O caso da WorldCom – além da fraude

Mais do que uma fraude, a ser severamente punida, especialmente em um país como os Estados Unidos que cultiva os pequenos poupadores, a manipulação contábil de US$ 3,9 bilhões da WorldCom explodiu como uma bomba. Seus estilhaços atingiram gravemente alguns pilares econômicos e regulatórios.

Uma das perguntas a ser respondida por todos aqueles que se preocupam com a análise econômica e política das grandes empresas, especialmente as de telecomunicações, é a seguinte: como uma pequena empresa situada no Mississipi americano, fundada em 1983, revendedora de serviços de telecomunicações conseguiu crescer de forma vertiginosa e em tão pouco tempo para, em seguida, praticamente derreter? Evidentemente essa questão é muito ampla e complexa e não há espaço neste texto para uma resposta completa, mas procura-se apontar para algumas reflexões e sugestões de pistas e linhas de pensamento.

O fato básico a ser ressaltado refere-se primordialmente à aposta do capital financeiro no setor de telecomunicações. Como se sabe, a WorldCom foi uma das grandes beneficiadas desse processo. A partir da abertura à concorrência e, em especial com o avanço da Internet e o advento da propalada “nova economia”, no decorrer da década de 1990 as empresas de alta tecnologia foram alvo de aplicações financeiras com expectativa de alto e rápido retorno. Nos Estados Unidos, desde a década de 1980, o capital financeiro vem incentivando a entrada e o crescimento inicial dos entrantes em telecomunicações, aportando vultosos recursos em títulos e ações dessas novas operadoras. No entanto, havia um grande problema a ser resolvido: como avaliar o preço das ações de uma empresa nova, em um setor recém aberto à concorrência, onde inexistiam dados históricos para sustentar as projeções futuras? Ou seja, como fazer projeções futuras ter um passado como base? Essa é uma situação que a teoria econômica caracteriza como caso típico da presença de informação incompleta e de ambigüidade interpretativa. Diante dessas severas restrições, o componente especulativo prevaleceu. Os analistas financeiros fabricaram uma visão do cenário futuro das telecomunicações, bem como da fatia de mercado de cada uma dessas empresas no bolo total. Para avaliar as ações dos entrantes no setor de telecomunicações,  “inventaram” as projeções do fluxo de caixa e do rendimentos das operadoras. Uma vez valoradas as ações, em grande medida, essas mesmas ações tornaram-se a própria moeda que financiou muitas operações de fusões e aquisições. Esse foi o caso da compra da MCI (segunda operadora de longa distância americana) pela WorldCom (na época em quarto lugar no segmento), da aquisição da US West pela Qwest, da Frontier pela Global Crossing e assim por diante. O próprio crescimento da WorldCom resultou da compra de cerca de 70 empresas.

No entanto, a partir do inicio do ano 2000 começou a ficar claro que os lucros efetivamente realizados não correspondiam às expectativas e, portanto, estava-se diante de um castelo de cartas que a qualquer momento poderia desabar. Como se sabe, esse castelo começou a desabar a partir de março de 2000, com o conhecido “furo” da bolha especulativa. Deve-se ressaltar, entretanto, que, de fato, as tecnologias de informação e comunicação, em maior ou menor grau, tornaram-se o grande vetor impulsionador da produtividade do mundo contemporâneo, mas não nas proporções imaginadas pelo capital financeiro. Nesse sentido, verifica-se que as atuais projeções de retomada do crescimento são feitas de maneira mais cautelosa, reduzindo-se mas não eliminando-se o componente especulativo.

Por fim, é importante observar que a crise da WorldCom também chama a atenção para os limites do modelo regulatório baseado na competição plena, especialmente no segmento de longa distância. Essa questão é particularmente decisiva para o caso brasileiro, pois aqui atua a Embratel (filial da WorldCom), que passa por uma situação muito difícil. Uma primeira lição é que os mecanismos de mercado, especialmente quando centrados no capital financeiro, não garantem a sustentabilidade do modelo competitivo. É necessário que o agente regulador (Anatel) e o governo exerçam uma efetiva tarefa de coordenação entre o interesse público o privado, não deixando de ouvir a sociedade civil e as associações de defesa do consumidor.  

Márcio Wohlers de Almeida
Professor de Economia 
das Telecomunicações da Unicamp

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