Cresce Brasil

Telefonia ficou de fora do PAC

Soraya Misleh

 

“Quase metade das residências brasileiras não possui linhas telefônicas fixas e metade das escolas públicas também está fora do sistema.” O cenário é apontado no manifesto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento” – lançado pela Federação Nacional dos Engenheiros e que reúne as contribuições da categoria a um projeto de desenvolvimento nacional com inclusão social – e sua mudança não está prevista no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

Anunciado pelo Governo Federal em 22 de janeiro último, esse é composto por sete medidas provisórias e cinco projetos de lei, os quais encontram-se em discussão no Congresso Nacional. Prevê investimentos em infra-estrutura da ordem de R$ 503,9 bilhões, que não contemplam o setor de telecomunicações. A ausência da área no PAC só não é absoluta porque há referência à TV digital, a cujo desenvolvimento estão previstos incentivos tributários. E mesmo o tema é colocado “timidamente”, acredita o consultor Carlos Monte, coordenador técnico dos trabalhos do “Cresce Brasil”.

No documento elaborado pelos engenheiros, algumas medidas à universalização do setor são consideradas, tais como “redução no valor das assinaturas, combinada com algum aporte de subsídios extras”, e a utilização de recursos do Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações). Tal acumula ao longo dos últimos cinco anos cerca de R$ 4,5 bilhões, segundo o professor do Departamento de Comunicação Social da PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) e doutor em Engenharia de Produção, Marcos Dantas. Provém, entre outras fontes, da contribuição de 1% da receita operacional bruta das operadoras. “Ninguém usa esse dinheiro ou utiliza para compor o superávit primário”, lamenta.

Esse fundo foi criado como forma de compensação do Estado para garantir o fomento à universalização em um setor privatizado, explica Antonio Carlos Bordeaux Rego, diretor de gestão de inovação do CPqD (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações). Todavia, encontra-se contingenciado, o que representa, conforme Dantas, por ano, de R$ 300 a R$ 600 milhões que deixam de ser aplicados – e poderiam financiar, por exemplo, a expansão da banda larga, como propugna o “Cresce Brasil”.

Sua penetração é baixa no País, ressalta o professor da PUC-RJ. Apenas “cerca de 10% das escolas públicas brasileiras têm acesso a Internet, a grande maioria discado”. São Paulo é ponto fora da curva, com 56% dos estabelecimentos de ensino abrangidos. E a Telefônica anunciou investimentos de R$ 15 bilhões nos próximos quatro anos, segundo sua assessoria de imprensa, principalmente em telefonia fixa (mais de R$ 8 bilhões) e móvel (cerca de R$ 6 bilhões). “Esses deverão incluir a preparação da Telefônica para oferecer serviços de TV e ampliar a cobertura de banda larga, a construção da rede GSM da Vivo e o recém-inaugurado call center da Atento.” A companhia, de acordo com Dantas, leva a vantagem de situar-se no “melhor mercado da América Latina” e ter herdado rede altamente capilarizada ao adquirir o patrimônio público. Embora anuncie investimentos, boa parte dos seus lucros acaba, ainda segundo ele, sendo repatriada para sua matriz na Espanha e garantindo a universalização naquele país. Um erro de origem das privatizações, na avaliação de Bordeaux, que deveriam ter mantido o setor estratégico “nas mãos de brasileiros”.

 

Sem planejamento público
Fato é que, a despeito de ter crescido em 16% o número de usuários de Internet no País entre janeiro de 2006 e janeiro deste ano – conforme pesquisa feita pela consultoria comScore Networks, divulgada pelo jornal O Globo, de 7 de março último, hoje são cerca de 14,9 milhões –, ainda há muito o que avançar. Para tanto, Dantas acredita que o PAC deveria incluir as propostas dos engenheiros, com o poder público cumprindo seu papel de apontar diretrizes ao segmento. “Como o investimento é privado, não há planejamento de Estado, cada empresa projeta sua expansão em função do seu mercado. É preciso haver proposta política e equação financeira para mudar isso.”

Na sua análise, o fato de o segmento ter sido deixado de lado no programa do Governo “mostra como a elite política e empresarial não acordou para a dimensão e importância na economia das telecomunicações, responsáveis por 3% a 4% do PIB (Produto Interno Bruto)”. Ele acrescenta: “No mundo, as empresas que mais crescem são ligadas às tecnologias de informação e comunicação. O Estado deveria ter presença política e normativa na área. O Brasil não descobriu o potencial de investimento, criação de bem-estar, geração de emprego e renda e até fortalecimento da democracia desse setor.”

Bordeaux concorda com o papel crucial dessas tecnologias ao desenvolvimento. Contudo, pondera que o caminho não seria sua inclusão no PAC, o qual teria o objetivo de diminuir gargalos ao crescimento nacional. “O PIB do setor está se expandindo, não tem a ver com aceleração (como propõe o programa do Governo).” A questão, para ele, é reduzir as desigualdades em um sistema que “só cresce nas camadas mais favorecidas de renda”. Ao que os fundos de universalização têm função preponderante.

 

Texto anterior

Próximo texto

JE 295