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Cidade – Um plano para salvar São Paulo do caos

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O novo Plano Diretor Estratégico (PDE) de São Paulo mal foi aprovado e já suscita uma gama de debates sobre as estratégias adotadas pela gestão Fernando Haddad (PT) para solucionar os problemas enfrentados por uma cidade do porte da Capital paulista. Entre falhas e avanços apontados por especialistas ouvidos pelo Jornal do Engenheiro, há pelo menos uma certeza: a diretriz de promover o adensamento ao longo da malha de transporte coletivo existente está correta.

Mas é preciso levar em conta a capacidade de cada linha e preservar o meio ambiente. É necessário enfrentar o lobby da construção civil para atender a demanda social, sem afetar os ecossistemas.

Com 44 votos a favor, oito contra e três abstenções, o texto que institui a “Política de Desenvolvimento Urbano e o Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo” foi aprovado em 30 de junho último, após nove meses e 114 audiências públicas com 25.658 participantes, o que resultou em 10.546 contribuições. Previsto para ser sancionado pelo prefeito em 31 de julho e a partir dessa data entrar em vigor, em linhas gerais, o PDE decreta o fim dos condomínios isolados. Com o adensamento próximo das linhas de transporte de massa, o objetivo é desestimular o uso do carro no cotidiano, reduzindo a distância ou tempo de deslocamento entre trabalho e casa, acabando com o incentivo à construção de muitas garagens. Para integrar o público e o privado, há a previsão de prédios residenciais com áreas térreas destinadas a pequenos estabelecimentos.

O plano, que fornece as diretrizes de uso e ocupação do solo para os próximos 16 anos, tem como objetivo estratégico o acomodamento urbano nas áreas “subutilizadas dotadas de infraestrutura e no entorno da rede de transporte coletivo de alta e média capacidades”. Nesse contexto, urbanistas como Cândido Malta Campos Filho vêm demonstrando preocupação com a maneira como se dará esse adensamento. Quando foi secretário de Planejamento do município, na gestão Olavo Setubal (1976 a 1981), esse professor emérito da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) se especializou no cálculo do transporte associado ao uso do solo. De acordo com Malta, é possível – e fundamental – estudar os efeitos da ocupação demográfica nos sistemas de transportes para evitar a superlotação de linhas e perda da qualidade de vida. “O planejamento que nós temos é só para atender a uma demanda já existente. Temos que fazer com que o setor imobiliário construa ao longo das novas linhas”, explica.

Ele aponta que “é um absurdo” adensar ao longo das linhas que já estão superlotadas, como algumas de ônibus da região leste que, somadas, atendem atualmente mais de 80 mil passageiros por hora. “Adensar nesses pontos vai agravar muito o problema, as pessoas vão ficar revoltadas. Esse aspecto do plano precisa ser revisto”, completa. Em 2008, Malta fez esses cálculos para o PDE vigente, a pedido da Secretaria de Transportes Urbanos. Agora, ele avalia que é preciso refazê-los para saber, com segurança, onde é mais adequado erguer novas construções.

Para o urbanista, é possível fazer essa revisão, a partir de uma tecnologia que, embora seja novidade para os brasileiros, no meio técnico-científico é bastante conhecida. Trata-se do software Tranus, que existe há 30 anos e faz cálculos simulando mudanças. Utilizado por países como Inglaterra, Portugal, Japão e Estados Unidos, ele garante que é uma alternativa confiável e acessível.


Interesse social

Um dos pontos mais comemorados do novo PDE foi a ampliação (de 17 km2 para 35 km2) de áreas destinadas à construção de habitações populares, as chamadas Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), consolidando-as como instrumento de planejamento urbano e habitacional no município, reservando terrenos ou prédios vazios em locais onde já existe infraestrutura. “Tornar uma área Zeis não significa que será de fato destinada a tal. Também é importante que elas existam nas regiões centrais da cidade para evitar a segregação da população de baixa renda”, diz Josué Rocha, da coordenação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), cuja pressão foi fundamental para a aprovação do PDE. Com um barulho ensurdecedor, durante oito dias, centenas de sem-tetos se revezaram em um acampamento montado em frente à Câmara Municipal para exigir a votação do plano com as reivindicações do movimento. “Por envolver a construção civil, sofreu grande influência desse setor. Então, a pressão popular foi determinante”, lembra Rocha, que comemora a inclusão da ocupação Copa do Povo, na Zona Leste, como Zeis, que atenderá cerca de 2 mil famílias. Outra mudança comemorada pelo militante é a destinação de 60% das Zeis a famílias com renda até três salários mínimos.

Não obstante, ele critica a chamada Cota de Solidariedade, que inicialmente estipulava às construtoras que 10% de um empreendimento deveriam ser destinados à habitação popular. O lobby das empreiteiras reverteu o texto, criando um mecanismo que possibilitará que a cota seja paga em valores, convertidos em um fundo público municipal. A ausência de um instrumento que regule os preços cobrados no mercado imobiliário e da construção civil é outra queixa feita pelo movimento, que prejudica diretamente a população de baixa renda. Para conter a especulação, que dobrou o valor dos imóveis nos últimos cinco anos, Malta sugere incluir no Plano Diretor o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) Progressivo no Tempo sobre os vazios urbanos e áreas subutilizadas – previsto pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Cidade.


Ambiente

Algumas das Zeis estão definidas em Área de Proteção e Recuperação aos Mananciais (APRM) do Guarapiranga e Billings, do tipo 4. O PDE prevê “recuperação urbana e ambiental” para atender famílias residentes em áreas de risco e de proteção permanente, atendendo à legislação estadual, colocando em prática, por exemplo, o programa de recuperação e preservação de mananciais. Também fica estabelecida a revisão no Plano Municipal de Habitação vigente, com base em processos participativos, no prazo de até 12 meses, contados do início da vigência do PDE, com revisões a cada quatro anos.

Cyra Malta, do Fórum Suprapartidário por uma São Paulo Saudável e Sustentável, da Câmara Municipal, lembra que do ponto de vista socioambiental, o plano avançou por conta da participação nas audiências, como quanto à reconstituição da zona rural e à conservação das áreas de manancial, dando condição para que haja desenvolvimento com preservação: “É preciso acompanhar como o município vai reconstituir essas áreas em que, para a sociedade civil, deve haver atividade agroecológica e turismo ecológico, por exemplo.”

O urbanista Cândido Malta discorda. “Sabemos que a poluição difusa produzida pelo tráfego se acumula no fundo das represas e que, combinada com a erosão causada pelas construções, reduz a capacidade do suporte dos reservatórios, tanto da Billings quanto da Guarapiranga, o que afetará o abastecimento de água de 4 milhões de habitantes. É um absurdo o plano diretor não considerar todos esses fatores e querer adensar ainda mais”, critica Malta, que lamenta que o plano aprovado só contemple parte do uso do solo. “São quatro planos básicos que, conjugados e interrelacionados, compõem um plano diretor. Faltam planos de mobilidade, saneamento e habitação.”

Questionada, a Prefeitura justifica o aumento de 23% das Zeis em APRM para  acomodar as famílias de áreas de risco em mananciais.


O que é e para que serve o Plano Diretor Estratégico (PDE)?

É uma lei que organiza o crescimento e o funcionamento da cidade, orientando agentes públicos e privados. Define como o Estatuto da Cidade será aplicado em municípios com mais de 20 mil habitantes que fazem parte de regiões metropolitanas, sejam turísticos ou que possuam obras que coloquem o ambiente em risco ou interfiram na cidade, como aeroportos, rodovias ou hidrelétricas. O Plano Diretor deve ser revisto ou refeito a cada dez anos.

 

O que é o Estatuto da Cidade?

É uma lei federal (nº 10.257/2001) que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal e define como deve ser feita a política urbana em todo o País. Está garantida, por exemplo, a participação social a partir de audiências públicas e debates.

 

O que é Função Social?

É um dos princípios do Plano Diretor, exigido pelo Estatuto da Cidade, para atender as necessidades dos cidadãos quanto à “qualidade de vida, à justiça social, ao acesso universal aos direitos sociais e ao desenvolvimento socioeconômico e ambiental, incluindo o direito à terra urbana, à moradia digna, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte, aos serviços públicos, ao trabalho, ao sossego e ao lazer”.

 

O que são Zeis?

As Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) são áreas da cidade destinadas pelo Plano Diretor para abrigar moradia popular. A primeira experiência de Zeis surgiu no Recife (PE), na década de 1980, fruto da luta dos assentamentos irregulares para estabelecer o direito constitucional à moradia digna. No PDE de São Paulo, foram mais bem definidas, divididas em cinco categorias, e ampliadas. É importante que existam Zeis na região central, equipadas e providas de infraestrutura, para evitar a segregação social e ocupar a cidade de forma mais equilibrada.

Para saber mais, acesse
http://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/entenda-o-projeto-de-lei-68813/
Leia entrevista completa com Cândido Malta em http://zip.net/bnn8vL.



Por Deborah Moreira

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