Mercado

Engenheiro ferroviário vive contradições que permeiam setor

Soraya Misleh

 

Ao mesmo tempo em que é criado curso para formar novos engenheiros ferroviários, os antigos enfrentam o fantasma do desemprego e a briga por condições justas de trabalho. Esse é o dilema do setor que vive sob o signo do abandono desde o começo do malfadado programa de privatizações, iniciado nos anos 90.

Contrastando com essa situação, a Companhia Vale do Rio Doce acumula bons resultados e mantém duas modernas ferrovias: Vitória-Minas e Carajás. Para fazer frente ao crescimento do seu negócio, instituiu neste ano o Curso de Especialização Lato Sensu em Engenharia Ferroviária, numa parceria entre a sua universidade corporativa, a Valer, e o Instituto de Educação Continuada da PUC-MG, onde foram ministradas aulas durante os três primeiros meses. Segundo informa Eduardo Bartolomeo, diretor de Operações de Logística da Vale, a primeira turma reúne 40 estudantes – sendo que dez eram funcionários da empresa e os demais foram contratados por ela após serem selecionados para fazer o curso. A partir de junho, conforme ele, todos começam o estágio dirigido, com duração de oito meses.

Mas haverá mercado de trabalho a esses novos engenheiros fora da companhia? Washington Soares, diretor técnico da CBTF (Câmara Brasileira de Transporte Ferroviário), acredita que sim e explica a razão: “O modal já mudou. O segmento de carga geral conteinerizada vem crescendo em média 17% ao ano.” Bartolomeo também nutre tal crença, dado o aquecimento do setor. “Esse é um processo perene. Vai haver falta de profissionais e a tendência no Brasil é começar a se criar pólos que formem essa mão-de-obra, senão vamos perder competência técnica”, complementa. Para embasar a afirmação, aponta que houve muito interesse pela especialização: “Surpreendeu-nos a atratividade do programa. Foram mais de cem candidatos por vaga.”

 

Operação resgate – Na visão de Clóvis Muniz, presidente da CBTF, a perspectiva é de que haverá mercado a esses profissionais, mas não muito grande. Tal, de acordo com ele, será impulsionado pelas medidas de revitalização do setor. Anunciadas em maio pelo Governo Federal, incluem a injeção de recursos de R$ 1,5 bilhão na Brasil Ferrovias – que congrega as empresas Ferronorte, Ferroban e Novoeste – mais o aporte de R$ 4,5 bilhões na Companhia Siderúrgica Nacional, ao longo de três anos, para a construção da Transnordestina. Em ambos os casos, o socorro virá principalmente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e o Governo não chegará a ter 50% das ações. No primeiro, o acordo abrange a reengenharia societária da Brasil Ferrovias, com a divisão do grupo em dois: Nova Brasil Ferrovias e Novoeste Brasil. A Assessoria de Comunicação do Ministério dos Transportes justifica: “Mais que o saneamento financeiro da companhia, sua reestruturação favorecerá investimentos que poderão alcançar R$ 2,4 bilhões nos próximos quatro anos (2005/2009). Esse dinheiro será aplicado na manutenção das linhas férreas, na reforma de vagões e na aquisição de novas locomotivas.”

Para João Paulo Dutra, vice-presidente do SEESP, os investimentos na área que serão feitos pelo BNDES estatizarão “à moda brasileira”, ou seja, os riscos serão apenas para a sociedade e os possíveis lucros à iniciativa privada. “Mas, a situação do setor é tão caótica que todo dinheiro será bem-vindo. A esperança é que essa bem-arquitetada engenharia financeira alcance também os ferroviários, principalmente os já aposentados, que foram marginalizados pelo modelo implantado”, ressalta.

Os números vultosos não devem se refletir, ao menos por ora, na abertura de oportunidades aos profissionais da categoria na Brasil Ferrovias. “Hoje não há vagas e não temos necessidade nos próximos seis meses”, afirma Valmir de Oliveira Petenusse, coordenador de Relações do Trabalho da empresa. O que existe sempre, segundo Edson Thomaz Zilião, gerente de Desenvolvimento e Relações do Trabalho da companhia, é espaço para estagiários, o que preocupa Ricardo José Coelho Lessa, presidente da Delegacia do SEESP em Sorocaba.

“Querem mandar o pessoal velho embora e contratar novos. Será que vão fazê-lo pelo piso profissional?”, questiona, lembrando que o sindicato ingressou com ação para garantir a 16 engenheiros da Ferroban esse direito, o qual vem sendo descumprido. Além disso, há outros 16 afastados a critério da empresa, porém remunerados. Para Lessa, é uma contradição a companhia manter pessoal qualificado encostado e continuar com programa de estágio.

Enquanto abre-se espaço para estudantes e recém-formados, antigos vivem a angústia de não saber se terão seu lugar ao sol diante da reestruturação do setor. Trabalhadores da RFFSA (Rede Ferroviária Federal S/A), por exemplo, temem as conseqüências da extinção da companhia por medida provisória, anunciada recentemente. A Assessoria de Comunicação do Ministério garantiu que “para evitar a demissão automática e perda de mão-de-obra especializada, os funcionários serão absorvidos pela Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes, a Geipot”. Todavia, não se pode esquecer que essa também encontra-se em liquidação.

 

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