Editorial

O imperialismo explícito em cartaz


É esse o espetáculo que os eleitores estadunidenses ofereceram ao mundo ao garantir mais quatro anos de mandato a George W. Bush, no pleito de 2 de novembro. Livre de suspeitas de fraudes na apuração e com mais de 59 milhões de votos no bolso, além de maioria no Congresso, o atual presidente já reafirmou sua guerra ao terror, assim como a defesa da democracia no mundo – isso, claro, ao seu modo bem próprio.

O anúncio é motivo de tensão para todos aqueles que não adotam a subserviência absoluta como regra na relação com os Estados Unidos, especialmente no Oriente Médio ou na América Latina – Irã e Cuba são alvos desde sempre. Mas o primeiro passo, após a vitória, deu-se ainda no Iraque com a ofensiva a Faluja, reduto da resistência contra a invasão, que já soma centenas de vítimas entre mortos e feridos.

O resultado contraria a opinião pública mundial, que majoritariamente torcia por uma vitória do senador democrata John Kerry, conforme revelavam as várias enquetes dos meios de comunicação, especialmente na Internet. Aliás, é provável que a consciência disso tenha levado centenas de cidadãos não-alinhados a Bush a postar seu pedido de desculpas ao mundo no site www.sorryeverybody.com. Entre o humor e a comoção, as inúmeras mensagens repetem um recado básico: “Desculpe, mundo. Nós tentamos, mas ele venceu. Assinado: metade da América.”

 

Para além de Bush – A simpática iniciativa revela um problema real. De fato, Bush é um tremendo abacaxi a ser descascado. O estilo cowboy do presidente de atirar primeiro e perguntar depois, a defesa de valores fundamentalistas cristãos que beiram a irracionalidade (como a ressuscitação do debate criação versus evolução) e suas íntimas e perigosas ligações com a indústria petrolífera e armamentista são de tirar o sono. Também não ajuda muito sua maneira de lidar com a gigantesca economia estadunidense, que, presa de fragilidades estruturais, representa uma bomba-relógio a países periféricos e dependentes como o Brasil.

Apesar de tudo isso, é impossível debitar apenas a Bush o estilo imperialista que marca a história dos Estados Unidos desde a sua independência, estivessem democratas ou republicanos no poder. Os primeiros a experimentar o estilo, guiado pelo “Destino Manifesto”, seriam os índios americanos e depois o México e a seguir o resto do mundo, especialmente as Américas do Sul e Central. A argumentação, que se sofistica ao longo do tempo, permanece colonialista e muitas vezes racista, mas o pretexto é a eterna defesa do mundo livre. Em “Contendo a Democracia”, o escritor Noam Chomsky denuncia a falácia desse discurso: “Até um exame superficial no registro histórico revela que um tema persistente na política externa norte-americana tem sido (...) o recurso à violência para destruir as organizações populares capazes de oferecer à maioria da população uma oportunidade de ingressar na arena política.” A seguir, o próprio Chomsky esclarece o sentido da retórica: “Se o que queremos dizer com democracia de estilo norte-americano é um sistema político com eleições regulares, mas sem nenhum questionamento sério da dominação empresarial, não há dúvida de que estrategistas políticos norte-americanos anseiam por vê-la estabelecida no mundo inteiro.” E num resumo, dispara: “O ideal democrático, dentro e fora dos Estados Unidos, é simples e direto: você é livre para fazer o que quiser, desde que seja o que nós queremos que faça.”

 

Eng. Murilo Celso de Campos Pinheiro
Presidente

 

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