Inflação desacelera, mas castiga engenheiro

O ICV (Índice do Custo de Vida) do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) divulgado em março trouxe perspectivas otimistas. Em fevereiro, a alta de preços ficou em 1,35%, contra os 2,92% apurados em janeiro.  Apesar das boas projeções, os trabalhadores, em especial os da classe média, na qual se inserem os engenheiros, ainda penam com a carestia. Essa faixa, correspondente ao  estrato três medido pelo Dieese (renda média de R$ 2.792,90), já acumulou o maior índice do ano em comparação aos demais grupos, ficando com 4,38% nos dois primeiros meses de 2003. A disparada deu-se em janeiro, quando o ICV para essa parcela da população ficou em 3,03%. “Os grandes responsáveis foram as mensalidades escolares, que entram na categoria educação e leitura, e os combustíveis”, explica a economista Cornélia Nogueira Porto, encarregada da pesquisa.

Recuperar o prejuízo
Acrescente-se à conta a inflação de 2002, calculada também pelo Dieese em 12,95%, e têm-se perdas salariais significativas. Os engenheiros, em sua grande maioria, têm data-base em maio e junho e iniciam a partir deste mês as negociações coletivas visando recuperar o prejuízo. “Temos esperança de conseguir o que se perdeu no último ano e também tentaremos conquistar ganhos reais”, aposta o presidente do SEESP, Murilo Celso de Campos Pinheiro. Na sua avaliação, apesar do momento de crise mundial, é bastante positivo o fato de a moeda brasileira estar se sustentando em plena turbulência de guerra, o que pode apontar para bons resultados nas campanhas salariais deste ano (
leia sobre seminário de abertura do processo). Ainda segundo ele, é importante lembrar que a recuperação do poder de compra dos trabalhadores beneficia não só a eles, mas ao País. A tese é corroborada por Cornélia. “Precisamos crescer para acabar com o desemprego, que é muito ruim para a economia como um todo. É necessário aumentar a produção interna e, com isso, a renda.”

A nova pobreza
A piora das condições de vida da classe média é um processo que já se verifica há alguns anos. O fenômeno é captado por estudo da Secretaria do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade do Município de São Paulo. “O que nós estamos interpretando como a nova pobreza é uma situação que atinge pessoas muito distintas daquelas tradicionalmente identificadas como pobres. São nascidas em São Paulo, brancas, com número pequeno de filhos, com maior escolaridade e, portanto, originárias de famílias de classe média. Muitas estudaram, mas não encontram oportunidade de trabalho. É um caso de imobilidade social, os filhos não conseguem reproduzir as mesmas condições de vida e trabalho que seus pais anteriormente tinham”, explana o secretário Márcio Pochmann.

Os sintomas dessas dificuldades, conforme ele, revertem-se, claro, no padrão de consumo. “Há transferência de pessoas do serviço privado de saúde para o SUS, assim como para a  educação  pública e indicadores de redução no consumo de produtos de alto valor unitário.”

A teoria é sentida na pele pelo engenheiro civil Vicente de Paulo Camargo Queiroz, que atua na Gerência de Planejamento do Metrô. No segundo casamento, com um filho no primeiro e uma filha e uma enteada no atual, manter o padrão de vida nos últimos anos, afirma ele, tem sido uma missão impossível. “A primeira coisa foi deixar de viajar e fazer vários programas de lazer. Só preservamos o clube para ter uma distração no final de semana”, conta. Outra vítima do corte no orçamento foram as assinaturas do  jornal e da revista semanal. A manutenção preventiva de automóveis também é coisa do passado. “Agora, só quando acontece algum problema”, confessa. Com a escalada do preço do petróleo, a compra de combustível passou a merecer atenção especial. “Antigamente, quando precisava, parava num posto e mandava encher. Agora, rodamos pelo bairro fazendo pesquisa.”

Malabarismo
Além da economia nos centavos da gasolina, outros hábitos incorporados são pechinchar sempre que possível e lançar mão do cartão de crédito mais freqüentemente. Fazendo jus à sua formação, Queiroz planeja o problema com antecedência para evitar prejuízos maiores. “Eu faço uma planilha do Excel prevendo em quanto vou entrar no vermelho. Então, para evitar os juros do cheque especial, tomo um empréstimo no Metrus (fundo dos metroviários), cujas taxas são bem menores. Quando tiro férias, reequilibro as contas e então começa tudo de novo.” Apesar da acrobacia financeira, o engenheiro considera-se afortunado por ter casa própria. “Se tivesse que pagar aluguel, aí sim a coisa seria muito pior”, reflete.

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