AMBIENTE E VIDA HUMANA SOB AMEAÇA

Entre as perversidades da globalização econômica, está a diferença na atuação das indústrias ao redor do mundo. O que é proibido no Primeiro Mundo, pode ser feito na Ásia, África ou América Latina. Nessa lógica, em 1977, o município de Paulínia foi premiado com a fábrica de agrotóxicos pertencente à holandesa Shell até 1993. Produzindo drins (aldrin, dieldrin e endrin), organoclorados banidos nos Estados Unidos desde 1976, a empresa contaminou o lençol freático sob as chácaras localizadas entre a área fabril e o Rio Atibaia.

"Essa situação é conseqüência da política industrial que se tem nesse País. A regra do desenvolvimento a qualquer custo, com a criação dos pólos químicos sem controle nos levou a isso", avalia a engenheira agrônoma Karen Suassuna, coordenadora no Brasil da campanha de substâncias químicas do Greenpeace. "As grandes indústrias se adequam às legislações de cada país, o que é muito cômodo quando a lei é fraca e se faz lobby para que assim continue."


POLUENTES PERSISTENTES
Os drins produzidos pela Shell fazem parte de uma lista de 12 substâncias tóxicas, conhecidas como POPs (Poluentes Orgânicos Persistentes), que devem ser banidos pelos países que assinaram, em 23 de maio último, a Convenção de Estocolmo. Esses produtos podem causar problemas reprodutivos, câncer, distúrbios de aprendizado, alteração no sistema imunológico, além de doenças como endometriose e diabets. Como signatário, o Brasil comprometeu-se a seguir quatro pontos básicos. Deve adotar o princípio da precaução que supõe que, se houve dano ao ambiente, o mesmo pode ocorrer com seres humanos. É preciso eliminar e não meramente controlar essas substâncias. Para dar fim aos estoques existentes, não pode utilizar tecnologias poluentes, o que exclui a incineração que gera dioxina e furano. E tem de fazer um inventário das fontes tóxicas, que ficará à disposição do público.

Segundo Karen, o Brasil terá que suar a camisa para cumprir tais metas. "Atualmente, está sendo discutida a permissão de incineradores no País, o que se choca com o que diz a convenção." Outro tropeço nacional diz respeito ao inventário das fontes poluentes, que enfrenta resistência em território nacional, o que ficou evidente durante o Fórum Internacional de Segurança Química, que aconteceu entre os dias 15 e 20 de outubro de 2000, na Bahia. "O Brasil fez um papelão, não tinha qualquer informação. Chegou-se ao cúmulo de uma pessoa chamada Marcelo Kós, da Associação Brasileira da Indústria Química, dizer que se fizéssemos um inventário muito rígido, as empresas poderiam abandonar o País."

Comparado a nações com nível de industrialização semelhante, o Brasil está na lanterna nessas questões, ainda que disponha de uma legislação moderna para crimes ambientais, que permite o processo criminal contra pessoas físicas, representantes das empresas. "Faltam diretrizes e regras federais, que obriguem as indústrias a um comportamento correto. Há iniciativas isoladas em alguns estados, mas não resolvem. A Cetesb surgiu no final da década de 70, com a mentalidade do controle e não da fiscalização. Ainda hoje, conseguir informações junto a ela é uma batalha."


DESRESPEITO
Na avaliação da engenheira do Greenpeace, aproveitando-se desse atraso, a Shell cometeu barbaridades ambientais em Paulínia. "Eles estocavam de maneira irregular e havia vazamentos. Tinham uma estação de tratamento que não comportava esses produtos, que com certeza foram descarregados no rio", denuncia.

Em 1993, a empresa fez uma autodenúncia ao Ministério Público, motivada pela auditoria ambiental contratada pela Cyanamid (hoje pertencente à Basf), a quem venderia a unidade de agrotóxicos. No documento, afirmava ter apenas um problema dentro dos limites da área da fábrica com solventes orgânicos, que seria resolvido com uma barreira hidráulica. "Eles não mencionaram a contaminação nas chácaras por drins ou os aterros ilegais", aponta Karen.

A empresa segue afirmando ter agido dentro das normas desde que abriu a fábrica de Paulínia, até a sua venda. A produção de agrotóxicos contendo drins foi suspensa em 1985, conforme determinação do Ministério da Agricultura. A companhia, que fornece água às chácaras e compra sua produção agrícola, tende a minimizar os riscos para a saúde e ambientais. Nessa linha, em depoimento à Comissão de Defesa do Meio Ambiente da Assembléia Legislativa, em abril, a vice-presidente de Assuntos Químicos para a América do Sul, Maria Lúcia Pinheiro, chegou a afirmar: "A contaminação é pequena, segundo projeções matemáticas; se os moradores não consumirem nem a água nem os produtos da terra, podem continuar lá sem riscos." Em junho, após realizar exames de sangue em 132 moradores, a empresa negou a existência de contaminação por drins. Conforme divulgado pela assessoria do deputado federal Luciano Zica (PT-SP), a conclusão foi contestada pela médica da Prefeitura de Paulínia, Cláudia Guerreiro, e pelo toxicologista da Unesp, Igor Vassilieff. Segundo eles, os testes não são suficientes para identificar a presença de organoclorados, que, no caso de exposição ambiental, concentram-se nos tecidos.

Para apurar o caso, o deputado Rodolfo Costa (PSDB), autor do requerimento para a audiência pública realizada na Assembléia, solicitou a abertura de uma CPI. Porém, para que a comissão entre em funcionamento é preciso um acordo de lideranças partidárias, que não conta com a adesão de PTB e PFL.

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