Clemente Ganz Lúcio*
O debate em torno das privatizações, por vezes, apresenta-se de forma dual: o setor público é eficiente ou ineficiente na prestação dos serviços; as empresas dão lucro ou prejuízo ao Estado; a venda de ativos públicos resolve ou não um problema de déficit nas contas públicas.
Há muito de ideologia no debate acerca de uma suposta superioridade do desempenho do setor privado sobre o público e dos recorrentes prejuízos causados por empresas controladas pelo Estado. Além disso, é preciso olhar além: as empresas estatais desempenham papel importante no desenvolvimento de uma sociedade e são, ao mesmo tempo, instrumentos significativos de política econômica e, também, de política externa, podendo desempenhar relevante papel na geopolítica internacional.
São muitas as razões: as empresas estatais são importantes para promover grandes investimentos de longo prazo; uma vez que muitos setores de atividade econômica, por suas características intrínsecas, necessitam de investimentos vultosos e de longo prazo de maturação, que podem durar décadas, tais como estradas e ferrovias.
Há, também os serviços essenciais à vida – como captação, tratamento e distribuição da água e geração, transmissão e distribuição de energia elétrica – que, sob pena de colocar em risco a economia do País e a sobrevivência da população, não podem ser tratados como mercadoria.
No Brasil, a Constituição define o provimento de uma série de bens e serviços como propriedade/competência do Estado – União, Estados e Municípios. Dentre eles estão as jazidas e demais recursos minerais; potenciais de energia elétrica; tratamento e distribuição de água e coleta de esgoto; gestão dos recursos hídricos; infraestrutura aeroportuária; serviços e instalações nucleares; serviços de transporte; e serviços postais.
Empresas e centros de pesquisa estatais desempenham importante papel nas economias modernas, para redução da dependência tecnológica de outros países, a partir dos investimentos que realizam em projetos de ciência, tecnologia e inovação, pouco atrativos à iniciativa privada.
Ademais, bens escassos e que são insumos essenciais para o conjunto da estrutura produtiva, em especial petróleo, gás e seus derivados, são estratégicos para o desenvolvimento econômico e social, e os poucos países que detêm grandes reservas e competência para explorá-las procuram protegê-las e utilizá-las da melhor maneira possível.
Por todos estes fatores, em nome do interesse e da soberania nacionais, diversos países têm adotado medidas de restrição ao investimento estrangeiro em setores estratégicos, principalmente aqueles na forma de fusões e aquisições.
Na contramão dos países desenvolvidos, o governo atual vem se desfazendo de suas estatais a um preço baixo. Com certeza, o custo futuro para toda a sociedade brasileira será alto, podendo afetar o desenvolvimento e a soberania nacional.
* Sociólogo e diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese)