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Opinião - Pão de trigo com mandioca: uma receita fadada a queimar?

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Eduardo Augusto Girardi

       O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou integralmente projeto de lei que versava sobre a polêmica adição de farinha ou fécula de mandioca na farinha de trigo e seus derivados, aprovado em setembro último pelo Senado Federal. A adição gradual e voluntária fora negociada para se evitar um choque de demanda, que poderia acarretar em aumento imediato do preço dos derivados de mandioca. Apenas os programas sociais dos governos municipais, estaduais e federal deveriam adquirir pães, biscoitos e macarrão produzidos a partir da mistura de farinhas.
       O percentual máximo de 10% a ser acrescido era também acerto dos legisladores. Estudos científicos demonstram que esse é o limite de mistura entre as duas farinhas que não resulta em alterações organolépticas perceptíveis ao consumidor. A iniciativa privada que aderisse à mudança receberia incentivos fiscais. Segundo estimativas da Abam (Associação Brasileira dos Produtores de Amido de Mandioca), a nova lei resultaria na criação de 50 a 100 mil novos empregos e em 10% de crescimento na produção de raízes. A economia com importação de trigo seria significativa, já que essa representa quase 80% de nossa demanda. A associação de produtores lastimou o inesperado veto. Um dos argumentos apresentados foi a dificuldade em se comprovar a composição da mistura, implicando maiores custos às indústrias.
      E o consumidor, como seria afetado por essa adição? Uma abordagem a ser ressaltada é a questão nutricional. A mandioca e seus derivados são alimentos ricos em amido e essencialmente energéticos, porém as raízes também apresentam cálcio (50mg/100g), fósforo (40mg/100g) e vitamina C (25mg/100g). Tanto a farinha de trigo como a de mandioca têm valor calórico similar (310-360kcal/100g), e praticamente não apresentam gorduras em sua composição. A grande desvantagem é que os derivados da mandioca são pobres em proteínas (< 2mg/100g), sendo caracterizados como desprovidos de glúten, enquanto a farinha de trigo apresenta de 10 a 15% de proteínas, conforme o seu tipo. Variedades de mandioca contendo de 30 a 40% mais proteínas estão sob desenvolvimento pela Universidade de Brasília, o que poderá contribuir definitivamente para o enriquecimento nutricional de seus derivados.
      Nossa atenção deveria estar em promover o crescimento do consumo de alimentos, e assim há espaço tanto para o trigo quanto para a mandioca. Porém, a substituição parcial de insumos importados por matérias-primas nativas deveria ser encarada como questão de segurança alimentar do Estado, além de oportunidade de novos negócios. Ela pode beneficiar a sociedade como um todo, e as dificuldades inerentes à mudança de hábito alimentar e adequações técnicas devem ser previstas no planejamento governamental. Ademais, há uma dívida histórica do Brasil com a mandioca, e a nova lei começaria a saná-la.


Eduardo Augusto Girardi é engenheiro agrônomo,
doutorando em Fitotecnia pela Esalq/USP (Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da
Universidade de São Paulo), produtor rural e auditor líder da qualidade.


 
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