Poluição

Cobiçado e vulnerável, Aqüífero Guarani é motivo de preocupação

Soraya Misleh

 

Na Terra, há apenas 0,6% de água doce líquida, das quais 97,5% encontram-se abaixo do solo. Os percentuais aparecem no “Relatório de Qualidade das Águas Subterrâneas do Estado de São Paulo 2001-2003”. Elaborado pela Cetesb (Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental) e disponível em seu site, o documento indica que as águas subterrâneas abastecem mais de 72% dos municípios paulistas, total ou parcialmente.

Diante dos números, aqüíferos como o Guarani, o maior manancial de água doce subterrânea transfonteiriço do mundo, assumem importância estratégica. Assim, há preocupação com o uso agrícola nas suas áreas de recarga ou afloramento, como afirma o geólogo Marco Antonio Ferreira Gomes, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente (Empresa Brasileira de Pesquisa Ambiental e Agropecuária) e coordenador de estudo que vem sendo realizado nesses pontos. Trabalho feito na Microbacia de Ribeirão Preto entre 1995 e 1998, por exemplo, indicou traços de herbicidas, contudo, “em concentrações pequenas que não caracterizam contaminação”. Todavia, os resultados apontam a necessidade de “uma abordagem mais ampla de manejo agrícola sustentável”. Segundo ele, a sugestão é de uso racional de agrotóxicos. Se persistir o sistema atual, alerta Gomes, “num universo de oito a dez anos, o risco é de acúmulo no solo e, com isso, parte do produto descer ao lençol mais profundo e, conseqüentemente, ao aqüífero”,

Técnicos estão atentos ainda à possibilidade de contaminação do Guarani pela vinhaça, fonte de nitrato e potássio aplicada como fertilizante em culturas como a cana-de-açúcar – atividade dominante e em expansão nas áreas de recarga encontradas em Ribeirão Preto. “Não há estudo efetivo sobre isso”, afirma José Maria Gusman Ferraz, também pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, que coordena trabalho relativo à poluição por agroquímicos. Na ótica de Dorothy Carmen Pinatti Casarini, gerente da Divisão de Qualidade de Solos, Águas Subterrâneas e Vegetação da Cetesb, falar em contaminação pela vinhaça hoje é irresponsabilidade. “Anualmente são emitidos relatórios e não temos essa informação. O cuidado necessário é com a concentração aplicada. Se for elevada, há risco de excesso de nitrato em águas subterrâneas. Daí, essas não terão qualidade para consumo humano”, explica. Caso isso ocorra, “podemos solicitar que seja interrompida a aplicação”. Para orientar seu uso em solo agrícola e evitar a ocorrência de poluição, a Cetesb apresentou norma técnica publicada em março último no Diário Oficial do Estado. Segundo a gerente da companhia, que participou de sua elaboração, essa visou padronizar a aplicação. “Antes, cada agência da Cetesb tinha um procedimento e as usinas se guiavam pela demanda nutricional da cana, pelos boletins de agronomia.” De acordo com Casarini, o órgão exige o monitoramento por parte das usinas, mas só faz o controle de poluição no local, mediante amostragens esporádicas, em caso de dúvidas. “Não há nenhum dado sobre essa necessidade.” Hoje, conforme ela, a verificação é feita através dos projetos enviados pelos empreendedores.

 

Controle democrático Diretrizes mais restritivas para a exploração agrícola nas áreas de recarga do Guarani – bem como à expansão urbana que tem como conseqüência a impermeabilização excessiva do solo, dificultando a absorção de água nos pontos de afloramento do aqüífero – foram traçadas pela Promotoria de Justiça do Meio Ambiente de Ribeirão Preto e constam de parecer técnico. Tais fundamentam-se, conforme o promotor Marcelo Pedroso Goulart, nos princípios de precaução e prevenção. Para diminuir o impacto da produção agrícola convencional, incluem-se medidas voltadas à redução do uso de insumos e agrotóxicos, como a rotação de culturas, o uso de adubação verde e a não-utilização de herbicidas de pré-emergência.

Além das possibilidades de contaminação e impermeabilização nas áreas de recarga, outro fato preocupante, segundo José Carlos Manço, do Movimento a Água é Nossa, é “o acentuado rebaixamento do nível do aqüífero, tenho a impressão que por retirada excessiva de água”. Diante disso, ele sugere controle mais efetivo de seu uso, bem como a ampliação da participação da sociedade civil na definição de diretrizes. Essa é uma crítica recorrente ao principal projeto para mapeamento e monitoramento do aqüífero – o qual, inclusive, salienta Gomes, excluiu empresas públicas brasileiras, assim como algumas instituições. “A gente considera inadequado que seja encampado pelo Banco Mundial, o qual teoricamente usa isso para preparar o terreno à privatização de suas águas”, conclui o sociólogo Luis Fernando Novoa, da Rebrip (Rede Brasileira pela Integração dos Povos). A idéia é monitorar esse trabalho e defender um novo projeto que garanta o controle democrático e soberano do aqüífero.

 

O manancial

O Aqüífero Guarani está localizado na região Centro-leste da América do Sul e ocupa uma área de 1,2 milhão de quilômetros quadrados. Estende-se pelo Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Sua maior ocorrência se dá em território nacional (2/3 da área total), onde abrange sete estados, incluindo São Paulo. Nesse, o Guarani é explorado por mais de mil poços e situa-se numa faixa no sentido sudoeste-nordeste. Sua área de recarga ou afloramento ocupa cerca de 17 mil km2 e é a mais vulnerável. Deve, portanto, ser objeto de programas de planejamento e gestão ambiental permanentes.

Fonte: Site do Departamento de Águas e Energia Elétrica Araraquara

 

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