Editorial

Uma herança vergonhosa

 

Adotado desde 1978 pelo Movimento Negro como o Dia Nacional da Consciência Negra, o 20 de novembro, data em que se comemora a morte de Zumbi dos Palmares, ganhou maior repercussão em 2006. Consagrado feriado em mais de 200 municípios, inclusive na Capital paulista, o dia propiciou o debate e a reflexão sobre a questão racial no Brasil.

Abolida oficialmente em 1888, a escravidão deixou ao País uma vergonhosa herança de desigualdade, que impõe até hoje um enorme abismo social entre negros e não-negros – já que são poucos os propriamente brancos nesta nação construída pela miscigenação. Deixados à própria sorte, sem terra, educação ou trabalho e sem direito de votar, os negros começaram sua história de homens e mulheres livres em condições incrivelmente desvantajosas, numa sociedade preconceituosa.

O resultado atual dessa cruel tradição escravocrata pôde ser medido pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em estudo baseado na PME (Pesquisa Mensal de Emprego). Em setembro último, os negros e pardos recebiam remuneração média de R$ 660,45 ou apenas 51,1% dos R$ 1.292,19 da população que se declara branca. Também é pior a situação dos negros no que diz respeito ao desemprego, que atinge 11,8% desses trabalhadores, contra 8,6% dos brancos. Ainda segundo o IBGE, embora negros e pardos representem 42,8% da população em idade ativa, eles são 50,8% da população desocupada. No que diz respeito à educação, mantém-se o quadro desfavorável, com um ano e meio a menos de estudo que a população branca. Em setembro, 6,7% dos jovens negros ou pardos com dez a 17 anos não freqüentavam a escola, contra 4,7% dos brancos. Enquanto 25,5% dos brancos com mais de 18 anos freqüentavam ou já haviam passado por curso superior, o percentual era de apenas 8,2% entre os negros e pardos.

Os números indicam que há muito a avançar para que o País supere definitivamente os nefastos efeitos da escravidão. Um passo importante nessa direção é que a sociedade como um todo deixe de considerar com naturalidade tamanha desigualdade e reflita seriamente sobre o papel da discriminação racial na manutenção dessa situação quase 200 anos depois da abolição. Formado a partir da diversidade de sua gente, o Brasil precisa parar de tolerar a intolerância racial que condena, geração após geração, metade de sua população à falta de oportunidades.

Atingir essa meta interessa não só às vítimas diretas do atual status quo, mas a todos os brasileiros. A emancipação plena da população negra será também a emancipação do País. Sem isso, é inútil sonhar com a construção de uma nação de verdade, justa e soberana.

 

Eng. Murilo Celso de Campos Pinheiro
Presidente

 

 

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