VIOLÊNCIA E VIOLÊNCIAS

Ionesco relata no seu famoso "Rinoceronte" a experiência de uma cidade que vê seus cidadãos transformarem-se em unicórnios. Essa narração do teatro do absurdo me veio à mente há alguns meses, quando participava de uma reunião de amigos. Lá pelas tantas, o tema da conversa passou a ser quantas vezes cada um havia sido assaltado. Os presentes, um a um, iam desfilando suas histórias, com detalhes tão vivos que podíamos sentir e reviver suas desagradáveis experiências.

Alguns quase pediam desculpas por terem sido assaltados apenas duas vezes, o que tornava seu currículo nesse campo pouco marcante. Eu, por minha vez, tive que confessar constrangido que ainda não vivera situação tão corriqueira em nossa sociedade. Senti-me um ET e prometi a mim mesmo que, no futuro, inventaria uma quantidade aceitável de assaltos e pediria para não dar maiores explicações, alegando ainda estar em choque pelo ocorrido. Foi quando o primeiro rinoceronte virtual passou correndo em minha frente.

Semanas depois, tive nova surpresa ao freqüentar um curso com dez participantes. Entre esses, dois já haviam sido seqüestrados, mostravam-se bastante conformados com o fato e sentiam-se afortunados por terem saído com vida da aventura urbana. E mais alguns rinocerontes desfilaram celeremente.

Fico a pensar até quando deixaremos que a nossa indignação fique obscurecida por conceitos como modernidade, flexibilização, downsizing e outras palavras mágicas que povoam o ideário dos profetas desta nova era do neocolonialismo. A sociedade haverá de se ajustar, dizem os arautos; basta que nos adaptemos às novas tecnologias que o progresso virá. A Argentina, por exemplo, fez muito bem a sua lição de casa. Deveríamos fazer a nossa? Manadas de rinocerontes atrapalhando o tráfego tomam ruas e avenidas de todo o Brasil, de Norte a Sul, num movimento caótico, procurando seus próprios caminhos.

Eng. João Paulo Dutra
Diretor-tesoureiro do SEESP

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