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14/09/2020

“Trabalhamos na era da ‘Liga da Justiça’: todos têm força e se complementam”, diz Sofia Esteves

Autoconhecimento, “brilho nos olhos” e resiliência são competências fundamentais para qualquer profissional, afirma presidente do Grupo Cia de Talentos

 

Rosângela Ribeiro Gil
Oportunidades na Engenharia

O nome dela é Sofia, mas, segundo ela mesmo, poderia ser “Trabalho Esteves”. Aos 58 anos de idade é presidente do Conselho do Grupo Cia de Talentos, que, há 32 anos, conecta talentos às mais diversas vagas do Brasil e da América Latina. Ao longo dessa história, são mais de 2.000 empresas atendidas e 100.000 talentos contratados. A semente desse trabalho gigante foi lançada em 1988, quando Sofia Esteves, uma jovem recém-formada em psicologia, criou a Decision Making (DM). “Comecei numa época que ainda não se falava em empreendedorismo no Brasil, muito menos numa mulher empreendedora”, lembra.

 

Sofia Esteves 5Sofia Esteves, à dir., em entrevista por vídeo com a área de Oportunidades na Engenharia, do SEESP. 

Para entrar na área, como diz, levou muitas respostas negativas e ainda enfrentou preconceitos porque era jovem e mulher. Há três décadas, recorda, o ambiente da área de Recursos Humanos era predominantemente masculino e “de cabelos brancos”. Sofia conta uma situação que passou no início da carreira: “Fui falar com o presidente de uma empresa, quando cheguei ele disse que íamos esperar o meu chefe para começar a reunião. Olhei para ele com um sorriso e disse: sou a presidente da minha empresa e tenho certeza que você não vai me avaliar por eu ser mulher, mas pela minha competência.”

 

Caçula de três irmãos de um casal de imigrantes europeus, Sofia cresceu no bairro de Itaquera, na chamada ZL (Zona Leste) de São Paulo. Atualmente, está à frente do Grupo Cia de Talentos que se apresenta com um faturamento em torno de 30 milhões de reais por ano e congrega a Cia de Talentos, a Bettha.com e a Cia de Experts (antes conhecida como DMRH).

 

Na primeira parte desta matéria, em meio a sua agenda agitada, Sofia respondeu, numa entrevista exclusiva por vídeo, às perguntas da área Oportunidades na Engenharia, do SEESP. Nos primeiros minutos de conversa, incentivou: “Pode perguntar o que quiser.” Foi o que aconteceu.

 

Sofia, como você contaria sua trajetória profissional numa entrevista com um(a) CEO?
Em primeiro lugar, ressalto nunca ter desistido dos meus sonhos. Sou uma idealista e apaixonada por gente. Tenho uma maneira de fazer as coisas muito particular e afetiva. Mesmo estando no mundo corporativo, que todos dizem ser frio, coloco toda a minha emoção em tudo o que faço, na vida pessoal e profissional. É assim que gosto de ser. A Sofia Esteves que você vai ver na televisão ou em casa, será a mesma.

 

Sou uma pessoa que construiu [um grande empreendimento] do nada. Saí de uma situação muito vulnerável, mas sem passar por cima dos meus valores e do que acredito como qualidade de trabalho, que é sempre o melhor para as pessoas, pois trabalho com gestão de pessoas.

 

600 Sofia Esteves 2Há 32 anos na área, Sofia Esteves participa de eventos para públicos profissionais diversos. Crédito: Divulgação.

 

Como desenvolveu suas competências comportamentais e técnicas ao longo de sua carreira? Esse desenvolvimento tem um ponto de chegada?
Desenvolvimento nunca está finalizado. Quem achar que já sabe tudo é o primeiro dia do seu fracasso. Falamos do lifelong learning (educação continuada), de aprender, reaprender, desaprender. Não é um aprendizado que está, obrigatoriamente, ligado a um curso, mas há tudo. Pode ser um livro, um debate ou conversa com amigos, numa reunião de trabalho, assistindo a um filme.

 

O aprender não está ligado apenas a sua área, é uma obrigação estar atualizado, mas falo de fazer cursos diversos. Eu mesma já fiz curso de decoração, de colocar mesa, de comunicação. Quanto mais aberto o seu leque para aprender e com pessoas, culturas e estilos de vida diferentes, melhor. Se você não souber se relacionar e trabalhar com pessoas de mindset [jeito de pensar] diferente do seu ou com histórias de vida diversas, você não vai ser um profissional completo.

 

Qual sua orientação para um estudante, como o de Engenharia, que está em busca de um estágio?
Primeiro de tudo, não perca tempo e vá atrás do seu autoconhecimento. Ele é a base de tudo: vai lhe ajudar a fazer as escolhas na carreira e entender quais são seus propósitos e valores. Vai mostrar o que o fortalece, os pontos que precisam ser desenvolvidos. Tudo isso vai ajudar a se preparar para os processos seletivos. Se você não sabe para onde vai, porque escolheu a empresa A ou B para um processo seletivo, você também não vai conseguir passar o melhor de você. O segundo passo é trabalhar a autoestima. Precisa acreditar no seu potencial, que você pode ser do tamanho dos seus sonhos. Isso ajuda o outro a acreditar em você também.

 

Na hora do processo seletivo dá nervoso sim, ansiedade. Mas você precisa acreditar que é capaz. Mesmo com a voz e a mão trêmulas se apresente, as empresas estão acostumadas com as pessoas nervosas nesses momentos. O importante é você passar confiança, garra e determinação.

 

Existe uma competência que a gente chama, no mercado, de “brilho nos olhos”, que é de quem acredita, confia, luta, é determinado e tem paixão por aquilo que faz. As empresas buscam muito esses jovens idealistas, apaixonados, que correm atrás de seus objetivos, que não desistem.

 

Como lidar com as respostas negativas?
Todos vamos receber um monte de não. Hoje estou aqui, com 34 anos de formada, mas recebi muitos “nãos”. Fiz psicologia para trabalhar com escola, queria trabalhar com psicologia infantil. Não consegui, mas surgiu uma oportunidade na área de Recursos Humanos. Por sobrevivência, e não por achar que era a área da minha vida, aceitei e acabei me realizando 200%, conquistando respeito e credibilidade do mercado. O que quero dizer é que os “nãos” me levaram a encontrar o meu caminho. Então, quando surgir uma oportunidade evite dizer não de início, porque é diferente daquilo que você traçou inicialmente. A pergunta certa é: Por que não?

 

Com 32 anos em gestão, posso dizer que todas as pessoas de sucesso que conheço têm paixão pelo que fazem, mas não fazemos o que gostamos o tempo todo. É mentira achar que eu, como empresária, só faço aquilo que gosto. Todo mundo tem que fazer alguma coisa que não gosta. Então, digo que é de 70% a 80% do que gostamos, e uns 20% a 30% de transpiração, aquilo que é obrigação.

 

Todo mundo passa por isso. Importante é chegar ao final do dia e dizer: puxa, valeu a pena.

 

Sofia, voltando um pouco: é normal tremer numa entrevista, então?
Pode tremer sim. Na minha primeira entrevista [de emprego], já formada psicóloga, a pessoa perguntou o meu endereço, mas estava com a garganta tão travada que não consegui responder. Aí eu falei: desculpa, estou nervosa. A recrutadora foi muito querida, começou a brincar comigo, e aí a entrevista fluiu. Acredito que faz parte poder dizer que está nervoso.

 

Nessa mesma linha, vamos pensar um candidato que, alguns dias antes do processo seletivo, sofre algum abalo emocional forte. O que fazer numa situação dessas?
Já aconteceu isso várias vezes comigo. As pessoas virem para um processo seletivo e estar enfrentando uma perda na família ou de alguém muito querido, ou mesmo de uma outra situação muito grave. Se for uma dinâmica de grupo, quando estiver entrando na sala procure o recrutador e fale só com ele. Se for uma entrevista individual, fale antes do procedimento, se desculpe que talvez não esteja na sua melhor forma porque está passando por uma situação grave, não precisa nem contar o que é.

 

Vou lhe dar um exemplo. Há alguns anos [em 2007], uma aeronave da TAM caiu no aeroporto de Congonhas [SP]. Uma candidata que estava participando de várias etapas de um processo de trainee perdeu o pai naquele acidente. Assim mesmo, ela participou do processo três dias depois. Falei para ela ir embora e que íamos chamá-la numa outra data para a mesma empresa, mas ela disse que não e que o pai gostaria que ela estivesse ali.

 

Mas nem todo mundo reage da mesma forma. Sugiro ligar para a empresa ou para o recrutador e expor o que está acontecendo. Se essa empresa não tiver a sensibilidade de lhe dar uma segunda oportunidade é que ela não lhe merece. É uma escolha: se quer trabalhar numa empresa que, mesmo num momento muito difícil, não lhe dá outra oportunidade. De novo estamos falando de autoconhecimento e de escolhas. Com certeza, essa empresa não te merece e outra bacana vai surgir. Destaco, então, que a confiança é muito importante.

 

Quais as competências comportamentais comuns hoje para todas as carreiras, incluindo a engenharia? Quem tenta se garantir apenas nas competências técnicas corre risco num processo seletivo?
Corre total risco. Porque o conhecimento hoje é volátil. O que se aprende hoje na escola, amanhã já mudou. Não é que o conhecimento técnico não seja importante, mas ele não é a base de sustentação de uma carreira. O engenheiro tem um diferencial muito requisitado pelo mercado de trabalho hoje: capacidade de raciocínio lógico, de análise crítica, síntese e de sistematizar um pensamento. E isso é uma competência comportamental, e não técnica. É uma característica cognitiva.

 

Há 30 anos, quando comecei a fazer seleção de jovens, o mais importante era a formação acadêmica, o curso e o nome da faculdade. Naquela época, já dizia para as empresas que nome de faculdade não era sobrenome de talento, porque a história de vida é que faz a pessoa ser um talento. Depois de muito anos, essas barreiras estão sendo quebradas. Hoje, 80% do mercado não se balizam pelo nome da faculdade ou o curso. Mesmo no caso, por exemplo, de um engenheiro civil: primeiro serão observados os valores e a cultura desse profissional, se a paixão e o propósito de vida são os mesmos da empresa.

 

O segundo ponto que destaco são as competências sócio emocionais. Elas referem-se à capacidade de adaptação, à resiliência – que o engenheiro aprende na escola – que é o quanto resiste à frustação e rapidamente retorna ao estado normal e fica motivado novamente. Todos vivemos e passamos por frustrações, seja porque uma promoção não saiu, um projeto foi interrompido por causa de uma crise; precisamos de profissionais que, mesmo sentindo a frustração, rapidamente se motivem e continuem seu trabalho.

 

Outra característica muito buscada é a empatia. Como lidar com pessoas diferentes e se colocar no sapato do outro. Entender que o seu chefe, às vezes, está nervoso porque está sofrendo pressão ou com problema familiar, e não porque ele quis ser grosso. Quando consigo entender a história de vida do outro, trabalho melhor e o ambiente profissional também fica melhor.

 

600 Sofia Esteves 3Sofia Esteves destaca o autoconhecimento como uma das competências fundamentais para alcançar sucesso numa carreira. Crédito: Divulgação.

 

E a comunicação?
Ela é fundamental. Às vezes, para as pessoas mais analíticas, como é o caso do engenheiro, é um pouco mais difícil; porque são mais mentais e têm mais dificuldade em se expor. A comunicação, ao contrário do que muita gente pensa, não é ser extrovertido. Não tem nenhum problema de você ser tímido, mas precisa se colocar. Se tiver numa dinâmica de grupo e não falar, não vamos conseguir avaliar essa pessoa. O importante não é o volume do que se fala, mas a qualidade dessa fala. Agregue valor quando se expor.

 

A comunicação precisa ser clara, transparente e ter emoção, porque as pessoas hoje se ligam até pelas vulnerabilidades. Já foi o tempo que todo mundo precisava parecer super homem ou super mulher. Agora trabalhamos na era da “Liga da Justiça” [filme da DC Comics], onde todo mundo tem uma força e se complementa. Até os super heróis têm vulnerabilidade. Ou seja, hoje buscamos mais o “ser” humano. Queremos, para a vida profissional, aquela pessoa que se conhece, que sabe quais são seus pontos fracos e o que precisa melhorar. Ninguém é perfeito. As empresas buscam profissionais complementares, porque o trabalho colaborativo é muito importante.

 

Tudo isso se enquadra na inteligência emocional?
Isso mesmo. Inteligência emocional não se refere a equilíbrio ou tirar tudo de letra. É saber lidar com as nossas emoções, saber quando estamos tristes, empolgados demais ou desmotivados. Aqui, volto ao que falei no início da entrevista, autoconhecimento. Se você não conhecer as suas emoções não saberá lidar com elas. Entenda qual o seu estilo, o seu perfil intrínseco.

 

Na Cia de Talentos, criamos um projeto bem legal, o Bettha.com. É uma plataforma totalmente gratuita para estudantes e recém-formados. Nela, tem vários testes de autoconhecimento, que mostra qual o seu perfil, estilo de trabalho, quais são suas âncoras de carreira. São testes fáceis, o resultado sai na hora, de uma maneira que o jovem consiga se entender e ainda tem sugestões de jornadas de desenvolvimento para aqueles pontos do perfil dele. Enquanto ele está fazendo essas atividades, a plataforma aprende sobre ele e começa a sugerir vagas de oportunidades de mercado para programas de estágio, de trainee.

 

 

>> Em tempo - Na segunda parte desta entrevista, que vai ao ar no dia 23 de setembro próximo, Sofia Esteves fala sobre processos seletivos mais inclusivos; dá dicas de cursos gratuitos e online de inglês e outros aprendizados e da Jornada do Futuro; orienta profissionais 50+ para se manterem atualizados e no mercado; avalia se 2020 foi um ano perdido para os profissionais e como seguimos daqui para frente; e ainda diz quais livros e filmes a inspiraram e o que significa a frase dos seus pais "faça por merecer".

 

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