Cresce Brasil

PPP do saneamento em Rio Claro é questionada

Soraya Misleh

 

Ainda neste mês de janeiro deve ser assinado o primeiro contrato de PPP (Parceria Público-Privada) no setor de saneamento do País. O controvertido pioneirismo vem de Rio Claro, cidade do Interior de São Paulo com aproximadamente 200 mil habitantes. A idéia, segundo o engenheiro Celso Cresta, superintendente do Daae (Departamento Autônomo de Água e Esgoto de Rio Claro), é conceder à iniciativa privada, por 30 anos, a operação, manutenção e construção da rede de esgoto local.

Ao município caberá o gerenciamento e fiscalização desse sistema, bem como a cobrança da tarifa para repasse à parceira da parcela relativa ao serviço prestado. A Prefeitura ficará ainda com o encargo de fazer o aporte a um fundo garantidor de todo o valor resultante de inadimplência, que chega, segundo o engenheiro, a 40% no mês de vencimento – isso significará o desembolso pelos cofres públicos de R$ 1,5 milhão logo de cara, dinheiro ressarcido após o pagamento pelos devedores. Cresta acrescenta: “Eles não aceitavam participar da concorrência sem isso.”

Hoje, a cidade – que tem 100% de abastecimento de água – coleta todo o resíduo urbano gerado, mas trata apenas 23% desse total. “Temos uma condenação pela Justiça que transitou em 2001. Pela sentença, teríamos que tratar 100% dos esgotos até 2007. Três importantes rios passam por Rio Claro, praticamente próximos de nascentes. Até chegar na cidade, eles não têm poluição nenhuma. Após, passam a uma classe quase intratável (em função do esgoto que é despejado)”, explica o engenheiro, conforme o qual o contrato de concessão administrativa foi a solução encontrada pelo município para atender a essa obrigação.

Segundo ele, considerando o crescimento demográfico local, em torno de 2,24%, a cada cinco anos seria ainda necessário expandir o sistema. “Com recursos próprios nunca atingiríamos os 100%.” Do orçamento do Daae, como apontou, sobram mensalmente cerca de R$ 500 mil apenas para investimento. E o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) recusou financiamento pleiteado. Uma alternativa seria recorrer ao Prodes – conhecido como programa de compra de esgoto tratado –, em que a União, através da ANA (Agência Nacional de Águas), aportaria ao município o equivalente a 50% do investimento feito em ETE (Estação de Tratamento de Esgoto). O programa assegurou à cidade, conforme o engenheiro, a construção de uma de suas estações urbanas. Mas “está fechado desde meados do ano passado, com promessa de reabrir”. Segundo a ANA, estão previstos R$ 10,1 milhões para 2007 a novos empreendimentos do gênero e abertura de edital em abril.

A despeito de o município ter buscado outra opção, Cresta admite que o prazo judicial, com ou sem PPP, não será cumprido. “Não vai dar, porque perdemos mais de um ano e meio com modelagem e licenciamento das estações de tratamento.” De acordo com ele, diante disso, foi apresentado ao Consórcio Rio Claro, formado pelo Grupo Odebrecht e a empresa Lumina Engenharia Ambiental, um cronograma físico-financeiro para que alcance 100% da capacidade instalada “em pouco mais de dois anos”. O contrato deve começar a viger em 1º de abril, quando já estará constituída a SPE (Sociedade de Propósito Específico) que cuidará do serviço, cuja instituição é obrigatória nessa modelagem. A partir dessa data, a promessa é de investimento nos dois anos de R$ 67 milhões. “Ao longo dos 30 anos, seriam R$ 141 milhões, mas a preço atual.”

 

Ajuste na conta
A primeira conseqüência, todavia, não será ambiental. Será sentida pelo usuário do serviço em sua conta de água. “Hoje o custo do esgoto equivale a 67% do da água. Para remunerar o serviço sem ter desequilíbrio econômico, tivemos que trabalhar o percentual e vamos passar a 80%. No total, os usuários terão um impacto tarifário de 8,2%.”

Para a vereadora de Rio Claro, Maria do Carmo Guilherme (PMDB), o contrato teria que ser mais discutido. “É nossa preocupação não ter terceirização de funcionários, elevação do custo do esgoto para o munícipe e privatização do Daae.” Além disso, na sua ótica, é um equívoco a cidade arcar com o custo da inadimplência. A Promotoria de Justiça de Rio Claro informou que tramita nessa instância inquérito civil para apurar a regularidade da modelagem apresentada.

João Carlos Gonçalves Bibbo, vice-presidente do SEESP e profissional da área, afirma não ver com bons olhos a parceria público-privada no segmento. Segundo ele, é necessário haver verba específica a esse. “Quem defende saneamento público não pode concordar com PPP. Ainda mais agora que foi aprovado o marco regulatório do setor, em que dizem que vai haver recursos.” Esses, aliás, já existem, como demonstrou o professor do Departamento de Recursos Hídricos e Meio Ambiente da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Luiz Edmundo Horta Barbosa da Costa Leite, em estudo de sua autoria. Apresentado durante o VI Conse (Congresso Nacional dos Engenheiros), realizado em setembro de 2006 pela Federação Nacional dos Engenheiros, o trabalho integra o manifesto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, que reúne as conclusões e proposições do evento. “Há empecilhos à sua liberação. É preciso desburocratizar e investir. E manter o serviço na mão do ente público”, conclui Bibbo.

 

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