Polêmica

Viagem ao espaço: desperdício ou popularização da ciência?

Soraya Misleh

 

“O homem há de voar”, teria dito o brasileiro Alberto Santos-Dumont, inventor do 14-Bis, que em 1906 concretizou o seu sonho e realizou o primeiro vôo público registrado, a bordo de seu avião, sobre o céu de Paris. No ano em que se comemora o centenário desse feito, a novidade é o astronauta brasileiro Marcos Pontes ter ido ao espaço em nave russa.

A carona, que levou o nome de “Missão Centenário”, custou ao governo federal US$ 10 milhões. As críticas não são poucas. Para o professor-doutor do Departamento de Física da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), Adilson Jesus Aparecido de Oliveira, o montante gasto o foi em empreendimentos com baixíssimo retorno científico. A referência é aos experimentos enviados juntamente com Pontes a ser testados em ambiente de microgravidade – oito no total, provenientes de instituições de ensino e pesquisa brasileiras e da Secretaria Municipal de Educação de São José dos Campos. Isso porque, para ele, não há programação de outros vôos e não se obtêm resultados científicos em uma única empreitada. Na sua ótica, portanto, o envio do astronauta brasileiro ao espaço foi um luxo, haja vista os parcos recursos destinados ao programa espacial brasileiro. Conforme o presidente da AEB (Agência Espacial Brasileira), Sérgio Gaudenzi, o orçamento a esse, no ano passado, foi de cerca de R$ 220 milhões. “Nosso objetivo é chegar a US$ 200 milhões. Esse valor foi definido como o necessário para que o programa espacial se desenvolva com mais robustez.”

Além disso, na concepção do presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), Ennio Candotti, seria mais importante investir no desenvolvimento de satélites e seus lançadores ao sensoriamento remoto e, para tanto, na formação de especialistas. Isso seria crucial, na opinião do acadêmico Fernando Reinach, expressa em artigo de sua autoria intitulado “150 doutores foram para o espaço”, publicado no jornal O Estado de S. Paulo, de 5 de abril. No texto, ele é categórico: “O desenvolvimento de setores de alta tecnologia depende primordialmente da existência de pessoas qualificadas e de um programa de financiamento consistente... Será que o Brasil possui número suficiente de doutores em engenharia aeroespacial? O CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) tem um banco de dados com os currículos dos cientistas que atuam no Brasil. Uma lista de todos com esse título produziu 124 nomes... É fácil concluir que são poucos – só de zoólogos, a mesma base de dados lista quase 700.” Reinach aponta que, com os US$ 10 milhões gastos com a viagem à Estação Espacial Internacional, daria para formar 290 novos doutores no País e 150 no exterior.

 

Marketing e crianças
Gaudenzi garante que o desenvolvimento e construção de satélites, lançadores e foguetes estão em execução e são prioritários, assim como o é a formação de recursos humanos. Independentemente disso, acredita que “em vista dos benefícios do vôo do astronauta, o investimento foi até pequeno”. Entre os pontos que ressaltou como positivos está a visibilidade do programa espacial brasileiro. Com isso concorda o especialista em política científica e tecnológica da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Edmilson de Jesus Costa, para quem um dos fatores mais importantes da missão é a popularização da ciência. “A ida de Marcos Pontes ao espaço, do ponto de vista do marketing, foi satisfatória.” Quanto aos aspectos científico e de contribuição aos objetivos do programa espacial brasileiro, ele acredita que a viagem traz diferencial pequeno e, assim, não compensa o alto custo.

Para o coordenador técnico-científico dos experimentos da Missão Centenário pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), Irajá Bandeira, a missão agregou valor. “Tivemos quatro meses para preparar e adequar experimentos a ser colocados numa nave tripulada e nunca ninguém tinha feito isso nesse tempo. Geralmente, demanda-se de três a quatro anos.” Conseqüentemente, houve capacitação de pessoal nesse processo. Bandeira continua: “Foram os experimentos mais fantásticos? Provavelmente não, não houve tempo. Não vai se revolucionar nada. Mas a ida do brasileiro ao espaço foi uma oportunidade para a ciência e extremamente positiva ao estímulo educacional.” Na sua ótica, se resultar em três ou quatro alunos que optem pela carreira científica, terá valido a pena. Em homenagem que recebeu na Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), em 24 de abril, Marcos Pontes endossou a afirmativa: “Os resultados da missão foram muito bons. São difíceis de quantificar, mas podemos ver no rosto das crianças e nas cores do Brasil espalhadas pelo território. As sementes plantadas hoje vão florir amanhã.”

Entre as instituições que aproveitaram a oportunidade para realizar testes no espaço está o Unifei (Centro Universitário da Fundação Educacional Inaciana), antiga FEI (Faculdade de Engenharia Industrial). Alessandro La Neve, professor-doutor do Departamento de Engenharia Elétrica da escola e coordenador do projeto MEK (estudo da cinética das enzimas em microgravidade) e de microgravidade, acredita que a missão foi importante ao Brasil mostrar sua competência diante da comunidade internacional. La Neve atestou, contudo, ser necessário haver continuidade nesse projeto, “em se tratando de pesquisa científica”. Para o professor do Unifei, esse seria entendido como o início, já que “o programa espacial passaria a ser de Estado e não de governo”. Nesse contexto, testes em ambiente de microgravidade seriam apenas parte disso. “Há necessidade de dominar a tecnologia ao lançamento e construção de foguetes e satélites”, ratificou. Com esses últimos, é possível por exemplo, como enumerou Gaudenzi, fazer controle de fronteiras, de desenvolvimento urbano, de desmatamento, de mananciais de água, de safras agrícolas, acompanhamento de poluição em mar ou em terra com vazamento de oleodutos e semelhantes, previsões meteorológicas e comunicar-se com qualquer parte do mundo.

 

Texto anterior

Próximo texto

JE 276