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Faixa azul: a engenharia que salva vidas

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Jéssica Silva

 

Um ano depois da implantação do projeto piloto na Avenida 23 de Maio, na capital paulista, a faixa azul exclusiva para motocicletas organizou o trânsito nos trechos em que já funciona com dois principais ganhos: fluidez e redução significativa de acidentes graves, chegando a zero o número de mortes de motociclistas.

 

São 23km da medida disciplinar em operação, sendo aproximadamente 6km de extensão na 23 de Maio, sentido aeroporto de Congonhas, e o restante na Avenida dos Bandeirantes, com o objetivo central de reduzir o conflito entre automóveis e motocicletas, organizando o espaço compartilhado e diminuindo o número de acidentes.

 

De acordo com a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), em um ano foram registrados 98 acidentes de trânsito envolvendo motos no trecho em que está localizada a faixa azul na Avenida 23 de Maio, sendo que 44 ocorrências não tiveram feridos, e nenhuma morte foi notificada.

 

Passam 250 mil veículos pela 23 de Maio todos os dias. Destes, 50 mil são motocicletas, chegando a ultrapassar no horário comercial o número de 2 mil por hora, conforme a CET. Em toda a cidade circulam 1,3 milhão de motos. De 2018 a 2020, 39,14% dos mais de 36 mil acidentes com vítimas no trânsito tiveram motocicletas envolvidas. Em 2021, 363 de seus motoristas perderam a vida em tais ocorrências na Capital.

 

Tamanho contingente pede expansão do projeto, conforme anunciado pelo prefeito Ricardo Nunes, em janeiro último. Serão mais 220km da faixa exclusiva, atualmente em estudo para as avenidas do Estado, Ipiranga, Senador Queirós, Rangel Pestana, Rebouças,Viaduto Dona Paulina, entre outras (confira no mapa abaixo).

 

 

Mapa FaixaAzulExpansão SMT 800

 

 

“Hoje na cidade de São Paulo morre um motociclista por dia. Na 23 de Maio, historicamente, tínhamos o registro de quatro mortes por ano, e reduzimos a zero. É um projeto de engenharia que estudou a cidade e realmente salva vidas”, afirma o secretário municipal de Mobilidade e Trânsito, Ricardo Teixeira.

 

Segundo ele, os projetos de expansão da faixa estão em desenvolvimento e, quando concluídos, serão avaliados pela Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) para, enfim, serem implementados. Ainda não há uma estimativa de custo total, mas é considerada uma medida econômica: para a implantação da faixa piloto foram investidos cerca de R$ 500 mil, enquanto o gasto, em 2020, com sinistros com moto na Avenida 23 de Maio foi superior a R$ 2 milhões.

 

“A ideia nasceu da insistência dos técnicos da CET na busca por uma solução. É uma questão mundial”, aponta o secretário. Teixeira conta que profissionais da companhia estiveram na Malásia, em janeiro último, país em que 50% da frota de automotores é composta por motocicletas. “Lá eles estudam [a questão] há 50 anos e viram a fragilidade; projetam as ruas para as motos, com pistas segregadas, uma estrutura cara. E virão para cá ver a nossa solução simples, que não tem em outro lugar”, detalha.

 

Presidente do Sindicato dos Mensageiros, Motociclistas, Ciclistas e Mototaxistas Intermunicipais do Estado de São Paulo (SindimotoSP), Gilberto Almeida dos Santos, o “Gil”, afirma que a faixa exclusiva contempla reivindicação da categoria. Ricardo GilO secretário Ricardo Teixeira (à esquerda) e o presidente do SindimotoSP, Gilberto Almeida dos Santos, o “Gil”. Fotos: SMT/Acervo pessoal“Essa é a primeira política destinada ao modal, popular e em constante crescimento de utilização desde a década de 1970. As motos nunca foram vistas como uma ferramenta de trabalho ou como meio de transporte, mas sempre como um empecilho”, expõe.

 

Gil garante que a aderência à faixa, que não é obrigatória, é de 100% entre os motociclistas. “Estamos conscientizando a rapaziada para que todos a utilizem e assim possamos ter a faixa por toda a cidade. A gente passa a andar com mais segurança, trouxe mais harmonia para o trânsito. É uma conquista não só dos motociclistas, mas para toda a cidade”, destaca.

 

Mototáxi

O início de 2023 foi marcado pela comemoração do sucesso da faixa azul e também pela discussão acerca da atividade de mototáxi na capital paulista. Sem um debate amplo, as empresas de aplicativos anunciaram o início do serviço em 5 e 6 de janeiro último e, no dia 7 do mesmo mês, o Prefeito publicou decreto suspendendo a atividade.

 

“Os dados e números que a gente tem mostram aumento de acidentes e óbitos aqui na cidade [...] Seria então ilógico que uma atividade dessa, sem regulamentação, sem plano de segurança, sem saber como isso vai repercutir na questão de acidentes e de óbitos, seja autorizada”, declarou Nunes em coletiva de imprensa à época. Ainda em janeiro, a Prefeitura oficializou um grupo de trabalho para iniciar avaliação do tema.

 

“Não somos contra a atividade, somos contra a maneira que estavam colocando o serviço de risco sem critério nenhum”, atesta Gil. Em nota, o SindimotoSP manifestou-se sobre a falta de regulamentação, na linha proposta pelas empresas “nos mesmos moldes do serviço de delivery”, nas palavras do presidente do SindimotoSP. “Os profissionais que fazem entregas sequer têm seus direitos trabalhistas reconhecidos. Se querem realmente explorar a atividade, vão ter que sentar empresas, município e profissionais e discutir critérios, cilindrada de moto, curso, seguro para os passageiros, vestuário, capacete”, defende Gil.

 

Segurança e educação

O projeto faixa azul é parte do Plano de Segurança Viária – Vida Segura, da Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Mobilidade e Trânsito (SMT) e da CET, que contempla outras medidas de segurança no trânsito da cidade. É o caso das Frentes Seguras, boxes de espera para motocicletas antes da travessia nos cruzamentos semaforizados; a redução da velocidade máxima em importantes vias da Capital; atenção às rotas escolares, entre outras. Além da ampliação da quantidade de faixas de pedestres para a travessia, já que estes ocupam número significativo nos índices – em 2021, 286 transeuntes morreram em acidentes. Segundo a SMT, nos últimos dois anos foram implantadas mais de 5 mil novas dessas faixas.

 

A cidade também conta com as Áreas Calmas. “São áreas de maior fluxo de pedestres, carros, ônibus. Então sinalizamos para o motorista tomar cuidado e reduzir a velocidade, escrevemos ‘calma’ no chão, e em muitos locais elevamos a faixa de pedestres no nível da calçada”, explica o secretário Ricardo Teixeira. Conforme a SMT, estas já foram implantadas em Santana, na Lapa e na Lapa de Baixo. Atualmente, está em desenvolvimento o projeto para implantação da Área Calma de São Miguel.

 

Bottura PenhaOs especialistas Luiz Célio Bottura e Maria da Penha Pereira Nobre. Fotos: Acervos pessoaisToda política de mobilidade tem que analisar a cidade como um todo, e pensá-la “é pensar em pessoas”. Quem afirma é o engenheiro Luiz Célio Bottura, consultor em planejamento territorial e de transporte. Ex-presidente da empresa de Desenvolvimento Rodoviário S/A (Dersa), ele observa que o sistema viário foi projetado unicamente para automóveis, e faixas específicas para outros modais são necessárias.

 

“Nas marginais estão falando em criar a faixa azul, e o acesso por vias exclusivas, em espiral, é uma solução. Nas avenidas acredito que o melhor é que esteja mais à direita, como na Bandeirantes, para facilitar o acesso e também a troca de faixa dos carros”, analisa.

 

Contudo, Bottura é enfático ao dizer que a segurança no trânsito vai além: “É preciso um conjunto de ações voltadas à educação. As pessoas precisam respeitar mais os terceiros, além de priorizar a si.” A arquiteta, urbanista e psicopedagoga Maria da Penha Pereira Nobre ratifica: “O maior problema que temos hoje é o comportamental, é o conhecimento e o respeito às regras de trânsito e aos usuários. O compartilhamento das vias, deslocar-se, é um exercício permanente diário de cidadania.”

 

Nobre atuou por cerca de 30 anos na CET e atualmente dá cursos e formações para profissionais técnicos na área de trânsito. A faixa azul, na sua visão, vai ao encontro do propósito do País de melhorias e redução de acidentes, enquanto signatário da Década de Ação pela Segurança no Trânsito 2021-2030, estabelecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS). “As décadas propõem reduzir em 50% o número de mortes no trânsito. São importantes não só as ações técnicas, de tecnologia, mas fundamentalmente comportamentais”, reitera a especialista.

 

Ela avalia a relevância de se debater o planejamento urbano, a centralização de empregos e as regiões “dormitório”, os deslocamentos por longos períodos e demais questões que implicam tráfego viário sobrecarregado e, muitas vezes, caótico. “Até mesmos os motoboys, que prestam serviços como entregadores e ganham por prazos, por entregas, isso precisa ser avaliado”, pontua Nobre. Nesse sentido, igualmente, entra o serviço de mototáxi: “Em cidades menores pode funcionar, pelo tipo de trânsito que temos aqui, eu sou contra. Poderia trazer um número de acidentes ainda maior.”

 

 

Foto do destaque: Rovena Rosa/Agência Brasil

 

 

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