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Novo marco legal deve alterar financiamento do transporte público

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Jéssica Silva

 

Começa a tramitar no Congresso Nacional o denominado novo marco legal do transporte público, proposto no Projeto de Lei (PL) nº 3.278/2021, apresentado em setembro último pelo senador Antonio Anastasia (PSD-MG). O PL, que visa atualizar a Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei 12.587/2012), teve como base o Programa de Reestruturação do Transporte Público Urbano.

 

Desenvolvido pela Associação Nacional das Empresas de Transporte Urbano (NTU), em concordância com a Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos), Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), Frente Nacional de Prefeitos (FNP) e Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de Mobilidade Urbana (FNMU), o documento é fruto de um esforço de reorganizar e sustentar o setor, que, segundo as entidades, já vinha enfrentando crise mesmo antes da pandemia.

 

“O modelo que impera no transporte público coletivo é da concessão comum, em que a demanda está prevista como única fonte de receita. Isso funcionou por um tempo, mas hoje não se sustenta mais. De 1994 a 2012 perdemos 24% da demanda e de 2013 a 2019, mais 26%”, conta Otávio Cunha, presidente da NTU.

 

Segundo essa associação, os números pioraram com a pandemia ocasionada pelo novo coronavírus, com queda de 80% da demanda, causando um impacto financeiro de mais de R$ 15 bilhões ao transporte público por ônibus no País. Estes são responsáveis por 85% das viagens coletivas em todo o Brasil e estão presentes na forma de serviço organizado em 2.901 municípios, operados por cerca de 1.765 empresas.

 

As dificuldades se acentuaram com o veto presidencial ao PL 3.364/2020, que previa repasse de R$ 4 bilhões em amparo ao transporte público. A crise refletiu no mundo do trabalho; foi o setor econômico que mais demitiu do que contratou profissionais, de janeiro de 2020 a julho último, segundo painel de informações do Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).

 

Otavio JurandirÀ esquerda, Otavio Cunha. Foto: Arquivo NTU. À direita, Jurandir Fernandes. Foto: Acervo SEESP/Beatriz ArrudaA ideia, segundo Cunha, é que o marco legal estabeleça um novo modelo de contrato que proporcione segurança jurídica às operadoras e, sobretudo, sustentabilidade ao serviço. Assim, o PL abarca dois outros tipos de concessões: patrocinada e administrativa.

 

Nas rodovias, de acordo com o presidente da NTU, predominam as primeiras; já as últimas são mais comuns na área metroferroviária, em que “o Estado é responsável pela manutenção do serviço, mesmo que este seja operado pela iniciativa privada”.

 

Com relação ao tema, o projeto dispõe sobre a criação de um comitê como meio de apoio jurídico, conforme o texto do PL, um “grupo de especialistas indicados pelas partes, previsto no contrato de concessão de transporte público coletivo básico, visando a solução de controvérsias de natureza técnica ou econômico-financeira”.

 

Cunha acredita que isso traz “transparência e segurança de que os contratos serão cumpridos dos dois lados, será garantido o serviço de qualidade e a remuneração justa”.

 

Custeio

 

O marco legal traz distinção entre a tarifa cobrada do passageiro (pública) e a paga ao concessionário pelo serviço (de remuneração), conforme destaca Jurandir Fernandes, coordenador do Conselho Assessor de Mobilidade e Transporte do SEESP. Em prática nas cidades de São Paulo, Brasília e Curitiba, nesse modelo, quanto maior o financiamento público, menor o custo para o usuário e menor risco às empresas. Num sistema de custeio regular, como ele compara, as tarifas pagas pelo usuário bancam o serviço, por isso são elevadas. “A população quer se deslocar de um ponto a outro da cidade por meio de transportes integrados, seguros, confiáveis e com tarifas adequadas a sua realidade”, pontua Fernandes.

 

A diferenciação das tarifas com financiamento público já é recomendada na atual Política Nacional de Mobilidade Urbana (art. 9º) e muitas cidades passaram a adotá-la devido à pandemia, como conta Mauro Artur Herszkowicz, presidente da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo (Fetpesp). No Estado, segundo ele, recebem atualmente o valor auxiliar os municípios de Campos do Jordão, Indaiatuba, Jacareí, Limeira, Pindamonhangaba, Piracicaba, Ribeirão Preto, São Sebastião, Taubaté, além de Campinas e da Capital. Esta última,destaca Herszkowicz. com “um subsídio que deve atingir no ano em torno de R$ 3,5 bilhões”. 

 

Mauro Christovam SergioMauro Artur Herszkowicz (à esquerda), Francisco Christovam e Sergio Avelleda. Fotos (na respectiva ordem): Divulgação Fetpesp / Beatriz Arruda / Acervo pessoalCom o novo marco, serão criadas bases jurídicas para que os contratos de concessão contenham essas regras de separação de tarifas, conforme explana Francisco Christovam, assessor especial do Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de São Paulo (SPUrbanuss). "Será obrigatório, pois estará no contrato que quando a tarifa de utilização não for suficiente para remunerar, o poder concedente terá que complementar essa diferença", ele afirma.

 

A nova lei também propõe o subsidio às gratuidades, explica o presidente da Fetpesp, como de idosos (Lei Federal nº 10.741/2003), pessoas com deficiências, crianças até seis anos, estudantes (em alguns casos pagam meia) e profissionais como carteiros e policiais, que também ficam a cargo do poder público, ao invés de entrarem na conta das empresas. De acordo com levantamento da NTU, as gratuidades representam 27,1% das viagens.

 

Fontes de financiamento

 

A questão que fica é de onde sairão os subsídios necessários. Para Sergio Avelleda, ex-secretário municipal de Mobilidade e Transportes de São Paulo, ao estabelecer que os contratos com as operadoras devam ser equilibrados, o novo marco regulatório “contribui fortemente para que municípios comecem a discussão sobre o financiamento do transporte público”.

 

Este é um direito constitucional, como ressalta ele, “serviço público de natureza essencial”, assim como saúde e educação. Entretanto, diferentemente de tais áreas, custeadas por toda a sociedade a partir dos impostos, o serviço continua, em geral, sendo bancado apenas pelos usuários. Avelleda enfatiza: “Mesmo que eu não use o sistema, quem usa contribui à mobilidade, à redução da poluição, à economia, já que transporte público garante que as pessoas cheguem aos seus trabalhos. Se os benefícios são para todos, todos devem ajudar a pagar.”

 

Em sua visão, são potenciais fontes de financiamento receitas sobre a valorização imobiliária em locais com obras de metrôs e terminais, os estacionamentos em vias públicas como Zona Azul e outros, além do próprio veículo individual. “O carro carrega em média 1,5 pessoa, o ônibus ocupa o espaço de três a quatro carros, mas em compensação transporta muito mais pessoas”, acrescenta Cunha.

 

Ambas as opções são destacadas no texto do PL 3.278/2021, que, além disso, designa, no mínimo, 60% dos recursos da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico relativa às atividades de importação e comercialização de petróleo e derivados, gás natural e derivados e álcool etílico combustível (Cide Combustível) para programas de infraestrutura de transportes coletivos.

 

Na visão de Herszkowicz, o investimento em infraestrutura é indispensável à sustentabilidade do setor. “Quando se dá mais velocidade comercial para o ônibus, com a criação de corredores ou de faixas exclusivas, semáforos que contemplam a abertura quando o veículo vai passar, ele fica menos tempo nos engarrafamentos. E, principalmente, todos esses sistemas inteligentes vão fazer com que a população volte a usar o coletivo. Tudo isso reduz custo”, atesta.

 

WesleyNeto EdilsonWesley Ferro Nogueira (à esquerda), secretário executivo do MDT, e Edilson Reis, diretor do SEESP. Fotos (na ordem respectiva): Acervo pessoal e Beatriz ArrudaParticipação

 

A nova lei ainda propõe que sejam estabelecidos indicadores de qualidade e requisitos mínimos operacionais, o que, nas palavras de Cunha, pode elevar o patamar dos serviços prestados.

 

Mas faltou incluir a participação dos atores principais da mobilidade coletiva: os usuários. Quem avalia é Wesley Ferro Nogueira, secretário executivo do Instituto do Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade para Todos (MDT).

 

Em artigo publicado por essa organização em 9 de outubro, Nogueira é categórico: “O projeto perde a oportunidade de indicar uma nova proposta de modelagem para os sistemas de transporte público pautada pela defesa efetiva do interesse público quando não sugere o fortalecimento do protagonismo de usuários.”

 

Nesse sentido, considerando a separação entre tarifas pública e de remuneração, ele exemplifica: “Uma mudança importante seria a participação dos usuários na formação da remuneração final a ser recebida pelos operadores, por meio da sua avaliação efetiva do desempenho de cada concessionário.” Por meio de indicadores, conforme sugere, os usuários analisariam a prestação do serviço, e essa nota comporia o Índice de Qualidade do Transporte (IQT). Com isso, Nogueira defende, “o valor final a ser recebido pelo operador também teria a participação direta do usuário do sistema”.

 

Outros modais devem ser considerados também na discussão, pontua Edilson Reis, diretor do SEESP: “Na composição da mobilidade urbana, um terço das viagens é feito a pé. Deve-se incentivar a mobilidade ativa e a micromobilidade, investindo em infraestrutura para esse fim, como ciclovias seguras, calçadas regulares com iluminação pública e arborização.”

 

A instituição de um marco regulatório do transporte de passageiros, avalia o engenheiro, contribuirá na consolidação do serviço como um direito do cidadão e dever do Estado. Não obstante, há também "a necessidade de uma sinergia entre as políticas públicas do uso e ocupação do solo e de mobilidade urbana, desdobrando em centralidades que gerem empregos e renda próximos às moradias e serviços públicos demandados pelos cidadãos”.

 

 

Foto no destaque: Rovena Rosa/Agência Brasil

 

 

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