Editorial

A oportunidade de alterar a rota

Mais chocantes por envolverem o partido que sempre pregou a ética e a moralidade na condução dos interesses públicos enquanto estava na oposição, as recentes denúncias de corrupção estão, lamentavelmente, longe de ser inéditas na nossa história. De favorecimento a empresas privadas por servidores públicos a compra direta de votos no Parlamento, todos já vimos esse filme.

A rotina não torna, contudo, menos urgente e necessário que se apurem as responsabilidades e se punam os culpados, ainda que seja preciso “cortar na própria carne”, como ressaltou o Presidente da República em seu discurso do dia 7 último. Até porque parece ser a única porta de saída à crise esclarecer exatamente o que houve nos Correios, no IRB (Instituto de Resseguros do Brasil) e, inevitavelmente, no suposto pagamento de mesadas à base aliada.

Feito isso, caberia a Lula também sem demora mudar a linha de ação adotada até aqui. Isso diz respeito à condução política do seu mandato, que experimenta momentos explícitos de fisiologismo – escancarado, por exemplo, por ocasião da abortada reforma ministerial em que abertamente se fatiava o Governo por apoio no Congresso, sem que as mudanças passassem sequer perto de questões técnicas ou de competência administrativa. Nesse aspecto, é provável que faça falta a reforma política para disciplinar tais relações. No entanto, será ingenuidade – ou hipocrisia – presumir que será ela a corrigir todos os males da República. É preciso real comprometimento com a democracia no País para que ela deixe o terreno dos discursos fáceis e passe à vida real.

Isso nos leva à alteração de rota mais crucial a ser feita pelo Governo. Ainda mais tolo é imaginar que pode ser verdadeiramente democrático um País em que campeia a miséria, a desigualdade e a injustiça social. Presentes desde a colônia, tais mazelas foram aprofundadas pelas políticas neoliberais implementadas a partir dos anos 90. Foi sobretudo a insistência numa política econômica que agradava ao cultuado deus mercado, e deixava a sua própria sorte o povo brasileiro, que desinstalou o PSDB do Planalto. Logicamente, o PT lá foi colocado para levar a cabo um projeto de mudança.

Passados dois anos e meio de mandato, esse não disse a que veio. Mantém intacta a política econômica de juros e superávit nas alturas, com conseqüentes cortes orçamentários nas áreas sociais. O sonho de desenvolvimento com inclusão social fica cada dia mais distante. Se as crises se constituem em oportunidades, talvez essa seja uma ótima deixa para que o Governo resgate seus compromissos com os 52 milhões de votos que recebeu. Para preservar sua biografia, o Presidente não deverá apenas ser implacável com a corrupção, está obrigado a pelo menos tentar cumprir o programa que o elegeu e deixar de dar as costas aos movimentos sociais que sempre o apoiaram.


Eng. Murilo Celso de Campos Pinheiro
Presidente

 

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