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Rever pontos da reforma e retomar o prestígio da atividade sindical

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Rita Casaro


BEATRIZ DE LIMA PEREIRA TRT2Desembargadora Beatriz de Lima Pereira: reforma trabalhista dificultou acesso à Justiça. Foto: TRT 2º RegiãoDefensora de um papel mediador para o Poder Judiciário nos conflitos coletivos entre capital e trabalho, a nova presidenta do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, desembargadora Beatriz de Lima Pereira, afirma a necessidade de retomar “o prestígio da negociação e da atividade sindical”. Para tanto, destaca, há que se rever pontos da reforma trabalhista implementada em 2017 pela Lei 13.467. Entre esses, aponta, está a extinção de forma abrupta do imposto sindical. “Seria necessária uma transição”, pondera.


Além disso, ela critica a dificuldade de acesso à Justiça do Trabalho por mudanças como a instituição da sucumbência, que pode levar à condenação do perdedor ao pagamento dos honorários advocatícios da outra parte. “Uma das justificativas era a quantidade excessiva de pedidos. Para se resolver esse problema, adotou-se uma medicação fatal, que foi o medo de ingressar com a reclamação trabalhista.”


À frente do maior tribunal trabalhista do País, que abrange as cidades de São Paulo, Guarulhos e Osasco, além do ABC Paulista e da Baixada Santista, ela identifica como principal desafio do mandato, que teve início em outubro último e vai até 2024, manter e aprimorar o funcionamento da máquina que considera eficiente. Nessa tarefa, prioridade será aproveitar as novidades adotadas na pandemia, como as audiências por videoconferências, mas sem penalizar os que não têm acesso adequado a internet. 


Nesta entrevista ao Jornal do Engenheiro, ela fala ainda sobre a participação feminina no Judiciário. Formada pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) em 1981, Lima está na magistratura do Trabalho desde 1986, mas antes disso cogitou atuação na Justiça Estadual, ambiente à época “bastante masculino”. Eu digo que a Justiça do Trabalho até nisso é mais avançada e mais acolhedora. Aqui no tribunal de São Paulo, nós já somos maioria. Nada mais lógico que seja presidido por uma mulher.”

 

Eleita em agosto para o cargo, a desembargadora é a sexta mulher à frente do TRT de São Paulo. Foi a primeira a presidir a Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 2ª Região (Amatra II), entre 1994 e 1996, e também a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), de 1997 a 1999.

 

Confira a seguir e no vídeo ao final.

 

A senhora acaba de assumir o maior tribunal trabalhista do País em volume de processos. Quais os principais desafios para a gestão à frente do TRT?
O principal desafio é fazer com que essa máquina continue funcionando com eficiência. O Tribunal de São Paulo recebe um volume muito grande de processos, maior volume do País, que, somado à 15ª Região, do interior do Estado, é considerado um movimento gigantesco. A Justiça do Trabalho tem uma tradição de celeridade, de prestação de serviços com qualidade. Então, a principal proposta é manter e sempre que possível melhorar a prestação jurisdicional. Neste momento em que estou assumindo, eu diria que o grande desafio seria no sentido de compatibilizar as novidades que vieram com a pandemia, que fez com que na maioria dos órgãos públicos, e no Poder Judiciário de uma maneira especial, tivéssemos que nos reinventar. Todos que tivemos que ficar em casa e rapidamente criar mecanismos através dos meios tecnológicos para dar continuidade à prestação jurisdicional. Devo dizer que São Paulo foi um dos tribunais que deu a resposta mais rápida; em maio [de 2020], já estávamos realizando audiências por videoconferência. Isso, num primeiro momento, impactou a todos, porque nós não estávamos preparados para essa modificação. Ao longo desses dois anos, fomos 560EntrevistaDestaquesaperfeiçoando esses mecanismos. Hoje a realização da audiência pode ser totalmente por videoconferência ou pelo modo híbrido, porque às vezes uma das partes quer presencial e a outra, por vídeo. Então temos toda uma estrutura nas Varas do Trabalho de São Paulo. Só que neste momento, com o arrefecimento da pandemia, estamos praticamente vivendo uma situação de total normalidade. Nosso desafio é voltarmos presencialmente ao trabalho, mas não deixarmos de considerar as facilidades que trouxeram esses novos mecanismos. Uma audiência por videoconferência viabiliza que um advogado que não tem escritório em São Paulo possa participar com muito mais facilidade. Por outro lado, nem todos, especialmente os trabalhadores mais humildes, têm acesso a internet de boa qualidade. Então, o desafio imediato é essa adaptação. O Tribunal Superior do Trabalho (TST), através de sua Corregedoria Geral, revogou todas as normas que estabeleciam esses sistemas alternativos de realização dos atos processuais. E agora cabe aos tribunais uma regulamentação sobre essas formas de atendimento. É um grande desafio, são muitos interesses envolvidos. A preocupação do nosso regional é o aproveitamento de todas as modalidades, sempre com a perspectiva [de garantir] o acesso à Justiça.

 

Fala-se muito sobre o excesso de processos e a lentidão na Justiça. Isso é um fato? O uso das tecnologias de comunicação pode ajudar a trazer celeridade?
Eu fico muito à vontade porque nos Tribunais do Trabalho em todo o País, e o de São Paulo não é diferente, nós temos celeridade. Óbvio que as partes têm interesse numa solução o mais rapidamente possível, mas o tempo de duração de um processo aqui na segunda região é relativamente rápido. Isso sofreu uma modificação durante o período da pandemia, porque a própria realização de audiências por vídeo, num primeiro momento, criava muitos problemas. Por exemplo, na pauta de audiências de um dia de um juiz, em média numa Vara de São Paulo, existem dez programadas. Quando começamos por vídeo, era impossível, os juízes de primeiro grau conseguiam fazer quatro ou cinco, exatamente pelo problema da dificuldade de acesso. São vários atores participando: o juiz, as partes, os advogados, as testemunhas. Essas pessoas estão em locais diferentes. Por outro lado, o número de reclamações trabalhistas que entraram nesse período também foi menor. Mas, para você ter ideia, no nosso tribunal, nós conseguimos resolver no mesmo ano 90% dos processos que chegam. [Nesse prazo], temos a sentença; depois vem a fase de execução, mais complicada, porque, em tempos de crise econômica, muitas vezes encontra-se uma dificuldade muito grande de concretizar a decisão, que é o pagamento do que é devido ao trabalhador. Quando tivemos a reforma trabalhista em 2017, houve uma queda expressiva de reclamações. Isso foi sendo retomado a partir de 2019 e depois nos vimos diante da pandemia, onde novamente houve uma queda. Hoje eu diria que o movimento processual está praticamente normalizado e a nossa capacidade de atender também, porque a experiência dos últimos dois anos fez com que houvesse esse aperfeiçoamento. O tribunal tem a ideia de instalar salas que permitam que as partes que não têm acesso adequado a internet possam comparecer, se esse for o desejo, para ter o sinal de qualidade e fazer o acompanhamento da audiência. Às vezes, a reclamação do trabalhador está correndo em São Paulo, mas ele mora em Guarulhos ou está trabalhando lá. Isso é uma questão bastante interessante; geralmente as reclamações são de pessoas que perderam o emprego e vêm a Juízo reclamar alguns direitos, só que até a tramitação do processo já estão empregadas e para comparecer a uma audiência teriam que se ausentar do trabalho.

 

Um tema sempre em debate e que voltou à baila nesta última campanha eleitoral é a legislação trabalhista que sofreu muitas alterações com a reforma de 2017. Na sua opinião, é preciso rever as alterações feitas há cinco anos?
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A principal questão foi o acesso à Justiça. A característica do processo do Trabalho é a gratuidade. Diferente da Justiça Comum e da Federal, não existe pagamento de emolumentos e custas. Isso permaneceu como era antes. Entretanto, importaram do processo civil a chamada sucumbência; ou seja, a parte que perde, que é sucumbente, pode ser condenada ao pagamento de honorários advocatícios da parte contrária. E isso foi uma inovação, porque o pagamento de honorários advocatícios no processo do trabalho era uma excepcionalidade, aliás vinculada ao prestígio da atuação dos sindicatos. Os honorários eram devidos quando a parte estivesse assistida pelo sindicato, e os honorários revertiam em favor da entidade. Isso era, a meu juízo, um critério justo, porque era um dispêndio, e nem todos os sindicatos têm condição de manter um corpo jurídico. Propiciava que houvesse assistência jurídica de qualidade para trabalhadores ou empresas, no caso dos sindicatos patronais. E o que aconteceu? Essa regra foi adotada indiscriminadamente, inclusive com a possibilidade de condenação do que se chama de hipossuficiente, as pessoas pobres, que ganham até dois salários mínimos. Uma das justificativas para a importação desse modelo era a quantidade excessiva, para alguns, de pedidos que eram apresentados nas reclamações trabalhistas. Isso é verdade, nós nos deparamos aqui com processos que fazem inúmeros pedidos, são muito longos. Para se resolver esse problema, adotou-se uma medicação fatal, que foi o medo de ingressar com a reclamação trabalhista. Essa questão do exagero tem que ser tratada com os advogados, que preparam a petição inicial e, em tese, devem orientar o cliente naquilo que pode requerer. Eu entendo que a justificativa não é razoável para a adoção de uma alteração tão radical, que trouxe essa preocupação para os autores de processos trabalhistas. A partir do discurso de que o trabalhador brasileiro é muito caro, o que chamam de custo Brasil, algumas medidas vieram na tentativa de contornar essa alegação. Uma das alterações que merecem reflexão, e talvez devam ser revistas, é a disposição sobre os temas que podem ser objeto de negociação [com os sindicatos], estabelecendo-se normas diferentes do que está na legislação. Diferentes sempre para pior, nunca para melhor, porque isso já era possível. O rol desses direitos que podem ser negociados está previsto no artigo 611-A da CLT. [Ainda], diz que [no caso dos] trabalhadores que ganham acima de duas vezes o teto da Previdência Social, esses direitos, [como insalubridade e intervalo para refeição], podem ser objeto de negociação [individual]. Estabeleceu uma categoria superior de trabalhador que, em tese, teria a capacidade de negociar com o empregador, flexibilizando seus próprios direitos. E essa também é uma visão que não corresponde à realidade. O fato de o trabalhador ter uma remuneração maior, como é o caso dos engenheiros, não significa que todos, diante de seus empregadores, possam livremente negociar as condições do trabalho. E a questão sindical que, infelizmente, vem num processo de algum tempo de desgastes das entidades. A CLT, ao mesmo tempo que no artigo 611 estabeleceu uma série de direitos que podem ser objeto de negociação, extirpou totalmente a principal fonte de custeio que era o imposto sindical. Eu nunca defendi as contribuições compulsórias, mas o imposto sindical tem vigência desde a criação da CLT e, portanto, essa transformação teria que ter passado por um momento de transição. Sei de muitos sindicatos que estão encontrando dificuldades em sobreviver, vendendo suas sedes para se manter. Então essa é uma alteração que merece uma nova discussão. Não sei se precisamos fazer uma reforma da reforma, mas alguns temas mereceriam uma discussão mais ampla para encontrar o ponto certo.

 

Na sua avaliação, qual a importância das negociações coletivas e da representação sindical?
É fundamental que a gente retome o prestígio da negociação coletiva e da atividade sindical. A meu juízo, é muito mais importante que as partes interessadas nesse conflito encontrem um caminho de solução. A decisão judicial, neste caso da negociação coletiva, deveria ser a última via a ser buscada. As sociedades que têm uma evolução do ponto 560EntrevistaDestaques3de vista da cidadania têm a capacidade de buscar esse entendimento. Para que a gente tenha isso, nós temos que ter sindicatos fortes, que tenham prestígio e que possam atuar, mesmo que no âmbito do tribunal. No caso das negociações coletivas, eu acho que o papel do Judiciário realmente é de mediador, para aproximar as partes e para a busca de uma solução consensual. É muito difícil, são dois polos muito diversificados, o capital e o trabalho, mas não é impossível quando há sindicatos fortes e representativos. [Daí], a importância da atuação dos sindicatos de levar ao Poder Legislativo alterações que possam criar ambiente para voltar a ter uma atividade sindical saudável e proveitosa, tanto para o patronato quanto para os trabalhadores.

 

A senhora é a sexta mulher a presidir o TRT 2ª Região. Qual o panorama da participação feminina no mundo do Direito hoje e em especial em cargos de comando no Judiciário? Existe machismo a ser enfrentado nesse campo também?
Eu digo que a Justiça do Trabalho até nisso é mais avançada e mais acolhedora. Aqui no tribunal de São Paulo, nós já somos maioria, ainda que por um percentual pequeno: somos 51% de desembargadoras. Na primeira instância, também há uma participação feminina muito grande. Isso não se vê em todos os segmentos do Poder Judiciário. Basta citar o Supremo Tribunal Federal (STF), onde temos duas mulheres, a ministra Rosa Weber, que está presidindo, e a ministra Carmem Lúcia, num universo de 11. Nos Tribunais de Justiça dos estados, a participação feminina ainda é pequena. Eu creio que, ao longo dos anos, essa situação da Justiça do Trabalho vai se espalhar por todos os ramos do Poder Judiciário. Recentemente, tivemos a ministra que foi corregedora do [Conselho Nacional de Justiça] (CNJ), [no qual] temos uma participação grande feminina. No TST também existe uma participação refletindo [o fato de] a Justiça do Trabalho ser mais acolhedora às mulheres. Isso é um reflexo das nossas conquistas ao longo dos anos. O Poder Judiciário já foi muito mais masculino. Eu me formei em 1981 e, antes de prestar concurso na Justiça do Trabalho, me aventurei na Justiça Estadual. Naquela época, existia uma única mulher como juíza, e eu senti que era um ambiente bastante masculino, hoje já não é assim. O fato de eu presidir o tribunal é importante, porque é um espaço que temos que ocupar. Se somos hoje maioria, nada mais lógico que seja presidido por uma mulher. Na direção, ficou bastante equilibrado. Nossa vice-presidente administrativa é a Dra. Elizabeth Mostardo Nunes, o corregedor é o Dr. Eduardo de Azevedo Silva e o vice judicial é o Dr. Marcelo Freire Gonçalves. Então, existe uma igualdade de participação. Acho que nós temos que caminhar lado a lado; não precisamos estar na frente, mas também não queremos estar atrás. A importância de eu ter sido eleita é refletir a realidade da Justiça do Trabalho hoje, em que a presença feminina é majoritária.

 

Assista à entrevista

 

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