Opinião

A alma do artista e o verbo “mandelar”

Allen Habert*  

Achei interessante a polêmica que surgiu a partir da tira sobre os “Planos do Sharon” do Maringoni, no Jornal do Engenheiro, edição 230. Após ela, li três cartas críticas dos colegas Sidney, Gilberto e Marcelo (JE 231 e 232).

Quando saí da Poli, o Maringoni entrou na FAU, ainda no final da década de 70. Encantou-se pela caricatura, pela história, pelo Brasil, pelo mundo. A parte do JE que primeiro leio, depois da capa, é a charge do Maringoni. Algumas vezes ácidas, outras reflexivas, mas sempre com cunho incrível de síntese de algo profundo que esteja acontecendo. Isso ele tem feito há mais de dez anos em nosso jornal. É a alma do artista que tem um retângulo pequeno para dizer muito e rapidamente.

Mas, referia-me à polêmica que surgiu a partir da compreensão da tira. Tenho uma posição antiga sobre o Oriente Médio, o conflito e seus desafios. Sou de uma geração que discutiu muito o assunto. Na área, são vendidos pelas principais potências anualmente US$ 3,2 bilhões em armamentos (dado do ex-prefeito de Jerusalém).  A tensão permanente interessa aos fabricantes de guerras e seus representantes. A região tornou-se um laboratório do inferno, do terror oficial e não-oficial, da geração do ódio e da morte. Banalizou-se a vida.  Falta um Nelson Mandela. O apartheid na África do Sul parecia insolúvel. A situação era tal que a maioria das famílias de negros contabilizava a perda de um ou mais parentes. Mandela, após 28 anos de cárcere, dos quais 16 em uma solitária (de 1m x 1m), reinventou o País e com isso deu ao planeta uma lição de civilização. Renovou-se o homem no mundo.

Em síntese, há uma saída para o conflito instaurado, que divide irmãos e povos semitas: desenvolver a cultura da tolerância, a educação na diversidade, o desenvolvimento econômico, científico e tecnológico e a implantação de uma democracia plural na região. Isso não é um sonho impossível. O mundo já superou atrocidades iguais ou piores, a um custo alto. Mas superou.

Já se propôs em Porto Alegre em 2003, no Fórum Social Mundial, a realização de um Fórum Social no Oriente Médio. Não houve ainda condições políticas de realizá-lo, mas haverá. Poderíamos ter algumas iniciativas emanadas pelo SEESP e pela FNE em direção a isso. Um seminário sobre o assunto, em nosso auditório, seria, por exemplo, positivo.

Nossos colegas missivistas acharam parcial e disfuncional a visão do Maringoni. Quem lê nosso jornal é antes de qualquer coisa um engenheiro crítico, curioso, insatisfeito com o que está por aí. Há pontos de vista diferentes. É um bom começo. Nada que resista a uma boa discussão, na qual vamos esgrimir nossas opiniões. Não devemos contaminar nosso ambiente com acusações fáceis e desnecessárias.

Completo 50 anos neste 2004. É para mim um marco pessoal, simbólico para refletir sobre o futuro. De uma coisa tenho certeza: nossa geração verá um Brasil mais justo e um mundo com mais conflitos. A paz no globo passará necessariamente pelo fim da violência e pelo desenvolvimento no Oriente Médio. Para tanto, recomendo sempre conjugar o verbo “mandelar”: eu mandelo, tu mandelas, ele mandela, nós mandelamos, vós mandelais, eles mandelam. Lembro que não faltarão estímulos para continuarmos a curtir e discutir as boas provocações do Maringoni.

 

* Consultor em Desenvolvimento da Engenharia e Tecnologia, diretor do SEESP e seu presidente na gestão 1986-1989.

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JE 233