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Fórum coloca em debate importância das ciências humanas à engenharia

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Jéssica Silva

 

Se para alguns as ciências humanas e exatas ainda são como água e óleo, que não se misturam, para uma vertente que ganha cada vez mais espaço na academia, é primordial quebrar o antagonismo e o distanciamento entre as áreas e aproximá-las cada vez mais, sobretudo, na engenharia. É o que se propõe a debater o fórum permanente “A necessária aproximação da engenharia com as ciências humanas”, que acontece online em 18 e 19 de agosto, com inscrições abertas até o primeiro dia do evento. A promoção é da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), juntamente com a Fundação Armando Alvares Penteado (Faap) e a Universidade de Brasília (UnB).

 

“As ciências humanas foram mantidas distantes da educação em engenharia resultando em engenheiros que se voltaram quase que exclusivamente para a aplicação de conceitos com pouco ou nenhum olhar para quem será beneficiado, como seus projetos chegariam às pessoas e com qual custo social e ambiental”, afirma na justificativa do fórum o organizador da atividade Gilmar Barreto, professor da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (Feec) da Unicamp.

 

Serão duas manhãs de debate com o total de quatro mesas temáticas abordando valores da engenharia, meio ambiente, desafios socioambientais, tecnologia, entre outras questões. Por meio do fórum, Barreto objetiva chamar atenção à importância da aproximação das áreas e os benefícios para toda a sociedade, sobretudo, aos engenheiros, com o desenvolvimento de “uma visão ampla e de longo prazo, entendendo a sua responsabilidade e os impactos e consequências, positivas e negativas, provocados por seus projetos”.

 

Confira a programação e inscreva-se clicando aqui

 

As ciências humanas trazem um olhar holístico e integrado ao profissional. “Se pensarmos que todo projeto de engenharia está voltado para pessoas, direta ou indiretamente, já temos um bom argumento para buscar essa aproximação”, defende o professor e coordenador dos cursos de Engenharia Civil e de Produção da Faap, Regis Pasini.

 

Ele reforça que é fundamental que o engenheiro esteja atento a todos que serão impactados pelos produtos ou serviços gerados. Revolução no mundo tecnológico, a Inteligência Artificial empregada de forma apenas técnica já teve suas experiências ruins. O docente cita o caso do chatbot da Microsoft, em 2014, que se tornou racista, xenófobo e misógino menos de um dia após ser colocado em uso, e o sistema “inteligente” – porém comprovadamente sexista – de recrutamento da Amazon, em 2018.

 

São exemplos, conforme pondera Pasini, de impactos provocados “que não foram devidamente considerados durante o desenvolvimento do sistema, talvez pelo distanciamento que as áreas técnicas e as engenharias têm em relação às ciências humanas”.

 

Gilmar Regis SouzaJrDa esquerda para a direita, Gilmar Barreto, Regis Pasini e José Carlos de Souza Junior. Fotos: Acervo pessoal / Divulgação IMTSegundo o professor, uma pesquisa acadêmica nos Estados Unidos em 2014 identificou uma maior queda no engajamento de estudantes de engenharia em causas que envolviam o bem-estar comum em instituições que tinham propostas de ensino mais convencionais. “Os currículos tradicionais são, de forma geral, densos, exigindo muito tempo de dedicação, seja de docentes, seja de estudantes para a assimilação de conteúdos, o que é obviamente necessário, mas parece que não sobra espaço para as ciências humanas”, observa.

 

No Brasil, com as novas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Engenharia, com foco em competências, como defende Pasini, foi dado um passo importante para a compreensão e o desenvolvimento da visão social do profissional, possibilitando ao futuro engenheiro estar ciente de "sua responsabilidade e importância para o bem-estar comum”.

 

Mudanças no ensino

Para José Carlos de Souza Junior, reitor do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT), a sociedade demanda hoje soluções para problemas complexos, o que abrange diversas áreas. Ele ilustra: “Uma coisa é um engenheiro resolver um problema complicado de um sistema veicular. Outra coisa é atuar com mobilidade, que envolve urbanismo, aspectos sociais de uma região, demográficos, políticos.”

 

Para problemas complexos existe mais de uma solução, segundo o coordenador, “que geralmente nunca é ótima, mas de equilíbrio entre várias áreas de conhecimento. E vai no contrassenso da engenharia convencional, que procura sempre otimizar e procurar o melhor de um determinado ponto, considerando poucas variáveis”.

 

Lab IMTLaboratório multidisciplinar do Instituto Mauá de Tecnologia, reflexo da aproximação com as ciências humanas. Crédito: Divulgação IMTAssim, além do fórum, as instituições de ensino apontam mudanças em suas grades curriculares. No IMT, Souza Junior conta que são oferecidas aos alunos diversas disciplinas ligadas às ciências humanas para que cada um, de acordo com seu perfil, “escolha sua jornada de desenvolvimento”. Dessa forma, são propostas as habilidades técnicas, obrigatórias dos cursos, tidas como hard skills, mas também as de comportamento e de visão e papel social – soft e essential skills.

 

Um ensino personalizado, o reitor expõe, dá mais trabalho às escolas. “É como antigamente, as pessoas iam a alfaiates, e era uma combinação infinita de possibilidades, medidas, tamanhos, modelos. Com a indústria, temos os padrões, mas que nem sempre suprem as necessidades dos consumidores. A tecnologia avançou a tal ponto que voltamos ao tempo do alfaiate, com infinitas possibilidades. A educação em engenharia era rígida, em caixas, porque é mais simples de fazer. Mas hoje eu tenho tecnologia para colocar um aluno daqui trabalhando com alunos do outro lado do mundo, e tenho tecnologia para fazer a gestão disso tudo”, declara.

 

Na Unicamp, Barreto revela que será realizada uma pós-graduação com foco no desenvolvimento humano, tecnologia e negócios na construção de líderes com visão e propósito. “Quando entendemos e unimos o que é importante para nós com o que precisamos fazer e podemos construir, em um ambiente de muita colaboração e mentoria, tomamos o controle de nossas ações e nos tornamos pessoas mais resilientes diante dos grandes obstáculos que a vida proporciona”, contextualiza ele.

 

Nova postura

Para o professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e coordenador do Conselho Tecnológico do SEESP, José Roberto Cardoso, a sociedade atual exige essa nova postura dos profissionais. “Imagine um descontrole do desmatamento em larga escala que, como fruto dessa ação, nos levará à desertificação, à falta de água e de alimentos. As comunidades vulneráveis serão simplesmente extintas, com tragédias humanitárias sem precedentes. Nós, como engenheiros, precisamos ter consciência ambiental e social diferente dos profissionais do passado, e isso só se aprende na escola”, atesta.

 

Cardoso falará no fórum permanente da Unicamp na mesa que tem como tema “Transição na cadeia de valores da engenharia: estamos preparados?”. O engenheiro conta que fará a seguinte provocação aos participantes: “Nós, engenheiros, somos agentes da felicidade ou instrumentos da escravidão?”

 

Cardoso SôniaO coordenador do Conselho Tecnológico do SEESP, José Roberto Cardoso, e a socióloga Sonia Carvalho, professora da UnB. Fotos: Beatriz Arruda / Acervo pessoalEle justifica: “A engenharia produz dispositivos e instrumentos que nos trazem felicidade e bem-estar. Quem não fica feliz em ter um smartphone de última geração em suas mãos? No entanto, isso tem um custo, pois tudo o que foi utilizado para construí-lo ou veio de uma mina ou de um poço de petróleo, de uma floresta, e muitos materiais ainda são extraídos por trabalhadores em situações análogas à escravidão.”

 

Na análise de Sonia Marise Salles Carvalho, professora do Centro de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da UnB, o maior impacto de um olhar limitado do engenheiro “é trazer soluções incompletas e com consequências negativas ao meio ambiente, desordenando as relações homem-natureza”.

 

Ela, que é socióloga, frisa: “É necessário mudar a forma de observar o mundo, que antes estava determinada pelo modo positivista e fragmentado, para o olhar da totalidade e da indivisibilidade das coisas em constante conexão e movimento [...]. A ação sobre o mundo requer a compreensão dos fenômenos sociais amparados pelas ciências sociais aplicadas e humanas.”

 

Mercado de trabalho

Consciência socioambiental e resiliência são demandas do mercado de trabalho, de acordo com os acadêmicos. “O profissional que possui, além das hard skills, competências de trabalho em grupo, de saber liderar, escutar, negociar, conseguir apresentar uma posição, argumentar, é diferenciado”, pontua Souza Junior.

 

Já Pasini observa que é muito comum que, após alguns anos de profissão, o engenheiro ocupe cargos de gestão, “e isso significa lidar diretamente com pessoas, com perfis distintos, formações variadas”, o que torna tais habilidades fundamentais “para entender e respeitar as diferenças e promover um ambiente saudável entre grupos diversos”.

 

Leia também “Mercado está de olho no profissional que sabe se comunicar e tem um olhar de inclusão

 

 

Serviço

Fórum permanente “A necessária aproximação da engenharia com as ciências humanas”

Datas: 18 e 19 de agosto de 2022

Horário: das 9h às 12h

Atividade online e gratuita

Mais informações e inscrições clique aqui

 

 

 

Foto no destaque: Freepik

 

   

 

 

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