Setor elétrico: a reforma necessária

A mudança do modelo adotado no Brasil é o ponto de partida para profundas transformações destinadas a resgatar a energia como um serviço público essencial. Essa reforma está, sem dúvida, entre as várias outras tão necessárias para que o País encontre finalmente o caminho do desenvolvimento econômico e social.

O redesenho implantado a partir de 1995 espalhou várias bombas de efeito retardado, que continuam a ser detonadas, complicando ainda mais o combalido setor elétrico, cuja capacidade de resistência e reação vem sendo minada. Entre os muitos equívocos e desmandos cometidos, o principal é a sua filosofia básica: a transformação de energia elétrica em mercadoria, embora isso se choque frontalmente com a Constituição Federal.

Na esteira dessa premissa, temos assistido a diversos problemas. A chamada “descontratação” de 25% da energia produzida pelas geradoras a partir de 1º de janeiro deste ano, conforme previa a legislação desde 1998, foi um desastre para as grandes geradoras estatais. Juntas, elas dispõem de cerca de 7.500MW que não têm a quem fornecer. Isso corresponde a uma perda de receita anual de mais de R$ 3 bilhões. Acabam comercializando o excedente no MAE (Mercado Atacadista de Energia) por R$ 5,00 a termelétricas privadas, que, em vez de gerar energia, revendem o insumo por mais de R$ 100,00 por MWh às distribuidoras com quem têm contratos. Negócio da China, sem dúvida!

Na transmissão, acumulam-se problemas, apenas lembrados quando ocorrem os grandes apagões. Nessa área, está presente a mesma lógica de capitalismo sem risco. As empresas estatais recebem, pelo mesmo serviço, o equivalente a 20% do que faturam as novas concessões a cargo da iniciativa privada. Além disso, tem provocado inúmeras confusões o fato de não estar bem definida a linha divisória entre a atuação do ONS (Operador Nacional do Sistema) e a das transmissoras. Uma das conseqüências é que ninguém mais se sente responsável, por exemplo, pela expansão do sistema de tensões inferiores a 230kV. Se a omissão persistir, em breve provocará o colapso de sistemas elétricos regionais.

Finalmente, na distribuição, continua o crescimento galopante das tarifas e o declínio operacional e financeiro das empresas, que chegam a ter nível de endividamento médio de mais de 80% em relação ao seu patrimônio líquido. A receita da situação calamitosa envolve remessa de lucro ao exterior disfarçada de amortização de dívidas e venda de ativos considerados “inservíveis” por não mais atenderem à população.

Enquanto isso, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), que teria o papel de fiscalizar e defender o consumidor e o interesse público, assiste a tudo passivamente. Entre os recursos que já deixou de usar, está a intervenção nas empresas, cuja situação põe em risco a prestação adequada do serviço, e, em casos extremos, a declaração de caducidade da concessão para estancar a sangria do patrimônio construído com dinheiro que saiu do bolso do povo brasileiro.

Eng. Carlos Augusto Ramos Kirchner
Diretor do SEESP

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