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19/11/2021

"Sou mais uma mulher preta na engenharia"

Lisboa luta para que os negros possam ocupar o espaço que desejarem na sociedade brasileira

 

Rosângela Ribeiro Gil
Oportunidades na Engenharia  
Edição Rita Casaro - Comunicação/SEESP

 

Engenheira de Petróleo, Maria Beatriz Lisboa tem 27 anos e trabalha para uma grande multinacional do setor. Nesta entrevista, ela escolheu cuidadosamente as palavras que usou, “porque elas fazem sentido para mim, e para o povo preto”.

 

Maria engenheira 4Maria Beatriz Lisboa, na formatura, em 2018: Este lugar é meu e todos que o quiserem. Crédito: Acervo pessoal.

 

Como foi a sua trajetória de vida até começar o curso de engenharia?
Nunca tive muitas oportunidades. Apesar dos meus pais sempre tentarem investir em mim e em meu futuro, nossa condição financeira não permitia investir tanto quanto gostaríamos. Sem querer romantizar a dificuldade e a desigualdade, mas eu tentava compensar a dificuldade financeira e a falta de oportunidade com esforço. Então lutei para ser uma das melhores alunas em todas as turmas pelas quais passei na fase de escola; fiz artesanato para vender e pagar um curso de inglês, de informática.

 

Quando o governo do Estado [do Rio de Janeiro] lançou o programa de pré-vestibular social [PVS], eu logo me inscrevi. Vi ali uma grande oportunidade para alcançar o meu objetivo. O PVS, como eu imaginava, foi essencial para eu entrar no curso de Engenharia de Exploração e Produção de Petróleo, na Universidade Estadual do Norte Fluminense [Uenf]. A escolha por essa universidade foi baseada na excelência do ensino e principalmente no fato de ao entrar como cotista ter auxílio financeiro de R$ 300 mensais durante todos os anos do curso.

 

Quantos negros e negras havia na sala de aula e quantos eram professores na sua graduação?
Três estudantes pretos em uma sala de 25 alunos. Professores preto, durante toda a faculdade, tive dois homens, ambos excelentes por sinal.

 

Maria engenheira 400Maria Beatriz Lisboa: deixar um caminho mais simples para as crianças pretas. Crédito: Acervo pessoal.Você já sofreu ou sabe de outros profissionais que sofreram racismo em algum momento da carreira?
O racismo está em todos os lugares, velado ou aberto. Na engenharia, até pouco tempo considerado curso de elite, não é diferente. A primeira mulher negra a se formar em engenharia foi em 1945 [Enedina Alves Marques]. São muitos os momentos aos quais associo o racismo, desde a época da faculdade até os dias de hoje. O que me deixa feliz é ver que, mesmo a passos vagorosos, pretos e pretas estão ocupando espaços que até então não nos cabiam.

 

Como você vê o apagamento da memória técnica trazida pelos povos escravizados?
Considerando que tudo que acompanhava os povos escravizados era criminalizado ou associado a “espíritos ruins”, não me causa espanto, hoje, tomar conhecimento da carga técnica que trouxeram nossos ancestrais, carga essa que vem sendo apagada dia após dia. Por isso, acredito que cabe a nós levar a informação cada vez mais longe, para que possamos ser respeitados e aceitos como um povo com grande capacidade técnica, científica e social, como de fato somos.

 

Você entende que o debate sobre racismo e machismo como estruturantes da sociedade brasileira é importante na formação superior de engenharia?
O debate sobre racismo – bem como o de homofobia e misoginia, e da diversidade de um modo geral – deveria acontecer desde o início da formação escolar, desde quando a criança começa a formar opinião. Talvez esse debate no ensino superior seja um pouco tardio, visto que o jovem já chega com opiniões e cabeça formados; o trabalho de desconstrução é com certeza mais difícil que o de construção, entretanto, antes tarde do que nunca, precisamos seguir fortes, nos juntando e nos fortalecendo para combatermos o racismo estrutural no Brasil.

 

Quais exemplos ou personalidades a inspiram?
Enedina Alves, Djamila Ribeiro, Angela Davis, Nelson Mandela, Lewis Hamilton, minha mãe, minha amiga Tati [Tatiana Vitório Isidorio] e todos os negros que se propuseram ou se propõem a se expor e combater o racismo.

 

Como em sido a sua trajetória profissional desde a formação?
Formei-me em 2018, em Engenharia de Exploração e Produção de Petróleo. Trabalho como engenharia de Petróleo em uma grande empresa prestadora de serviço no segmento petrolífero. Sou mais uma mulher preta, como muitas outras, que se levantou disposta a mudar o sistema. Espero deixar para as próximas meninas e meninos pretos um caminho muito mais simples e igualitário para serem o que quiserem ser.

 

Qual sua mensagem pelo Dia da Consciência Negra, neste 20 de novembro?
A mensagem é que a gente não pode desistir, ainda mais este ano, quando estamos vendo a discrepância social, racial e de oportunidades aumentar gradativamente. O atual cenário brasileiro não favorece a nossa luta, mas é agora que precisamos nos unir ainda mais, nos fortalecer ainda mais e juntos dar mais um passo na história do povo preto brasileiro. E para as gerações mais novas estão chegando, aproveitem para debater. Estamos vivendo uma era histórica onde temos a oportunidade de conversar sobre assuntos como bullying, racismo, homofobia, assuntos que na minha infância nem existiam. O debate, quando saudável, leva informação e abre um mundo inteiro de novas perspectivas e oportunidades.

 

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