Cresce Brasil

TV digital inserirá País em círculo virtuoso

Soraya Misleh

 

Prevista para ser lançada em nível nacional no final de 2007, a inovação representa oportunidade de o Brasil recuperar o terreno perdido ao longo de três décadas de retrocesso industrial-tecnológico. A afirmação consta do manifesto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, lançado no VI Conse (Congresso Nacional dos Engenheiros) pela FNE (Federação Nacional dos Engenheiros), com a participação do SEESP, que aponta as bases a um projeto de desenvolvimento com justiça social.

Endossa a análise o professor livre-docente do Departamento de Engenharia de Sistemas Eletrônicos da Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo), Marcelo Knörich Zuffo. “Com a TV digital, certamente passaremos a outro patamar. Acredito que a gente venha a entrar num círculo virtuoso de desenvolvimento científico, tecnológico e inovativo.” Decisiva para isso foi a opção por um padrão híbrido, cuja base é japonesa, o qual deve ser aprimorado nacionalmente, por exemplo na parte de softwares e modulação, relatou Zuffo. Estavam na disputa os padrões europeu e estadunidense. “Acho que escolhemos o melhor cenário tecnológico”, enfatizou. Os estudos que indicam a necessidade de adequações no modelo estrangeiro já foram feitos pelos 22 consórcios de universidades que envolveram quase mil pesquisadores, nos últimos três anos, e culminaram com a instituição do SBTVD (Sistema Brasileiro de TV Digital). “Agora o desafio é botar isso para funcionar”, avalia o professor.

Os prazos legais para tanto estão colocados – a previsão é que ao término do mês de junho de 2016 não mais esteja em funcionamento o sistema analógico. “Se der certo será muito bom. Porém depende de coerência de investimento e cabe salientar que desde dezembro do ano passado não houve liberação de recursos. Os institutos de pesquisa e as universidades passaram 2006 a seco.” De acordo com ele, apenas ao desenvolvimento do sistema, estima-se que sejam necessários em torno de R$ 200 milhões. Será preciso também investir em infra-estrutura, ao que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) promete anunciar ainda em dezembro linha de crédito.

 

Avanço fundamental
Na ótica do professor, com a incorporação das inovações, a TV digital deve induzir a atividade econômica. Mais: com a versão adotada do protocolo de Internet, haverá interatividade e inclusão digital, o que “dependerá principalmente de as instituições públicas promoverem o acesso a esses serviços. A USP, por exemplo, está montando um centro de tecnologia com esse foco, do ponto de vista de uso. Pretendemos desenvolver aplicações em saúde, educação, governo eletrônico, para findar esse processo excludente”. Outra vantagem é que a tecnologia funcionará em qualquer lugar, inclusive fora do território nacional, uma vez que se assegurará a interoperabilidade. “Garantidamente a população receberá sinal de transmissão.” Esse é um dos problemas críticos enfrentados pelos cidadãos brasileiros hoje. Em reportagem publicada na edição 274 do Jornal do Engenheiro, José Dias Paschoal Neto, coordenador da TV PUC Campinas e diretor da Associação Brasileira de TV Universitária, revelou que entre as classes C e D, em torno de 43% ainda usam a famosa antena “bombril”. “Parcela significativa da população tem um televisorzinho de 14 polegadas usando uma anteninha externa. É o caso de 70% a 80% das residências paulistanas”, complementa o professor da USP.

Além de propiciar um salto tecnológico nas comunicações, a TV digital implicará esforço grande por um novo marco regulatório do setor. “A lei de comunicações de massa está toda torta e obsoleta. Uma história que veio (nos debates sobre a nova tecnologia) é que o esquema de concessão de canais sempre foi muito cartorial e o espectro é um bem público.” Hoje, está nas mãos de poucos. A inovação, conforme Zuffo, saneará esse problema. “É como se um rio sujo fosse limpo. O problema é se quem vai usá-lo jogará esgoto de novo (conteúdo ruim).” Antenados com a questão, de acordo com seu relato, em reunião na USP realizada na segunda quinzena de novembro, pesquisadores chegaram a consenso sobre a necessidade de constituir uma rede de universidades públicas para gerar conteúdo em TV digital.

Em um país em que 50 milhões de pessoas vivem com até US$ 1 por dia, como afirmou o secretário geral do Ministério das Relações Exteriores, embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, em palestra no VI Conse, desafio à engenharia foi pensar uma tecnologia acessível a todos os brasileiros. “Meu grupo, que cuidou do terminal de acesso, fez uma profunda análise técnico-econômica, a qual auxiliou os agentes públicos na decisão. Escolhemos tecnologias e padrões abertos. Então o País não pagará royalties pelo uso da Java, nem pela modulação aos japoneses. O custo é baixo. O do conversor desenvolvido no Brasil varia de US$ 50 a US$ 100. Mas o preço final vai depender do mercado.”

Por sua atuação no desenvolvimento do Sistema Brasileiro de TV Digital, Zuffo será homenageado pelo SEESP no dia 14 de dezembro, durante a solenidade em comemoração ao Dia do Engenheiro – 11 do mesmo mês –, com o prêmio Personalidade da Tecnologia 2006, na categoria “Inovação tecnológica”.

 

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