Editorial

Brizola, uma história de coerência


O Brasil perdeu, no dia 21 de junho último, um de seus grandes líderes políticos, o ex-governador Leonel Brizola, nosso companheiro engenheiro. Se a sua biografia não está totalmente livre de equívocos, está certamente marcada pela coerência ao longo de décadas de vida pública. E, sem dúvida, ele entrará para a nossa história por sua luta em defesa da democracia e das causas populares.

Uma dessas foi verdadeira obsessão em sua vida: a educação das crianças pobres, no intuito de garantir a esses pequenos brasileiros a chance de uma vida digna. Foi motivado por esse anseio que Brizola, aos 36 anos, já governador do Rio Grande do Sul, construiu 6 mil escolas no Estado, mudando o destino de muitos dos seus conterrâneos. Décadas depois, dirigindo o Rio de Janeiro, levou adiante a mesma bandeira, com a criação dos Cieps (Centros Integrados de Educação Pública) e depois da Uenf (Universidade Estadual do Norte Fluminense), estruturada para ser um grande centro de tecnologia. “Não haverá Brasil desenvolvido se não houver brasileiros desenvolvidos que construam esse desenvolvimento”, explicava, lançando mão da redundância para fazer ver o óbvio que neste País de caríssimos carros importados e compras na Daslu se ignora.

Ainda no final dos anos 50, cometeu outro ato de rebeldia contras as elites e a favor do povo que o elegera: encampou empresas de energia e telefonia que não cumpriam suas obrigações como concessionárias de serviço público no Rio Grande do Sul. Dessa feita, atingiu também os interesses dos Estados Unidos, tendo em vista a origem das companhias.

Mas o que terá sido provavelmente o seu feito mais marcante e um dos mais relevantes da história do País aconteceu em 1961, quando comandou a chamada Campanha da Legalidade pela posse do vice-presidente João Goulart, após a renúncia de Jânio Quadros. Arriscando sua posição como governador e a própria vida, Brizola chamou a si a responsabilidade de evitar um golpe contra a Constituição. Do Palácio Piratini, falando ao povo pela Rádio Guaíba, cujo transmissor teve de ser protegido pela Brigada Militar, ele organizou a resistência. Dias depois, após uma solução negociada com os militares, Jango tomou posse num regime parlamentarista, contrariando Brizola e o povo, que pedia armas ao governador, tal era o ânimo para o embate.

Apesar do anticlímax do desfecho, que por sinal só adiava o golpe por três anos, Brizola protagonizou, sem dúvida alguma, um momento raro em nossa história, assim como foi o discurso que proferiu naquele 28 de agosto de 1961. “(...) Poderei ser morto. (...) Não importa. Ficará o nosso protesto, lavando a honra desta Nação. Aqui resistiremos até o fim. A morte é melhor do que vida sem honra, sem dignidade e sem glória. (...) Podem atirar. Que decolem os jatos! Que atirem os armamentos que tiverem comprado à custa da fome e do sacrifício do povo! Joguem essas armas contra esse povo. Já fomos dominados pelos trustes e monopólios norte-americanos. Estaremos aqui para morrer, se necessário. Um dia, nossos filhos e irmãos farão a independência do nosso povo!”

Nesses tempos em que a esperança, dia após dia, cede terreno ao medo, seria bom que todos nos inspirássemos nas palavras do velho gaúcho. Hoje, não estamos ameaçados por tiros e bombas (a não ser, claro, pela verdadeira guerra civil na qual a violência urbana se constitui), mas nem por isso estamos mais seguros. A opção pela subordinação e a falta de um projeto de nação representam o terrível perigo de se perder a chance de concretizar o sonho de um Brasil justo, livre e soberano, há tantos anos esperada.

 

Eng. Murilo Celso de Campos Pinheiro
Presidente

 

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