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Entrevista – “Impeachment visa desmanche social”

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Rita Casaro*

Arguto observador do cenário sociopolítico e econômico brasileiro e mundial, o consultor sindical João Guilherme Vargas Netto, em entrevista ao Jornal do Engenheiro, chama a atenção para os interesses em jogo na atualidade. Para ele, se por um lado há problemas reais no País, a exemplo da corrupção que vem sendo apurada na Petrobras e as medidas de ajuste econômico de caráter recessivo anunciadas pelo governo, por outro, é preciso estar atento à agenda velada que visa fortalecer ainda mais os lucros e o poder de fogo da banca financeira em detrimento do bem-estar da população. Nesse sentido, adverte, a proposta de impeachment aventada hoje tem como alvo o desmonte dos avanços sociais obtidos nos últimos anos.  Ainda na avaliação de Vargas Netto, a defesa intransigente dessas conquistas, que incluem emprego e ganhos salariais, coloca o movimento sindical unitariamente no rumo correto.


O ano de 2015 começou sob a tônica da crise econômica e política. Qual a gravidade da situação no Brasil hoje?

Para qualquer frequentador de rede social, espectador de TV ou leitor de jornal, o Brasil, se não acaba hoje, acaba amanhã. Há um clima que eu chamo de “barata voa”. Ou seja, estamos vivendo uma situa­ção de confusão generalizada que, tendo como grandes personagens a Presidência da República e o partido hegemônico do governo, não deixa de perturbar também todos os outros protagonistas. Há uma percepção de que o governo não tem tido condições de oferecer um rumo seguro de enfrentamento das dificuldades (que são de ordem econômica social e política) compatível com a manutenção daquilo que vinha caracterizando esse governo: emprego, salário, respeito a direitos e condições sociais de progresso e avanço. Mas, embora na mídia haja um clima de fim do mundo, o Brasil continua.


Mas há dificuldades reais a serem enfrentadas, sobretudo pelos trabalhadores.

Temos que reconhecer que o movimento sindical dos trabalhadores é o único que tenta enfrentar a conjuntura numa perspectiva de superação sem histeria. Representado pelas suas centrais, conseguiu a unidade de ação em torno da defesa dos direitos e conquistas. Assim, com suas manifestações e mobilizações, tem estado na vanguarda da luta contra as demissões maciças e está a um passo de formular o grande slogan sintetizador da conjuntura, que é “não à recessão”. As medidas [anunciadas pelo governo] são tomadas para enfrentar a crise, mas há forte suspeita de que se não forem modificadas colocarão o Brasil na rota da recessão. Diferente de um desenvolvimento lento, com preservação de ganhos reais dos salários e do emprego, isso vai significar demissões e arrocho. O movimento, nas lutas que já trava contra as medidas provisórias 664 e 665, que constrangem o abono e o seguro-desemprego, levanta essa ideia de não à recessão.


Como entra o movimento sindical dos engenheiros nessa batalha?

Essa rede tem um papel protagonista em representar o interesse dos engenheiros e da engenharia brasileira. Diferentemente da sua linha estratégica, que é o projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, que defende a melhoria das condições de vida, a recessão prejudicaria o patamar de conquistas obtidas até agora. Assim, esse movimento sindical tem procurado enfrentar os erros do governo e defender a sociedade e a economia para que não haja retrocesso.


Nesse cenário, como lidar com as denúncias de corrupção na Petrobras?

Nesse quadro que é real de ineficiência, malfeito e roubalheira, o rentista coloca como bandeira o “delenda Petrobras” (do latim, a Petrobras deve ser destruída), como em “delenda Carthago”.  Ele quer privatizar, acabar com a regra do conteú­do nacional e o sistema de partilha. No fundo, quer o pré-sal. Devemos estar atentos. Com um olho, vigiamos e combatemos a corrupção, mas com outro, defendemos a Petrobras desses lobos.


E as especulações sobre impeachment da Presidente da República?

Em 2013, a garotada se manifestou na linha do “quero mais”. Em 2015, as pesquisas estão demonstrando uma queda generalizada de prestígio, gerada não pelo “quero mais”, mas pela incerteza sobre o amanhã. Nessa situação de desesperança e preocupação, é óbvio que um setor da sociedade quer avançar o elemento político do impeachment. Se tem sustentabilidade? Eu digo que não. Porque assim como se equivoca a franja radical que defende que deve ficar tudo como está, a franja radical da derrubada geral também não prospera. Nós criticamos a presidente Dilma Rousseff e a sua equipe econômica por estarem anunciando medidas que, a nosso juízo, armam a recessão. Mas, ironicamente, essas são as medidas que o campo adversário a ela tomaria. Essa histeria decorre de um fato que precisamos ser sagazes para perceber. A democracia no Brasil hoje se desequilibra entre a quantidade numérica de votos e a qualidade da hegemonia dos votantes. Por exemplo, o mercado financeiro dos bancos manda muito mais que milhões de eleitores.  Desse ponto de vista, o esforço sindical para impedir que medidas errôneas sejam tomadas faz parte da tentativa de reequilíbrio entre quantidade e qualidade na nossa democracia.


Qual a situação do Brasil em relação ao cenário mundial?

O mundo hoje atravessa uma situação de crise muito mais grave que a brasileira em termos econômicos, sociais e políticos.  E eu quero chamar a atenção para um aspecto que até irrita. Todas as alternativas de avanço que têm aparecido namoram a experiência brasileira dos últimos 12 anos. O partido Podemos, na Espanha, é explícito em citar a experiência brasileira; o Syriza, na Grécia, também. Quando em janeiro último começou a vigorar na Alemanha o salário mínimo como existente agora, foi inspirado na política brasileira. Quando o Obama fala em tirar dinheiro dos ricaços para auxiliar a classe média, inspira-se na nossa política. E no momento em que todos que procuram alternativas olham para a nossa experiência, nós flertamos com a possibilidade de desmanche dessa experiência. A ideia de impeachment da Dilma não é golpismo, porque a regra é constitucional, mas é o namoro ao desmanche da política social.


*Colaborou Priscila Silvério

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