O parafuso frouxo do apagão

A interrupção do fornecimento de energia em dez estados por cerca de quatro horas, no dia 21 de janeiro último, criou celeuma entre os três envolvidos: a CTEEP, companhia transmissora onde teria se iniciado o problema, o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) e a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), responsável pela fiscalização das empresas. A linha de transmissão em 440kV Ilha Solteira–Araraquara foi construída há 30 anos e comporta dois circuitos. Cada fase de cada circuito tem quatro cabos condutores, formando um quadrado com lados de 40cm. A separação entre esses cabos é feita por uma peça denominada espaçador. O tal parafuso frouxo faz parte dessa peça e é usa­do para fixar o cabo condutor. Com o afrouxamento do parafuso, deslocou-se a proteção de borracha, o que permitiu o contato metálico direto entre espaçador e cabo, ocasionando o rompimento de um cabo condutor.


Não se pode afirmar que o parafuso não tivesse sido corretamente apertado, já que tal operação é feita com chave torquimétrica e teria resistido por 30 anos. Também não é possível dizer que a CTEEP foi relapsa em seus serviços de manutenção, pois ela não é onipresente em seus mais de 17 mil quilômetros de circuitos e milhões de parafusos, uma vez que as inspeções são feitas por helicóptero semestralmente e nada foi detectado na última vistoria, realizada há quatro meses.


A queda do cabo provocou um curto-circuito que imediatamente tirou essa linha (segundo circuito da LT Ilha Solteira–Arara­quara) do sistema. Acontece que a proteção do sistema também desligou o primeiro circuito da mesma LT. O ONS anuncia falha da proteção, enquanto a CTEEP assegura que a atuação foi correta, pois o curto-circuito ocorreu muito próximo da subestação de Ilha Solteira (a pouco mais de 1km), o que justificaria o desligamento dos dois circuitos.


O ONS afirma que o sistema está preparado para ocorrência de contingência simples (saída de uma linha) e o motivo do apagão teria sido a saída das duas linhas. Não podemos concordar, pois, apesar do rompimento de um condutor ser um evento raro, muitas outras situações podem ocorrer para se tirar uma linha do sistema. Um sinistro que nunca pode ser desconsiderado e que é inevitável é a derrubada de “torres” por ação de ventos fortíssimos ou tornados. É evidente que em tal situação saem as duas linhas de uma mesma estrutura de circuito duplo.


O ONS estava assumindo riscos acima dos aceitáveis no momento do apagão:

Havia autorizado o desligamento para manutenção programada de duas das seis linhas por onde escoa a energia gerada pela Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira que, com seus 3.440MW de capacidade instalada, é a segunda do País;

estava com um grande despacho de energia de Ilha Solteira, economizando água em outros reservatórios.


Deve-se registrar a atitude deplorável da Aneel, como se todo o problema se encerras­se com a aplicação de pesadas multas. Sua atitude simplista de apontar culpados sem apurar as causas foi censurada pelo próprio Governo, que constituirá uma comissão para análise do apagão.


A conclusão, a nosso ver, não poderá ser outra: enquanto não se revir o modelo do setor elétrico e dar condições às empresas transmissoras investirem em expansão, continuaremos sujeitos a novos apagões.

 

Eng. Carlos Augusto Ramos Kirchner

Diretor do SEESP

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