Giro paulista

Avanço na industrialização exige investimento em C&T e recursos humanos

 

Essa foi a conclusão do seminário realizado em Campinas, em 17 de abril último, que discutiu o tema “Ciência, tecnologia, engenharia e inovação”. A atividade integra a série de eventos programados pelo SEESP que acontecerão até agosto, debatendo os temas fundamentais ao desenvolvimento do País, e são preparatórios à participação da entidade no VI Conse (Congresso Nacional dos Engenheiros), o qual terá como mote “Cresce Brasil – Mais engenharia e desenvolvimento”.

Em sua palestra, o professor do Departamento de Engenharia de Produção da UFF (Universidade Federal Fluminense), Marco Aurélio Cabral Pinto, apresentou um diagnóstico da situação atual no setor, que hoje representa restrições à plena industrialização e à própria segurança e soberania nacionais (leia íntegra no site www.crescebrasil.com.br).

Num histórico dos últimos 35 anos, ele divide a estratégia brasileira para C&T em três fases básicas. Entre 1971 e 1989, houve o que chama de “planejamento e ação”. Diante das dificuldades apresentadas pelo endividamento e vulnerabilidade em relação ao petróleo, optou-se por eleger prioridades coordenadas com um projeto nacional de longo alcance, com apoio à infra-estrutura e investimento em áreas como energia e telecomunicações e tecnologia voltada, por exemplo, à agropecuária. No período entre 1990 e 1997, quando entrou em cena a lógica neoliberal, adotaram-se medidas de abertura comercial e o Estado deixou de fazer investimentos no setor. Depois de 1997, teve início o impulso à inovação, com a criação dos fundos setoriais. Continua inexistente, contudo, o planejamento de metas e prioridades, o que dificulta a coordenação das políticas industrial, tecnológica e de comércio exterior.

 

Propostas
Cabral Pinto elege como fundamental prioridade o estímulo à inovação, que hoje enfrenta dificuldades, sobretudo devido à fragilidade financeira. Para mudar o quadro, ele propõe a transferência de tecnologia, produção interna de conhecimento e potencialização dos instrumentos financeiros públicos. O professor sugere ainda que se coloque o foco nas cadeias produtivas constituídas, com aumento de poder de comando das empresas nacionais. Entre as medidas a serem tomadas, ele elenca: planejamento integrado com eleição de segmentos-chave; mapeamento das cadeias produtivas no Brasil e no exterior; identificação dos condicionantes do poder de comando; identificação dos desafios científicos e tecnológicos; participação acionária minoritária do Estado; promoção de joint ventures; desenvolvimento de programas mobilizadores; inserção das empresas brasileiras em redes internacionais de pesquisa e desenvolvimento; e apoio à sua internacionalização. Entre os setores que devem ser escolhidos para aplicação de incentivos tecnológicos, estão as empresas de bens de capital, energia, comunicação e logística.

Como aposta futura, Cabral Pinto defende investimentos visando a combinação de biotecnologia, tecnologia digital e aeroespacial, o que seria “ainda mais importante do que dominar cada uma delas isoladamente”. Como condicionantes ao aproveitamento dessa oportunidade, ele identifica: mapeamento das competências-chave para tecnologia digital e biotecnologia; disponibilidade dessas competências no País; recomendações para formação de corpo técnico; mapeamento de aplicações tecnológicas potenciais; fortalecimento e adensamento das cadeias produtivas agropecuária, farmacêutica e aeroespacial; apoio à formação de arranjos produtivos locais com firmas especializadas em tecnologia digital e biotecnologia; e aprimoramento do marco legal (propriedade, conformidade, certificação) para proteger a indústria contra práticas arbitrárias ou desleais.

 

Incentivo ao avanço
O representante da Anpei (Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras), Celso Antonio Barbosa, concordou com a necessidade de incentivo à inovação e à pesquisa e desenvolvimento. “Esse tem sido um dos principais determinantes da produtividade das empresas e conseqüentemente do bem-estar econômico da maioria dos países desenvolvidos e mesmo os de desenvolvimento mais recente, como a Coréia”, afirmou. Segundo ele, nesses locais foram eliminadas restrições existentes no Brasil, como “a elevada carga tributária, a instabilidade econômica e ausência de política industrial”.

Como conseqüência dessas dificuldades, aponta ele, está o baixo investimento em P&D – em 2003, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), as empresas investiram em média 0,53% do seu faturamento em atividades dessa natureza.

Barbosa citou como um avanço a Lei de Inovação, que permite a participação pública em pesquisa privada. Ressalvou, entretanto, que há limitações, como a falta de clareza sobre como funcionará, exigência de aprovação prévia pelo governo e de contrapartida e a dependência da programação orçamentária anual.

Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) enfatizou a necessidade de se pensar ciência e tecnologia voltadas às empresas e ao avanço da industrialização e a necessidade de se aumentar os investimentos no setor privado, o que é muito reduzido se comparado às nações com as quais o Brasil precisa competir no mercado global. “O País investe 1% do PIB em atividades de P&D, sendo 0,7% pelo governo e 0,3% pelas empresas. Outras nações aplicam pelo menos 2%, sendo 1,2% pelo setor privado”, relatou.

Para superar esse constrangimento, ele propõe a redução dos riscos para que firmas façam pesquisa, mediante encomendas tecnológicas, incentivos fiscais e garantia de propriedade intelectual. Sugere também a criação de parques tecnológicos e a subvenção de pesquisa por pequenas empresas.

 

Gente para fazer
Professor da Escola de Engenharia da USP de São Carlos, Paulo Seleghim Júnior destacou a necessidade de garantir boa formação acadêmica. “Temos universidades que propiciam na graduação e na pós-graduação o surgimento de talentos, pessoas que criarão produtos e processos. No entanto, são em número insuficiente, tendo em vista “o tamanho do Brasil e a complexidade desse quebra-cabeça de 180 milhões de peças que precisa ser montado”, observou.

Ponto crítico também para Barbosa, da Anpei. “No Brasil, é estimado que cerca de 15 mil profissionais de nível superior, na sua maioria engenheiros, estejam em atividades de P&D&I, enquanto que na Coréia esse número está acima de 60 mil”, comparou.

Para Seleghim, é preciso também resolver o nó do baixo nível do ensino básico, problema grave que normalmente não está na agenda da engenharia, conforme ele. “Ao focar no profissional, pode-se resolver vários dos problemas existentes, simplesmente por ter gente qualificada para fazer o que é necessário”, aposta.

 

Conjuntura política e profissão
Compondo a programação do seminário realizado em Campinas, dentro do projeto “Cresce Brasil”, o consultor sindical João Guilherme Vargas Netto falou sobre a atual conjuntura política brasileira e o papel do movimento sindical diante dela. Na sua análise, no que se anuncia como um conturbado período eleitoral, os trabalhadores devem optar por construir a unidade de ação, a partir de questões convergentes. “Nesse sentido, esse seminário, que reforça bandeiras históricas do movimento dos engenheiros, é uma contribuição importante”, afirmou.

Ele lembrou ainda que num cenário em que o debate corre o risco de se polarizar entre ricos e pobres, o que seria negativo, o movimento sindical pode exercer seu papel tradicional de integrador da democracia. Um panorama histórico da engenharia foi traçado à platéia pelo presidente do Crea-SP (Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia), José Tadeu da Silva. Ele apontou ainda a necessidade de avanço contínuo no Sistema Confea/Creas, criado em 1933, e de iniciativas que superem as falhas na Lei 5.194/66, que divide os papéis do Crea, dos sindicatos das categorias abrangidas por ele e das associações de classe. “Daí a importância da união entre todos esse entes”, destacou.

 

 

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