Opinião

É preciso salvar os trólebus

Francisco Christovam

 

O início da operação dos trólebus em São Paulo se deu em abril de 1949. A primeira linha ligava o bairro da Aclimação ao centro da cidade, tinha menos de 8km de extensão e era operada por apenas 16 veículos. De 1949 a 1958, a extinta CMTC (Companhia Municipal de Transportes Coletivos) importou mais de 150 trólebus, boa parte deles já com alguma quilometragem rodada.

Após a fase introdutória da nova modalidade, São Paulo viu desenvolver-se a rápida expansão de suas linhas, cujo objetivo era também a substituição dos bondes. Entre 1953 e 1967, outras dez cidades brasileiras iniciaram a operação de seus respectivos sistemas de trólebus.

Porém, a escassez de peças de reposição para equipamentos importados, a falta de uma política de transportes para cidades de médio e grande portes e a falsa impressão de que o transporte individual substituiria o coletivo levaram à desativação do sistema na maioria das cidades. Já em 1973, apenas São Paulo, Recife, Santos e Araraquara mantinham seus sistemas em operação, ainda que de forma bastante precária.

Contudo, a partir de 1974, a crise do petróleo, o aumento da demanda por transportes coletivos e uma maior preocupação com as questões ambientais determinaram a retomada dos estudos de viabilidade para a implantação de sistemas de transporte eletrificado, em particular, de sistemas trólebus para várias cidades brasileiras.

Em meados de 1976, foi concluído o Plano Sistran que analisou, em detalhes, as necessidades de deslocamento da população da Capital. Os estudos propugnaram a implantação de um sistema de trólebus para São Paulo, composto por 1.280 novos veículos, dos quais 450 deveriam ser trólebus articulados. Desse plano, foi extraído um programa de ação imediata que, no final da década de 70 e início da década de 80, foi parcialmente implantado.

Em janeiro de 1983, o sistema elétrico (subestações retificadoras e redes de alimentação e de contato) foi transferido à Eletropaulo (Eletricidade de São Paulo S/A) sob a alegação de que, se a empresa responsável pelos serviços de transportes cuidasse, exclusivamente, da frota e da operação propriamente dita, o sistema trólebus poderia se expandir numa velocidade muito maior. Foi o início do fim.

Em meados dos anos 80, São Paulo tinha uma frota de 480 trólebus, que operavam em 19 linhas e transportavam quase 50 milhões de passageiros por ano. Em 1994, com a decisão de transferir à iniciativa privada toda a operação dos sistemas de transportes sobre pneus, três empresas assumiram a gestão, operação e manutenção da frota de trólebus da cidade. Por força de contrato, cada uma delas ficou com a obrigação de adquirir 37 novos trólebus; o Consórcio Eletrobus, em particular, ficou com a responsabilidade de reformar os 286 veículos mais novos.

Assim, mais da metade da frota operacional existente à época passou por um amplo processo de revitalização, incluindo a troca dos componentes mecânicos danificados, a completa substituição da carroceria e a modernização do sistema de comando e controle de tração. Foi a última iniciativa concreta no sentido de garantir a permanência dos trólebus como uma modalidade de transporte na cidade de São Paulo.

O final da década de 90 pode ser considerado o período áureo dos trólebus que, entre outros aspectos, se firmaram como um sistema diferenciado em termos de capacidade de transporte e qualidade de serviço oferecido à população.

 

Começo do fim
Mas, a partir do ano de 2001, iniciou-se uma nova fase de decadência dos trólebus e, desde então, por absoluto desinteresse da AES Eletropaulo em fornecer energia para a tração dos veículos e, também, muito pouco interesse da SPTrans (São Paulo Transporte S/A) em manter os trólebus funcionando, as linhas vêm sendo, paulatinamente, desativadas e os veículos sucateados.

O atual sistema de trólebus de São Paulo não opera mais do que 180 veículos que circulam completamente misturados ao tráfego geral nas 14 linhas que remanesceram. Infelizmente, a falta de uma visão mais ampla do que representavam os trólebus para a cidade, para a população e para os seus usuários levou as autoridades a permitirem o triste fim de um sistema de transporte dos mais eficientes.

Como resultado da pouca importância dada aos trólebus, quase nada resta daquilo que, outrora, podia ser considerado um sistema de transporte e que representava mais uma opção entre os modais existentes. Muito mais do que impressões ou opiniões, os números atestam a relevância que os trólebus tiveram para a cidade, em termos de capacidade de transporte, de qualidade de serviço e de manifesta preferência por parte dos usuários.

 

Primazia do automóvel
Não falta muito para a completa desativação do sistema, à semelhança do que foi feito, no final da década de 60, com o sistema de bondes de São Paulo. Só nos resta torcer para que a última viagem não seja comemorada com fogos de artifício e o motivo da extinção dos trólebus não seja o mesmo que justificou o fim dos bondes. Os jornais da época estamparam que o sistema de bondes de São Paulo estava condenado porque, segundo as autoridades, atrapalhava o trânsito dos automóveis. Deu no que deu...

Com a extinção dos bondes e dos trólebus só sobrarão as peças e componentes que ficarão nos museus e as lembranças das duas experiências havidas em São Paulo, sobre a operação de sistemas de média capacidade de transportes. Mesmo com todos os esforços realizados nos últimos tempos, não há como negar que o transporte individual está com os seus dias contados, que os ônibus não conseguem oferecer serviços com a qualidade desejada pelos usuários e que a expansão dos sistemas metroferroviários demanda longo prazo de maturação e de implantação dos projetos, além dos altos investimentos envolvidos. É uma pena abandonar todo o conhecimento adquirido ao longo de quase 60 anos sobre uma tecnologia que, sem sombra de dúvidas, tem o seu espaço na matriz de transportes de uma cidade como São Paulo.


Francisco Christovam
É ex-presidente da CMTC/SPTrans e atual diretor da FChristovam Engenheiros Associados

 

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