Energia

Vender a Cteep é solução “tipo favela”

Soraya Misleh

 

O conceito foi apresentado pelo professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Carlos Lessa, durante o seminário “Riscos da Política de Privatização das Energéticas Paulistas”. Realizado em 26 de setembro último na sede do SEESP, o evento foi promovido por essa entidade e explanou as preocupações dos participantes com a possibilidade de privatização da Cteep (Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista).

A justificativa do Governo é que os recursos obtidos com a venda da empresa serão destinados a capitalizar a Cesp (Companhia Energética de São Paulo) em R$ 1 bilhão – sua dívida total é de cerca de R$ 11 bilhões. Para Lessa, medidas como essa são equivocadas. “Minha impressão é que no setor estamos tendo uma solução ‘tipo favela’. Ou seja, improvisam-se soluções sobre uma equação que está errada e se produz algo ininteligível”, destacou. Na sua concepção, para o País crescer o necessário – mais de 5% ao ano –, energia tem que ser pensada como projeto nacional de desenvolvimento ou mesmo continental. E não com uma visão de mercado.

Assim, não poderiam ser oferecidas as ações de uma empresa como moeda de troca para amenizar problema de outra. Conforme o consultor Peter Greiner, é o que pretende o Governo do Estado de São Paulo com a venda da transmissora paulista. “É apenas uma operação financeira, não a retomada do programa de privatização.” O deputado estadual João Caramez (PSDB) argumenta que a decisão foi necessária. “Tenho certeza que se o BNDES aventar possibilidade que amenize a dívida da Cesp, o Governo do Estado deixa de lado a privatização da Cteep”, afirmou. O senador Eduardo Matarazzo Suplicy (PT/SP) lembrou que, nos últimos três anos, “a União prestou garantia à geradora de mais de R$ 2 bilhões”. Além disso, ressaltou, somente com a venda de empresas resultantes da cisão da Cesp a partir de 1998, foram arrecadados mais de U$ 7 bilhões. “Mesmo assim, as dívidas do Estado e da companhia continuaram aumentando.”

Além de dúvida se o montante não escoará pelo ralo das privatizações, estudos demonstram que os resultados das desestatizações no setor foram danosos. “A onda neoliberal levou à subjugação do País, a partir do final dos anos 80, a um conjunto de princípios que conduziu ao apagão e fechamento de portas essenciais a uma nação tão carente de infra-estrutura como a nossa. E o precursor do movimento foi São Paulo, a partir de 1995”, salientou o professor de Pós-graduação em Energia da USP, Ildo Luís Sauer. E continuou: “Aquele modelo está superado desde o racionamento de 2001, cujas conseqüências vivemos até hoje.”


Impactos e alternativas
A diretora da Pro Teste (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor), Flávia Lefèvre, revelou sua face mais perversa: a elevação de tarifas, cujo aumento real foi superior a 380% desde o início das privatizações. De acordo com ela, com isso, houve incremento de ligações clandestinas e inadimplência, situação agravada pelas novas regras excludentes adotadas para enquadramento como tarifa baixa renda. Lefèvre alertou que vender empresas de transmissão repercutirá em ainda maiores aumentos na conta de luz e o consumidor residencial “chegou ao seu limite de pagamento”. Segundo Dalia Maimon, apresentadora do Boletim CBN Energia, esse foi o mais penalizado com os reajustes. Todavia, na sua ótica, o principal impacto com as privatizações foi sentido pelos trabalhadores do setor. Wilson Marques de Almeida, presidente do Sindicato dos Eletricitários de Campinas, jogou luz sobre o problema: “Em 1995, eram 34 mil na ativa, hoje são 17 mil.” E não são só esses que sofrem com as desestatizações. No caso da Cteep, José Milton Dallari Soares, presidente da Associação dos Aposentados da Fundação Cesp, apontou sua preocupação com a massa de aposentados sobre a qual a empresa é responsável.

O vereador Paulo Teixeira (PT) acredita que “o Governo Lula pode ser aliado para reverter o modelo perverso privatizante”. Para tanto, como atestou o professor da UFRJ, Luiz Pinguelli Rosa, teria que romper com a ordem neoliberal, o que até agora não aconteceu. “Seu erro foi não tornar a Eletrobrás, que tem capacidade para alavancar o setor, atuante em investimento.” Para o deputado federal Mauro Passos (PT/SC), ou o Estado retoma essa condição ou “vamos começar a viver o fantasma do racionamento e apagão”. Proposta de técnicos da USP de atuação coordenada entre empresas federais e estaduais para resolver o dilema da Cesp e Cteep foi apresentada por José Paulo Vieira, presidente da Termo Açu. No mesmo dia, Suplicy expôs tal alternativa em audiência com o governador Geraldo Alckmin, com o objetivo de avançar nessa proposta. Outra opção é a criação de holding que abranja companhias do setor no Estado, defendida pelo deputado estadual Sebastião Arcanjo (PT).
De acordo com Murilo Celso de Campos Pinheiro, presidente do SEESP, “após tantos percalços, é hora de mudar a trajetória. Caso contrário, jamais existirá o sonhado Estado de São Paulo, com condições de garantir qualidade de vida a sua população e contribuir ao crescimento do País”. Para tanto, ele explicitou que o sindicato tem promovido diversas ações contra a privatização da Cteep. A essa luta, seria fundamental que se somasse o cidadão comum. Foi o que garantiu a manutenção da Copel (Companhia Paranaense de Energia) como empresa pública. Segundo seu diretor de gestão corporativa, Luiz Antonio Rossafa, 97% da população foi contra sua venda.

 

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