logo seesp ap 22

 

BannerAssocie se

×

Atenção

JUser: :_load: Não foi possível carregar usuário com ID: 69

17/04/2015

Incêndio na Ultracargo: uma tragédia anunciada

Atienza2 editadoO engenheiro de segurança e ex-presidente da Apaest, professor da área em várias universidades brasileiras, Celso Atienza, nesta entrevista, fala sobre o incêndio que atingiu seis tanques de álcool anidro e gasolina no terminal de combustível da empresa Ultracargo – do Grupo Ipiranga. O sinistro começou no dia 2 de abril último, na área do Porto de Santos, no litoral sul paulista, e só foi totalmente debelado no dia 10. Foram nove dias intensos de combate às chamas.

Leia também
Desastre tecnológico no Porto de Santos

Atienza mostra as debilidades em engenharia de segurança que levaram ao desastre que causou temor à população das cidades da Baixada Santista e interrompeu o acesso ao complexo portuário por mais de quatro dias.

Como um incêndio dessa proporção pode começar?
Celso Atienza – O grande erro num acidente ou num desastre, e esse foi o caso desse incêndio, é que vários fatores não foram levados em consideração antes. Não se tem um desastre por um único erro, ele é a sucessão de vários erros. A isso chamamos, tecnicamente, de “vários fatores”. No caso de Santos, o armazenamento estava muito próximo, não foi obedecida a distância necessária entre os reservatórios para que o fogo não se propagasse tão rápido como ocorreu. Outro problema é com relação ao tanque de decantação, porque quando há um vazamento, que também é uma das possibilidades de se iniciar um incêndio, ele deveria ser escoado para um tanque de decantação, os projetos não têm essa previsão. Isso é uma situação básica de projeto de engenharia de segurança.

Qual a falha maior nesses acidentes que tanto ocorrem no País?
Celso Atienza – É que a engenharia de segurança não é chamada para fazer a análise dos projetos. Uma coisa é fazer o projeto do ponto de vista da engenharia civil ou construtiva ou de sistema de processo, onde não se analisam os elementos tóxicos envolvidos, e muito menos se imagina a reação que essas substâncias podem provocar com outros materiais presentes no local.
 

Foto: Sérgio Furtado/Estúdio 54

Outras falhas?
Celso Atienza – Como se inicia o combate ao fogo com água numa temperatura superior a 800 graus centígrados? Isso mostra um despreparo de estrutura de emergência. Os bombeiros só tinham à disposição esses recursos. Eles sabiam que isso não surtiria o efeito desejado, mas eles tinham de fazer alguma coisa até chegar outro tipo de material, como o pó químico. Esse material e outros esquemas de segurança já deveriam estar no local desde sempre. O Plano de Auxílio Mútuo (PAM) já deveria prever esse tipo de risco e, portanto, ter toda a infraestrutura necessária disponível. O bombeiro não teve recurso para combater o fogo, eles foram apenas com a coragem e idealismo. Alguns podem até pensar que o bombeiro “apanhou” da situação e que não sabia combater, ele não tinha recurso. O Brasil não previne e depois quer criar heróis. E aí o profissional vai para o sacrifício sem condições técnicas adequadas. Faltou, ainda, um sistema de espuma interno dentro dos tanques.

Foi uma fatalidade?
Celso Atienza – Não, de jeito nenhum. Foi uma tragédia anunciada. Fatalidade é um termo que não se usa em engenharia de segurança. Existe irresponsabilidade.

Como assim?
Celso Atienza – Faz-se uma instalação onde as preocupações são com a produção e conta-se com a sorte de que nunca vai acontecer nada. Existe uma técnica na engenharia de segurança que se chama “análise de risco e árvore de falhas”. Um complexo petroquímico, como é o caso da Ultracargo, está classificado na área de alto risco. Deve-se pensar e planejar a partir do que pode acontecer nesses acidentes. Se não se fez isso se subestimou a ação. No Brasil, a discussão acontece sempre pós-tragédias, nunca antes.

O projeto de engenharia de segurança é feito para prever as tragédias. Essa técnica nasceu nos Estados Unidos na época do presidente John Kennedy, quando se pensou em lançar o homem à lua. A missão deveria ser sem falhas, então se fez toda uma análise não só para lançar o homem no espaço, mas como trazê-lo vivo. A técnica consiste em indagar se um elemento pode falhar quais serão as consequências. É uma técnica que se busca a tragédia para que ela não ocorra. Sun Tzu [estrategista militar chinês, 544 a.C. - 496 a.C.] disse: “Se você quer a paz se prepare para a guerra.” Se você não quer que aconteça um desastre se prepare para ele.

Foi o que não se fez no caso da Ultracargo.
Celso Atienza – O que vimos foi o desastre acontecer e não havia qualquer preparo ou plano de emergência. E aí se saiu correndo atrás de uma indústria americana, de um pó que foi importado na hora [cold fire]. A Petrobras também foi acionada de forma emergencial. E se fala que houve uma ação integrada de um PAM que não fez nada, que não teve nenhuma ação, porque o papel desse plano é, inclusive, fazer fiscalização permanente e monitoração durante o processo de produção.

O que é potencializar o risco?
Celso Atienza – Aumento a dimensão da ocorrência para que eu tenha a noção do que pode ocorrer no futuro. É uma análise que tem de ser feita no projeto, na instalação. E aí pode ter um problema de custo, mas todo esse plano precisa ser encarado como investimento.

Quais as responsabilidades?
Celso Atienza – É geral. E muito grande da empresa, ela não foi diligente. Agora, fala-se em fazer leis ou normas de segurança, primeiro de tudo se deve cumprir as que já existem. Como é que vamos fazer outra lei se não cumprimos as atuais?

Qual a saída?
Celso Atienza – Tudo começa em melhorar a área de engenharia de segurança nas empresas, na linha do processo e do projeto. Uma vez um diretor de uma empresa disse para mim se eu sabia quanto custava as medidas de proteção que eu estava indicando. E eu respondi com outra pergunta: você sabe quanto custa não fazer?

A medida de segurança precisa ser encarada como investimento, e não custo. Quando a empresa Toyota construiu a sua fábrica em Sorocaba, não se falou em nenhum momento que a montadora “gastou” um bilhão de dólares, falou-se apenas em investimento. O gasto deve-se falar agora, porque ele aparece depois do acidente.

Esse incêndio aconteceu não por falta de legislação e normas de segurança.
Celso Atienza – Não. Aconteceu pelo não cumprimento delas. O que precisamos ver é que se precisa fazer mais engenharia, porque quem resolve isso é o profissional capacitado e qualificado – uma equipe multidisciplinar deve estar envolvida num projeto. Se faltar uma perna dessa equipe, vai faltar alguma coisa no projeto.

Lições?
Celso Atienza – Entre tantas, destaco que a empresa deve rever totalmente os seus procedimentos, mudando a sua cultura. O problema é esse. A cultura de segurança no porto é zero.

 

 

Rosângela Ribeiro Gil
Imprensa SEESP
Entrevista divulgada, originalmente, no site da Associação Paulista de Engenheiros de Segurança no Trabalho - Apaest

 

 

 

 

 

 

 

Lido 7498 vezes
Gostou deste conteúdo? Compartilhe e comente:
Comentários  
# Engº de SegurançaRoberval 23-04-2015 09:41
Para conhecimento
Responder
Adicionar comentário

Receba o SEESP Notícias *

agenda