Ação sindical

Reagir à precarização do trabalho

Soraya Misleh

 

Para manter seu veto à emenda 3, o Presidente da República afirmou à imprensa, no início de maio, que poderá até mesmo recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal). Parlamentares ameaçaram derrubá-lo no Congresso Nacional, o que, na opinião de Rosa Maria Campos Jorge, presidente do Sinait (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho), seria “uma catástrofe para a classe trabalhadora”.

Incluída no projeto de lei que criou a Super-Receita, a emenda 3 retira da fiscalização do trabalho a atribuição de desconstituir pessoa jurídica individual – chamada PJ –, caso se comprove que se formou para burla à legislação e se reconheça vínculo empregatício. A incumbência passaria a ser da Justiça do Trabalho. Para que se mantenha seu veto, conforme relata o analista político e diretor de Documentação do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), Antônio Augusto de Queiroz, o Toninho, o Governo firmou acordo com líderes partidários que inclui a apresentação de proposta alternativa. Essa teria por objetivo “estabelecer carreiras que poderiam ser tratadas como PJ, identificar quais seriam as atividades e aí definir tributação diferenciada”. Ele continua: “Sua idéia é limitar a artistas e a tendência é que saia projeto de lei sobre isso.” Tanto Toninho quanto Campos vêem com preocupação essa possibilidade. “Para apaziguar os ânimos, pode-se criar trabalhadores de segunda categoria ao se abrir precedente que os deixaria de fora da proteção legal”, diz a presidente do Sinait. O diretor do Diap complementa: “O risco é que se inclua até professor e seria o pior dos mundos. No meu entendimento, qualquer profissional pode criar empresa, mas não, a partir daí, dar expediente, ter que cumprir horário.”

Hoje, aponta Campos, ao reconhecer os pressupostos que caracterizam relação de emprego – habitualidade, onerosidade, subordinação e pessoalidade –, o auditor exige o imediato registro em carteira, “sob pena de lavratura de auto de infração e imposição de multa”. Embora os fiscais do trabalho sejam em pequeno número para cobrir todo o território nacional – cerca de 3 mil, como revela –, ela afirma que, na atuação direta, entre 1996 e 2005, garantiram a mais de 5 milhões de trabalhadores a regularização de sua situação. Entre os principais problemas identificados por esses agentes do Estado, o dos empregados atuando como PJs, cujo número aumentou mais de 174 vezes nos últimos 20 anos. É o que indica o estudo “A superterceirização dos contratos de trabalho”, elaborado pelo economista Marcio Pochmann para o Sindicato dos Empregados em Empresas de Prestação de Serviços a Terceiros do Estado de São Paulo, em cujo site a análise encontra-se disponível na íntegra (www.sindeepres.org.br). Para a presidente do Sinait, caso a emenda 3 não seja enterrada, o cenário se agravará.

 

Reforçando a retórica
De acordo com o juiz do Trabalho da 3ª Vara de Jundiaí e professor de Direito do Trabalho da USP (Universidade de São Paulo), Jorge Luiz Souto Maior, como conseqüência, haveria “um reforço dessa retórica atual de que Direito do Trabalho atrapalha e precisa deixar de existir”. Ele vai mais longe: “Se isso prevalecer e as pessoas acharem natural contratar alguém como autêntico empregado, mas fazer um trato individual em que esse se considere pessoa jurídica e se pague a ele apenas o salário, não tendo repercussões de Previdência Social e de Imposto de Renda, quebrar-se-á aquele vínculo de solidariedade importantíssimo e o perigo é de desmantelamento da sociedade. As liberdades individuais sozinhas não substituem de forma alguma o Estado. Eliminar o custeio social é um risco gravíssimo para todos nós.” Para elucidar o absurdo da proposta, Souto Maior faz analogia: “É como se eu começasse a achar que atos ilegais são uma situação normal e que sua reversão dependesse de uma declaração judicial. Como se eu andasse na contramão e o policial não pudesse me multar ou alguém invadisse a minha casa para me assaltar e só pudesse ser preso se eu entrasse na justiça provando que essa pessoa estava me furtando. É inimaginável. Retirar o poder de polícia do Estado para falar que a ilegalidade é intocável é um problema muito sério.”

Para Toninho, o terreno fértil à flexibilização das relações do trabalho escancarado com a aprovação da emenda 3 no Parlamento deve motivar novas investidas contra direitos históricos. “Reforma trabalhista por parte do Governo, com esse intuito, está descartada. O que deve haver é a desoneração da folha no bojo da reforma tributária. Mas sentiu-se receptividade no Congresso e as ofensivas tendem a persistir.” Prova disso foi a idéia apresentada ao Governo – e refutada de pronto pelo ministro do Trabalho, Carlos Lupi – pelo deputado federal Nelson Marquezelli (PTB-SP), presidente da Comissão de Trabalho na Câmara. “Sob o pretexto de modernização das relações, propõe que trabalhadores e patrões – sem proteção do Estado nem mediação sindical – negociem diretamente jornada, salário e condições de trabalho: um verdadeiro atentado aos direitos humanos e trabalhistas”, enfatiza o diretor do Diap em texto de sua autoria publicado no site do órgão. Nesse ambiente, ele alerta: “Ou o movimento sindical reage com o mesmo vigor do Ministro do Trabalho e com o mesmo empenho que tem defendido a manutenção do veto à emenda 3, ou esse movimento conservador de precarização tende a ganhar força.” Novas manifestações em todo o Brasil estão previstas para 23 de maio.

 

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