Divulgado por “rádio peão”, plebiscito conquista brasileiros

Entre os dias 1º e 7 de setembro, a população teve a oportunidade de manifestar sua opinião sobre como deseja que o Governo se posicione em relação à Alca (Área de Livre Comércio das Américas) – se deve assinar o tratado ou mesmo continuar participando das suas negociações.

No plebiscito, convocado pela campanha nacional contra o acordo, foi incluída uma terceira questão, sobre a entrega da Base de Alcântara, no Maranhão, para controle militar dos Estados Unidos. Integrada por diversas organizações sociais, entre elas CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e CUT (Central Única dos Trabalhadores), a iniciativa não foi reconhecida pelo Governo e teve pouca atenção dos meios de comunicação comerciais. A idéia, no entanto, ganhou o País e atingiu expressiva votação. Sem apuração final até o fechamento desta edição, a estimativa era de se ultrapassarem os 6 milhões de votos alcançados no plebiscito sobre a dívida externa, realizado em 2000. Para se ter uma idéia, no Estado, foram 2,1 milhões, dobrando o resultado atingido dois anos atrás, com esmagadora maioria contrária à assinatura do tratado e à entrega de Alcântara. “Foram realizados debates e palestras por todo o Brasil, nós criamos uma verdadeira rádio peão. Isso tudo foi acendendo o coração da militância dos mais diversos setores e foi se constituindo uma unidade popular muito potente”, avalia Guillermo Denaro, membro da coordenação estadual da campanha e integrante da direção do MST.

Campanha continua
A proposta de realizar a consulta popular afirmou-se após o Fórum Social Mundial 2002, onde o tema foi objeto de diversas discussões e manifestações. Encerrado o FSM, as organizações brasileiras realizaram um encontro em abril, com a participação de 922 militantes que seriam os multiplicadores das informações sobre o tratado e a importância de combatê-lo. 

Encerrada a votação, para a continuidade da campanha, estava previsto um ato público em Brasília no dia 17 de setembro, quando a apuração final seria divulgada. A seguir, a idéia é realizar novos debates e manifestações em todo o País, acompanhando as mobilizações previstas na América Latina para o mês de outubro, quando acontece a reunião da Cúpula das Américas. Na ocasião, a Presidência do Comitê de Negociação da Alca será transferida dos Estados Unidos para o Brasil, que fica à frente dele até 2005. “Esse encontro aconteceria em Quito, mas agora fala-se em mudar para as Ilhas Galápagos, para evitar as manifestações populares. De qualquer forma, haverá um grande ato na capital equatoriana,  que deve reunir 500 mil pessoas”, aposta Denaro.

Integração perigosa
Toda essa mobilização visa impedir ameaças muito claras aos cidadãos de todos os países envolvidos na Alca. Um ponto perigoso é o fato de subordinar estados a corporações estrangeiras. Com a regra de que as transnacionais não podem ser discriminadas, os governos podem ser processados por tentar estabelecer normas ambientais e perdem a possibilidade de fomentar o desenvolvimento em seus países. E essas demandas, julgadas em tribunal privado sem controle público, são feitas pelas companhias e não por seus países, o que elimina a discussão política. Da mesma forma, não é permitido qualquer controle do fluxo de capitais, o que fragiliza as nações e tira delas a ferramenta para controlar as crises, como as que se abateram sobre México e Argentina.

Outra característica marcante desses acordos é que eles estão em constante negociação e podem sempre ir além, sem que a população sequer saiba disso. Assim, os Estados Unidos, que têm todas as vantagens, poderiam conseguir na Alca aquilo que é proibido até mesmo na OMC (Organização Mundial do Comércio).

No capítulo dos direitos humanos, dos trabalhadores, das questões de gênero e meio ambiente, a tendência só piora. A imposição da propriedade intelectual significa barrar o acesso a medicamentos, materiais educativos, softwares etc. Uma conseqüência trágica disso, já observada, são milhões de pessoas morrendo de doenças plenamente curáveis porque os remédios não podem ser fabricados pelos países pobres. Ao mesmo tempo, há o incentivo à pirataria de recursos biológicos e do conhecimento tradicional, sobretudo no setor agrícola.

O fato de incluir serviços, e não mais apenas mercadorias no livre comércio, mercantiliza essa atividade e propicia a privatização de itens essenciais, como energia e saneamento. Indo ao absurdo, nos setores em que atuam estado e iniciativa privada, saúde e educação por exemplo, não é impossível que corporações gigantes se valham das normas de igualdade e não-discriminação para reclamar de concorrência desleal. Outra vítima desse processo serão os trabalhadores, já que o acordo prevê também para eles a desregulamentação. As conseqüências são uma tragédia anunciada: desemprego, arrocho salarial, perda de direitos e precarização das condições de trabalho.

SEESP no plebiscito

O Sindicato dos Engenheiros, engajado na campanha contra a Alca, declarou apoio ao plebiscito e participou dele ativamente em algumas de suas Delegacias Sindicais. Na Baixada Santista, o SEESP sediou uma urna, que funcionou também como volante, sendo levada ao Pólo Industrial de Cubatão, Codesp, Sabesp e a outras  empresas, totalizando 118 votos. A Delegacia também cedeu equipamento e recursos humanos para a apuração dos votos em toda a região. Em Rio Claro, a urna instalada na Delegacia, uma das 130 na cidade, teve 47 votos. No município de Jundiaí, o SEESP se empenhou na consulta popular, que contou com 17.791 participantes.

Os engenheiros puderam manifestar sua opinião também pelo Jornal do Engenheiro, que reproduziu uma cédula na edição 196 (versão impressa). Até o fechamento deste número, haviam chegado à redação 19 respostas, todas contrárias à assinatura do tratado e à entrega da Base de Alcântara. Entre essas, somente duas tinham posição favorável à continuidade das negociações.

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