CATEGORIA SOBREVIVE À REESTRUTURAÇÃO

Os engenheiros, que amargaram desemprego no início da reestruturação produtiva no setor automobilístico entre os anos de 1988 e 1993, aparentemente podem respirar aliviados. O flagelo para eles veio com a primeira fase do processo, que se tratava basicamente de enxugar pessoal, eliminando níveis intermediários de gerência, em boa parte composta por esses profissionais. A etapa seguinte, com a automação, caiu como um raio sobre operários mais qualificados, mas demandava mão-de-obra especializada. "A partir de 1996, teve início a introdução de tecnologia mais dura, robôs e microeletrônica, o que requer capacitação técnica. Além disso, a indústria começou a investir muito em novas linhas de montagem e modelos, o que precisa ser adaptado para o Brasil. E as montadoras mais recentes no País passaram a atrair os engenheiros experientes que estavam disponíveis no mercado", explicou Adalberto Moreira Cardoso, autor do livro "Trabalhar, verbo transitivo – Destinos profissionais dos deserdados da indústria automobilística" e professor e pesquisador do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro).

Um dos últimos parques industriais a implantar essa modernização é a fábrica Anchieta da Volkswagen do Brasil, inaugurada em 1959, na cidade de São Bernardo do Campo. A empresa investirá, até 2004, R$ 1,6 bilhão, incluindo um empréstimo de R$ 900 milhões tomados junto ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Segundo informações da Assessoria de Imprensa, quando a reestruturação estiver pronta, a linha de montagem contará com 400 robôs e o índice de automação será de 60%.

Como era de se esperar, serão eliminados muitos dos atuais 17 mil postos. Sem anunciar números, a empresa garante que a nova Anchieta será bem mais "enxuta" e, desde 1998, vem colocando em prática planos de demissão voluntária. Na opinião de Cardoso, a mudança era inevitável e tardou a chegar. "Quando fiz minha pesquisa de campo lá, em 1994, era evidente que aquilo estava fadado a desaparecer. Não há alternativa, faz isso ou fecha."


REQUALIFICAÇÃO
Mesmo tendo seus postos de trabalho mais seguros, os engenheiros deverão se qualificar para se manter em campo. "Eles precisarão ter conhecimentos sólidos de robótica, estar familiarizados com as novas tecnologias e processos de manufatura que serão trazidos para a fábrica", confirmou Clébio Ribeiro, gerente de Geração e Qualificação de Competência da Volkswagen Anchieta. Um passo fundamental, segundo ele, será ampliar o número de engenheiros eletrônicos e mecatrônicos, hoje minoria, que substituirão parte dos mecânicos e industriais.

De acordo com Ribeiro, a maioria dos 250 profissionais envolvidos na manufatura receberão treinamento internacional para fazer frente às futuras demandas tecnológicas. Até julho de 2002, cerca de 150 engenheiros serão enviados aos centros de excelência da Volks para absorver os conhecimentos necessários. E todos devem estar preparados para quando a nova fábrica estiver pronta. "Caso contrário, não poderão dar a contribuição que a empresa precisa", afirmou categórico.

A introdução dessas novas tecnologias e sistemas de produção como just in time e Kanban, que os engenheiros devem assimilar, visa maior produtividade e aprimoramentos crescentes, no entanto, representa o que Cardoso, do Iuperj, considera um paradoxo contemporâneo. "Há o discurso da qualidade, mas produzem-se mercadorias descartáveis, é qualidade total para o lixo." Essa tendência associada à produção globalizada pode explicar em parte os defeitos de fabricação que têm forçado as montadoras a fazer os famigerados recalls. "É uma cadeia intrincada com demanda de redução de custos, inclusive nos insumos. Há um problema de qualidade na autopeça e depois a montadora não faz os testes reais de impacto, não-substituíveis por simulação por computador."


MAPA DA CADEIA PRODUTIVA

O grupo Trabalho, Tecnologia e Organização, do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da USP, iniciou no mês de novembro último um estudo sobre a cadeia produtiva da indústria automotiva. Segundo o professor Mário Sérgio Salerno, um dos seus coordenadores, a idéia é mandar questionários a todos os fornecedores do setor, com o objetivo de mapear essa rede, de preferência regionalmente. "No total, são milhares, se tivermos retorno de 20% será bom", avaliou. O trabalho terá duração de um ano e meio e custará R$ 267 mil, financiados pelo BNDES.

Com esses dados em mãos, de acordo com Salerno, será possível verificar como se dão as relações nessa cadeia, onde estão as lacunas e como sobrevivem as pequenas empresas intermediárias que, supõe-se, estão esmagadas entre os grandes fornecedores. Essas informações poderão servir de base para guiar investimentos de agentes públicos.

Outro objetivo da pesquisa é fazer um balanço do desenvolvimento de produto no Brasil. Segundo Salerno, sabe-se que quem desenvolve mais em solo nacional são as antigas montadoras, como Fiat, Volkswagen e General Motors, excetuando-se a Ford. Para ele, é provável que empresas novas como Renault e Peugeot não tenham qualquer atividade nessa área, limitando-se a montar e, o que é pior, peças importadas.

Tais montadoras foram atraídas para o Brasil pelo Regime Automotivo, instituído em 1995, que visava conseguir investimentos de capital estrangeiro. Para o pesquisador, a entrada dessas deu-se basicamente porque o investimento era muito pequeno. "Sempre há possibilidade de mercados como o Brasil, China e Índia crescerem, as empresas podiam importar tudo e houve a guerra fiscal, oferecendo vantagens adicionais como terrenos, infra-estrutura e isenções fiscais", apontou. Entre os objetivos anunciados pelo Governo, o único alcançado foi o imediato e financeiro. "As produtoras nacionais de autopeças foram dizimadas pela importação e os empregos prometidos não foram gerados, aliás, seria um absurdo esperar que isso acontecesse, porque essas fábricas têm apenas montagem, não há qualquer mecânica."

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