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Cresce Brasil - Engenharia para integrar ciclovias no planejamento da mobilidade urbana

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Deborah Moreira


Objetos de polêmica, as ciclovias que vêm sendo implantadas na Capital pela atual gestão municipal são consideradas fundamentais dentro de um plano integrado de mobilidade urbana. Essa é a opinião de Edilson Reis, diretor do SEESP e especialista na área. Na sua ótica, devem ser pensadas como contribuição ao incremento da oferta de transporte, em harmonia com outros modais como ônibus e carros de passeio. Na cidade, espaço privilegiado ainda é mantido ao transporte individual.

Em março deste ano, a frota total de veículos da cidade já batia os 8,5 milhões, segundo o Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo (Detran). São 5,6 milhões de carros de passeio. Para mudar essa lógica, como defende historicamente o SEESP, é necessário priorizar o transporte coletivo, sobretudo de média e alta capacidade, e valorizar sistemas complementares, em que se incluem as ciclovias.

Adotar as bicicletas e enxergá-las nesse contexto passa ainda por mudança cultural. Ao seu incentivo, Reis enfatiza: “Para que as pessoas possam usar mais esse meio, o primeiro passo é construí-los. O segundo é dar segurança para quem já anda e a quem venha a optar por pedalar nas vias da cidade”, explica. “Agora com as vias pintadas e sinalizadas no centro, sinto segurança em levar meu filho (de 12 anos de idade). Tem alguns pontos que ainda precisam ser melhorados, mas são ajustes. O mais importante já aconteceu, que é começar a fazer”, atesta o músico Daniel Coronado, que é bastante experiente no pedal e se voluntariou a andar com a equipe do Jornal do Engenheiro em alguns trechos.

Não obstante critique o plano que vem sendo posto em prática pela Prefeitura Municipal de São Paulo, por entender que ocorre em detrimento da implantação de corredores de ônibus, o engenheiro especialista em mobilidade urbana Sergio Ejzenberg concorda que o sistema é complementar. Ele pondera: “O nosso plano cicloviário focou na área central e esqueceu as periferias, onde a demanda é maior.” Ele sugere a criação de bicicletários nas periferias junto às estações de trem ou de metrô: “Aí a pessoa faz parte do trajeto de bicicleta e o restante por meio de transporte de massa.”

O plano
O projeto vem sendo implementado em cumprimento ao que estabelece o Plano Diretor Estratégico, aprovado pela Lei 16.050, de 2014, para ampliar a rede e qualificar o transporte público. Já o Plano de Metas, exigido da administração pública pela Lei Orgânica do Município desde 2008, tem o compromisso de desenvolver e favorecer o uso da bicicleta como modo de transporte e a Meta nº 97 prevê a construção de 400km de vias cicláveis até 2016, além dos 63km existentes anteriormente. O montante equivale a 2,6% dos 17.500km do viário da cidade. Parece pouco, mas se aproxima de cidades como Rio de Janeiro, que tem a maior malha cicloviária do País (360km), e da capital colombiana Bogotá (376km), a maior da América Latina, que comporta até 1 milhão de usuários. Atualmente, São Paulo conta com malha de 323,6km, sendo 289,6km de ciclovias, das quais 224,9km foram feitos nessa gestão.

A Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) vem operacionalizando a implantação. O órgão ainda estuda uma metodologia para contabilizar os ciclistas na cidade. De acordo com a pesquisa Mobilidade 2012, feita a cada dez anos pelo Metrô, as viagens por bicicleta alcançaram 333 mil ao dia, número maior que as feitas por táxi (158 mil ao dia).

Dado que demonstra o volume de bicicletas nas ruas do País é da Associação dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo), segundo o qual o Brasil é o terceiro maior fabricante da “magrela”, com participação em mais de 4% da produção mundial, atrás somente da China e Índia, sendo o quinto maior consumidor. A frota nacional está estimada em mais de 60 milhões, sendo que cerca de 44% do total está concentrado na região Sudeste e 50% das viagens têm como destino o trabalho.

Supervisora do Departamento de Planejamento Cicloviário da CET, Suzana Nogueira conta que na implantação na Capital em um primeiro momento foram priorizadas as áreas próximas às estações de metrô, trem e terminais de ônibus. Ao ser questionada se a Prefeitura dará preferência às regiões mais carentes na periferia, onde há, inclusive, maior circulação de bicicletas, Nogueira afirma: “É um dos eixos do projeto. Em Parelheiros, por exemplo, temos um plano cicloviário. Porém, é uma área de preservação ambiental e há um trecho em que dependemos de uma empresa ferroviária para liberação.” Na zona leste estão concentrados quase 35% do que foi implantado até agora, de acordo com ela, e alguns locais são prioridade, como Jardim Helena, onde há uma demanda grande de usuários.

Informações como essa foram reunidas pela CET a partir de documentos já existentes da companhia e relatos de ciclistas que entregaram um mapa ao poder público. “A primeira coisa que a gente fez foi levantar tudo o que já tinha sido produzido. Tem muita informação do que foi discutido no Plano Diretor de 2004, do qual participei. Fizemos essa coleta de informações dentro da Prefeitura. Depois, pegamos o que havia de previsão em outros órgãos, como Metrô, SPTrans, Secretaria de Obras, e fomos acrescentando e estabelecendo diretrizes a partir desses dados. Criamos uma rede de referência”, ressalta a supervisora.

Usuária e defensora do modal, ela lembrou ainda que “pensar uma ciclovia na cidade não é algo novo”. Segundo o Boletim Técnico 50 da CET, que reúne os primeiros esboços e estudos sobre ciclovias na cidade, o primeiro projeto do gênero elaborado pela companhia foi em dezembro de 1980 e ligava dois polos – o Parque do Ibirapuera e a Cidade Universitária –, com um traçado de 7,7km, utilizando os canteiros centrais e calçadas das avenidas.

Diálogo
Morador da Barra Funda, Coronado defende o estreitamento do relacionamento entre ciclistas e poder público a partir de um canal de comunicação. Além disso, sugere a formação de grupos de apoio para visitarem empresas e incentivar os trabalhadores a aderirem ao modal.

Uma parte da sugestão do músico já vem sendo considerada, com reuniões de integrantes da CET com cicloativistas – ciclistas organizados em grupos e coletivos que atuam pelo uso da bicicleta na cidade. Um deles, José Eduardo Santos, conhecido por Eduardo Magrão, contou ao JE que no dia 19 de maio último o movimento Bike Zona Leste se reuniu com Suzana Nogueira para tratar das conexões entre as ciclovias daquela região. “A batalha agora é para garantir dotação específica para expansão da malha cicloviária na peça orçamentária do Executivo para 2016, além de solicitar emendas do maior numero possível de vereadores para o mesmo fim”, diz Magrão.

Nogueira confirma que diversas reuniões são realizadas com os movimentos organizados. Ela lembra que hoje o perfil do usuá­rio de bicicleta é de percurso de até sete quilômetros. “Não é a realidade de todos. Tem quem venha ao centro de Parelheiros (extremo da zona sul), de São Miguel (extremo da zona leste), diariamente. É uma quantidade menor, mas tem. Por isso, as ciclovias são pensadas para pequenas, médias e longas distâncias, e em todas as regiões da cidade”, explica (leia entrevista completa).

Professor de Direito, Odir Züge Junior defendeu recentemente tese de doutorado sobre cicloativismo paulistano. “Defendo a legalidade no discurso dos ciclistas. Desde norma de Constituição até norma técnica de construção de obras viárias, eles estão prestando atenção. É recorrente aqui no Brasil que os técnicos que tratam do planejamento não compreendam suficientemente o agir no trânsito de bicicleta e consultem frequentemente os ciclistas que estão se organizando no País inteiro”, diz ele, que atribui tal situação à ausência desse conhecimento específico. “No Brasil, os corpos técnicos são formados sem informação sobre bicicletas. Pergunta para qualquer engenheiro mecânico se algum deles fez alguma matéria específica sobre bicicleta (na graduação)”, desafia Züge, que pedala diariamente por cerca de 20km, do Horto Florestal, onde mora, até seu trabalho. “Eu vou e volto e não sou um super-homem. É uma distância que muita gente faz. Levo meu terno e gravata na mochila e tenho onde tomar banho. Considero grandes deslocamentos acima de 30km.” De acordo com seus estudos, os cicloativistas são poucos, “alguns milhares” que, mesmo sem poder econômico, mantêm um diálogo permanente com o poder público há cerca de oito anos.

Para a jornalista Cláudia Hallage, que há dois anos voltou a pedalar constantemente de Santo Amaro até a região central e Pompéia, é preciso investir em educação para harmonizar as relações dos diversos atores do trânsito. “Os motoristas de carro e de caminhão vêm pra cima, fechando a gente. Quando pedalo sozinha, a agressividade é maior, por ser mulher. Já teve mão esticada para bater na minha bunda, escuto coisas do tipo ‘vem pedalar aqui, vem sentar aqui’”, lamenta ela, que integra o grupo de mecânicos da Oficina Mão na Roda, da Associação Ciclocidade, cujo objetivo é ensinar o ciclista a consertar sua própria bicicleta.

A educação no trânsito é apontada também como fundamental por diversos especialistas. Em São Paulo, foram registradas 47 mortes de ciclistas em 2014, 12 a mais que em 2013, segundo estudo da CET. Em percentuais, o aumento equivale a 34,3%, mas em números absolutos, é a segunda menor estatística em dez anos. “As ciclovias salvam vidas. Ruim com elas? Pior sem”, conclui Coronado.

Confira também reportagem no JE na TV

A experiência do SEESP
A reportagem do Jornal do Engenheiro andou por algumas das ciclovias do centro com apoio do usuário Daniel Coronado, que a orientou sobre ajustes que precisam ser feitos, como constatado pela reportagem. Entre eles, buracos, declives no meio-fio que em uma ciclovia bidirecional podem representar perigo ao usuário que estiver na via próxima da calçada. Também falta sinalização em alguns cruzamentos.

Quando se anda pela ciclovia, é possível perceber que o volume de bicicletas circulando é significativo. Fica evidente que ainda há um número bem menor do que o esperado, mas já há um movimento inicial de pessoas indo e voltando do trabalho, entregadores e crianças passeando.
A equipe do JE pôde constatar que muitas das críticas sobre a qualidade das ciclovias são pertinentes, porém, é preciso levar em conta que foram construídas sobre pavimentação antiga. Ou seja, a situação das ruas da Capital já era ruim. Todo o conjunto viário carece de manutenção.
A quem deseja optar pelo modal, orientações podem ser encontradas em http://bikeanjos.org .

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