do Rio Doce, até o desmonte em curso da Petrobras. São empresas que, privatizadas ou concessionadas, apresentam bons lucros, mas que não  melhoraram os seus serviços.

 

555OpiniaoSegundo o professor Belluzzo, as privatizações obedecem à lógica patrimonialista e rentista do capital financeiro para aquisições de ativos existentes. O resultado no mundo inteiro é que, com as desestatizações, a qualidade dos serviços prestados declinou, as tarifas aumentaram e a manutenção deteriorou-se.

 

Um exemplo claro foram as privatizações feitas na Inglaterra, ainda nos anos 1990, pela então primeira-ministra Margareth Thatcher nas áreas de abastecimento de água potável e transportes públicos. Os serviços pioraram, e as tarifas se elevaram. Curioso é que tanto lá como cá os dados tidos como positivos, tão somente, são a rentabilidade crescente.

 

No caso das linhas de ônibus inglesas, mesmo com a elevação das tarifas, várias consideradas deficitárias foram canceladas. O boom nos lucros não retornou em melhoria dos serviços à população. Ficou nas mãos dos acionistas, que enriqueceram com os dividendos gerados. Vale lembrar que quando a Companhia Vale do Rio Doce foi privatizada em 1997 houve promessas que o dinheiro iria para educação e saúde. Até hoje não se sabe onde foi parar.

 

Os acontecimentos na Inglaterra estão bem registrados numa publicação do Progressive Economic Forum, intitulada "The Return of the State", que aponta todas as consequências relatadas com as privatizações de serviços públicos, sobretudo que as concessionárias vieram para "extrair valor", e não para criá-lo. Essa condição gerou, também, contratos de trabalho de curto prazo, danosos aos empregados.

 

O caso do Metrô-SP

 

Os problemas são velhos conhecidos. No Brasil é emblemática uma entrevista com o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, Roque Citadini, para o jornal O Estado de S. Paulo, em 14 de outubro de 2016, comentando a cobrança de R$ 500 milhões do governo paulista por atrasos nas inaugurações das estações Higienópolis, Oscar Freire e Morumbi imputados indevidamente ao Metrô.

 

Aliás, no primeiro trimestre de 2022, o grupo CCR teve um acréscimo de 401,2% em relação ao mesmo período do ano anterior, devido, principalmente, ao pagamento à concessionária pelo Governo do Estado de R$ 1,1 bilhão pelo atraso em obras da Linha 4 – Amarela do metrô, como da estação Vila Sônia, e sobreposição de linhas de ônibus da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU).

 

Como apontado pelo conselheiro Citadini em artigo de sua autoria publicado no Consultor Jurídico, de 21 de setembro de 2016, "o setor privado [...] não aporta os recursos próprios”, viabilizando-os “através de bancos públicos”, em geral usando “a força política de agentes públicos para pressionar órgãos a liberarem dinheiro”. Recursos que, complementa ele no mesmo texto, dificilmente se conseguem sem essa ajuda política.

 

Os concessionários não correm riscos, uma vez que contam com "piso" de passageiros, garantindo subsídio diário para cada usuário e cobranças ganhas nos tribunais. Em todas as parcerias público-privadas (PPPs) ocorre um ganho de caixa aos novos concessionários. Esses ganhos agravam cada vez mais o déficit no Tesouro Estadual, assim como ocorre na Inglaterra, que tem arcado com contas crescentes e cada vez mais impagáveis, diz Citadini.

 

O Consórcio Move São Paulo, responsável pelas obras e operação da futura Linha 6 – Laranja, perdeu a concessão exatamente porque o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) cancelou o aporte de R$ 5,6 bilhões, após a condenação das empreiteiras formadoras desse consórcio na "Operação Lava Jato". Ou seja, sem dinheiro público não há empreendimento. As obras da Linha 6 ficaram paralisadas por cerca de três anos, seus funcionários foram despedidos, até que a espanhola Acciona assumisse a concessão em julho de 2020.

 

A entrevista do então presidente da Linha 4, Via Amarela, Harald Zwetkoff, à Folha de São Paulo, em 14 de outubro de 2016, é reveladora. Ele declara que "transporte público não dá lucros com venda dos bilhetes e precisa, sempre, da subvenção do Estado. Que os ganhos vêm com o desenvolvimento urbano, mais impostos etc..” Isso se percebe analisando a performance do Metrô-SP, público. Seu funcionamento é eficiente, como evidenciam sempre as pesquisas. Ao contrário, o metrô do Rio de Janeiro, a segunda cidade do país, após sua privatização, nunca mais atingiu a marca de 1 milhão de passageiros diários. E a sua rede cresce vagarosamente – sempre com recursos públicos. Ora, se é necessário subvenção, então por que privatizar? O Metrô de São Paulo, num ineditismo mundial, afora as obras, foi autossuficiente, conseguindo se manter com as vendas de bilhetes e rendas extratarifárias. Ao menos até a concessão da Linha 5 – Lilás, bem lucrativa.

 

Aliás, o Metrô cometeu um “suicídio” com essa concessão. Uma linha importante pela sua interligação com a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) – Linha 17 –, além das linhas 1 – Azul e 2 – Verde. Perde-se essa equalização há muito tempo perseguida. Uma linha estratégica que, saindo da malha, decepa a rede pública, transferindo essa condição à recente malha concessionada. E, importante, nas transferências, o Metrô sempre recebe um pouco menos que as concessionadas. Uma linha que foi executada com muitas inovações, um projeto e uma execução complexos.

 

Nos metrôs das metrópoles mundiais o aporte de recursos estatais vem proporcionalmente ao cumprimento de um Contrato de Gestão, previamente acordado entre as partes. Índices como satisfação do usuário, limpeza, cumprimento do carregamento e do headway [intervalo entre trens], número de falhas por quilômetro etc. são levados em conta. Além, claro, do significativo impacto positivo na metrópole, como menor tempo no transporte, proporcionando mais conforto e qualidade de vida aos trabalhadores (que podem usufruir do convívio com a família, estudos, atividades esportivas e associativas).

 

Importantes também a diminuição de atropelamentos (com custo menor ao SUS e ao INSS), a melhor qualidade do ar (reduzindo-se as doenças respiratórias, principalmente em crianças), como demonstra pesquisa realizada pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), além da economia de energia (o consumo no automóvel individual é 26 vezes maior do que o do Metrô, por passageiro). Há muito tempo o Metrô faz o seu Balanço Social em que esses benefícios são mostrados. Aborda características intangíveis e de percepção não evidente.

 

Vide o caso da Linha 3 – Vermelha e o desenvolvimento na região. Houve duplicação de vias, asfaltamento, creches foram construídas, além de conjuntos habitacionais nos espaços abertos pelas canalizações de córregos (Rincão, Gamelinha, Laranja Azeda, Rio Verde, Cassandoca e outros). A diferença entre o antes e o "pós-metrô" é superlativa e evidencia a urbanização introduzida pela passagem da Linha 3.

 

Essas melhorias não acontecem automaticamente. São pensadas por uma experiente equipe multidisciplinar acostumada a planejar, projetar, construir, operar e manter. Um quadro profissional que estuda a história dos bairros, suas raízes, realiza a conhecida e importante Pesquisa Origem e Destino a cada dez anos e outras menores afins a cada quinquênio. Analisa também a vocação futura desses bairros, as futuras centralidades etc.. Tudo isso sempre levando em conta o feedback com o funcionamento da linha para aproveitamento em projetos futuros. O que foi uma melhoria, o que teve custo adequado ou não, os métodos construtivos usados, os materiais que fizeram parte da obra bruta e do acabamento, a estética adotada etc.. Todos esses dados vêm sendo compilados e têm feito parte de uma dinâmica, útil e de ampla padronização. O que  facilita os próximos empreendimentos e reduz seus custos.

 

A formação e a permanência dessa equipe demandam trabalho de anos. Equipes que dificilmente seriam sustentadas por empresas interessadas em operar e extrair outros rendimentos com atividades comerciais ao longo das linhas, como shopping centers, espaços publicitários, aluguel de passagens de cabos de outras empresas (telefonia, TV, comunicação bancária e industrial etc.).

 

A possível melhoria da sustentabilidade ambiental é ainda rigorosamente equacionada. Além da mitigação dos problemas ambientais, é feita uma recuperação da área verde, quando possível, até com acréscimo. Note-se que nem sempre isso se dá ao longo da linha, mas em espaços mais carentes desses plantios, sempre combinados com as áreas correlatas do município e do Estado.

 

Isso tudo mostra que não cabem imediatismos ou simplificações ao se pensar em uma nova linha. Muito menos focar objetivos de ganhos monetários em caráter prioritário. Trata-se de uma típica tarefa do Estado. Igualmente, a operação da linha exige equipes especializadas de segurança (inclusive à prevenção de suicídios), de atendimento médico de urgência, coleta de objetos perdidos, orientação aos usuários, atividades culturais etc..

 

Ou seja, integrar eficiência na operação com custos acessíveis é um andar no "fio da navalha". Exige investimentos atípicos, muito treinamento das equipes, constantemente. O inequívoco sucesso do Metrô-SP mostra, com muitos e profundos argumentos, a complexidade dessa missão. Aliás, neste ano de 2022, em pesquisa popular, a empresa continua no topo das melhores. Uma curiosidade: tanto Metrô como Correios e Petrobras aparecem entre as "marcas" mais conhecidas e aprovadas pela população. Volta a pergunta: por que, diante do exposto, privatizar?

 

Claro que dada a insuficiência da rede metroviária em São Paulo, são bem-vindas novas linhas privadas também, desde que construídas com recursos próprios e seguindo os padrões do Metrô. E linhas que não participem da rede principal. Vale ressaltar que sempre será importante um órgão fiscalizador dessas linhas, mesmo que secundárias. Para que não aconteçam acidentes como o recente colapso do túnel em execução, sob a Marginal Tietê, onde por muita sorte não houve mortes.

  

Nestor 2

 

Nestor Tupinambá é engenheiro civil, mestre em Planejamento Urbano e diretor do SEESP

 

 

 

Imagem no destaque e interna: Divulgação / Arte: Eliel Almeida - Foto Nestor Tupinambá: Beatriz Arruda / Acervo SEESP

 

 

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