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Brasil à espera de regulação do teletrabalho

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Soraya Misleh

 

“No Brasil, 20,4 milhões de pessoas encontram-se em ocupações com potencial de serem realizadas de forma remota, o que representa 24,1% do total de ocupados.” Os dados constam da nota técnica “O teletrabalho potencial no Brasil revisitado: uma visão espacial”, elaborada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), relativa ao segundo trimestre deste ano. Para que se garantam condições adequadas de trabalho a tamanho contingente, especialistas ouvidos pelo Jornal do Engenheiro defendem regulamentação e negociação coletiva.

 

Conforme relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de julho de 2021, o patamar dos que passaram a atuar a distância no Brasil passou de 5 a 7% para 13% dos ocupados no segundo semestre de 2020, chegando a 16% entre assalariados.

 

Baseada nesses dados, Ivani Contini Bramante, desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) – 2ª. Região, confirma a tendência exponencial: “Não há perspectiva de redução. As novas tecnologias vieram para ficar e avançam a cada dia. As pessoas estão se habituando ao teletrabalho. Um grande número de pessoas saiu da cidade de São Paulo e foi morar em chácaras, condomínios fechados. São mudanças biopsicossociais, econômicas e culturais.”

 

Regulamentação

 

Ivani Contini Bramante e Fausto Augusto Junior: legislação deficiente e necessidade de fortalecer negociações coletivas. Fotos: Acervos pessoaisO Brasil, contudo, ainda carece de regulação da atividade, como reconhecem Bramante e Fausto Augusto Junior, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Este último critica, todavia, o instrumento de Medida Provisória, que vem sendo adotado pelo governo, para corrigir lacunas na legislação trabalhista a respeito do teletrabalho. “Nunca é eficaz. Acabou se instituindo a MP como rito sumário, abolindo-se o debate amplo com a população via audiências públicas e comissões. Isso não nos permite minimamente a participação em discussão tão importante que afeta a vida de tanta gente”, vaticina.

 

Editada em 25 de março último e com validade prorrogada até 7 de agosto, a Medida Provisória 1.108/2022, que “tem uma espécie de capítulo que versa sobre teletrabalho”, como destaca o advogado Magnus Farkatt, do Departamento Jurídico do SEESP, não atende, dessa forma, dois pontos essenciais, “não disciplinados adequadamente pela legislação vigente”: o ressarcimento dos custos com o teletrabalho (como equipamentos, energia elétrica, internet) e a proteção à saúde do trabalhador.

 

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seu Capítulo II-A, incluído na reforma trabalhista (Lei no. 13.467/2017), determina que decisões como quanto à infraestrutura sejam objeto de contrato individual. Com relação à segurança e saúde no trabalho, em seu artigo 75-E, delega ao empregador instruir, “de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho”, porém o funcionário deve assinar um termo de responsabilidade de que cumprirá com as orientações fornecidas. “Transfere-se o risco da atividade econômica para o empregado”, critica Bramante, que corrobora ainda as críticas quanto à MP. “Tudo pode ser feito por acordo individual.” Fausto Junior salienta: “É uma grande falácia. O trabalhador tem baixa capacidade de negociação, não tem poder de barganha. Ou aceita [as condições impostas] ou é demitido. A estratégia do governo é enfraquecer o movimento sindical em geral.”

 

Modelo Tesla

 

Além de não regular questões chave, outra preocupação dos especialistas é quanto ao fato de a Medida Provisória abrir a possibilidade de contratação da prestação de serviço em teletrabalho “por produção” ou “por tarefa”. “Isso não estava previsto na CLT, e é muito ruim. Suprime do empregado o direito à jornada diária de oito horas ou semanal de 40h, conforme a Constituição Federal”, avalia Farkatt. 

 

No modelo “por produção” ou “por tarefa”, ao encontro dos contratos intermitentes permitidos com a reforma trabalhista, o advogado do SEESP enxerga o risco de o trabalhador acabar por exercer jornadas indefinidas, “sem remuneração de horas extras”.

 

A MP também permite o teletrabalho inclusive a estagiários e aprendizes, o que, para Bramante, leva à perda do sentido dessas modalidades de preparar os futuros profissionais para o exercício de uma função.

 

Um mau exemplo internacional acende o alerta quanto à necessidade de corrigir a rota em relação à regulação da modalidade do teletrabalho. Em meio a medidas rigorosas para controle da disseminação da Covid-19 neste ano, o empresário Elon Musk tomou uma decisão extrema para retomar a produção na fábrica da Tesla em Xangai, na China: impor confinamento aos funcionários em “circuito fechado”, que passaram a ser obrigados a dormir no local e trabalhar 12 horas por dia, folgando apenas uma vez por semana. Depois dessa medida, o CEO da gigante de carros elétricos resolveu, em 31 de maio último, exigir que todos os empregados que desejem continuar em home office exerçam sua função por, no mínimo, 40 horas por semana presencialmente.

 

Magnus Farkatt: falta regulamentação adequada. Foto: DivulgaçãoFarkatt é enfático: “Tanto a CLT quanto a MP não estabelecem mecanismos de fiscalização eficazes de cumprimento da legislação trabalhista para o empregado submetido ao teletrabalho.” Na Argentina, exemplifica, os empregadores são obrigados a informar os sindicatos das categorias o número de funcionários em regime remoto por área. Para ele, assim, a única inovação de fato na MP é que institui o sistema híbrido de trabalho – presencial e a distância.

 

Negociação coletiva

 

Todos os especialistas são categóricos em afirmar que é preciso fortalecer as negociações coletivas para incluir regras ao teletrabalho nos acordos entre sindicatos e companhias. Não obstante, ainda se encontram resistências por parte do patronato em atender esse ponto nas pautas de reivindicações. “As empresas não acham que isso vai vingar, pensam que é temporário. Na verdade não é, veio para ficar”, sublinha o engenheiro de segurança do trabalho Gley Rosa, diretor do SEESP e seu negociador junto à São Paulo Transporte (SPTrans) e à Companhia de Engenharia de Tráfego (CET).

 

Gley Rosa: desafios a serem superados. Foto: Acervo pessoalEspecialista em teletrabalho com foco em ergonomia, ele descreve que, consequentemente, nas negociações coletivas há ainda desafios a serem superados para que se garantam condições adequadas aos trabalhadores exercerem sua função, como equipamentos, mobiliário, segurança e saúde, pagamento de adicional por conta das despesas com wifi, eletricidade, entre outras. Bramante orienta que se incluam  ainda nas negociações coletivas os direitos “à desconexão” e à privacidade. Há companhias, segundo Gley Rosa, que atendem as reivindicações em parte, outras não querem incluir o tema nos acordos.

 

Na avaliação de Fausto Augusto, há um “limbo jurídico bastante grande”, e a própria MP, ao favorecer contratos individuais, enfraquece as negociações coletivas. “Essa questão precisa ser apropriada pelos sindicatos”, propugna.

 

É o que tem feito o SEESP. Além de incluir esse tópico nas pautas de reivindicações dos engenheiros, em meio à pandemia de Covid-19, a entidade conseguiu firmar acordos emergenciais com empresas e aprofundou o debate sobre o tema.

 

Assim, o sindicato realizou webinar com a presença de especialistas em Direito do Trabalho, além de constituir grupo de estudos que elaborou a cartilha “Teletrabalho e home office: regras e direitos”. Publicada em outubro de 2021, como descrito em sua introdução, esta “visa orientar dirigentes sindicais, trabalhadores e empresas para que a modalidade teletrabalho possa ser exercida de forma produtiva e satisfatória a todos”. Serve como um guia útil à consulta dos interessados em geral.

 

“O objetivo é que os acordos e convenções contemplem o tema, hoje realidade de muitos engenheiros, de forma adequada”, continua o texto de apresentação. Assim, em 22 páginas, a cartilha traz desde conceituação sobre o que é teletrabalho até sugestão de cláusulas contratuais ou termos aditivos para assegurar condições adequadas ao exercício do trabalho a distância.

 

Fernando Palmezan: empenho do SEESP em prol dos seus representados. Foto: Acervo pessoalNa busca por ampliar a divulgação e conscientização sobre a importância de se garantir nos acordos coletivos direitos e proteção também aos profissionais que atuam em home office ou em sistema híbrido, o diretor do SEESP Fernando Palmezan, que coordena o grupo de estudos sobre o tema, informa: “Estamos no esforço de atualização e elaboração de pesquisa junto aos profissionais sobre teletrabalho.” A avaliação deve indicar suas perspectivas e demandas rumo a “um entendimento comum”.

 

Gley Rosa pondera que incluir cláusulas a respeito nos acordos coletivos é melhor para ambas as partes: “O funcionário trabalha melhor, aumenta sua produtividade. E se a empresa não zelar por garantir as mesmas condições aos profissionais em teletrabalho e a pessoa tiver problemas de coluna, por exemplo, poderá ingressar com processo trabalhista.”

 

Bramante atesta que isso já tem acontecido: “Há várias ações na Justiça discutindo teletrabalho, sobretudo gastos com infraestrutura e jornada extraordinária. É recomendável negociar, considerando-se a legislação ainda deficiente.”

 

Além da cartilha disponibilizada pelo SEESP para orientação, Gley Rosa informa que o sindicato “tem profissionais especializados que podem colaborar com a empresa e prestar assessoria”. Mais informações com Alexandra Justo, da área de Oportunidades na Engenharia, pelo e-mail Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. ou telefone (11) 3113-2600, ramal 2674.

 

 

Foto no destaque: Freepik 

 

 

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